quinta-feira, 7 de agosto de 2014

1932: O primeiro bicampeonato - Parte I


1932: O PRIMEIRO BICAMPEONATO - PARTE I 

Clóvis Campêlo

Em 1932, no dia 3 de fevereiro, enquanto a família coral comemorava o 18º aniversário de fundação do “Mais Querido”, a FPD proclamava o Santa Cruz como o legítimo campeão de 1931. Publicando a proclamação na data do aniversário tricolor, a entidade máxima procurava reaproximar-se do clube campeão, aparando as arestas surgidas no conflituoso jogo final, contra o Náutico. Eis o teor do documento, abaixo transcrito: “Federação Pernambucana de Desportos - Ato nº 2: O presidente da Federação Pernambucana de Desportos, usando das atribuições que lhe são conferidas e tendo em vista o resultado do último campeonato de futebol, conforme comunicação que lhe foi feita pelo diretor do Departamento de Desportos Terrestres, resolve proclamar o Santa Cruz Futebol Clube campeão de 1931. Gabinete da Presidência, em 3 de fevereiro de 1932. ( a ) Renato Silveira, presidente”.
A grande festa comemorativa, porém, só aconteceria no dia 15 de março, na nova e luxuosa sede inaugurada pela agremiação tricolor na rua João Pessoa (hoje, rua Nova), esquina com a praça Joaquim Nabuco. Na ocasião, foram entregues aos atletas campeões as medalhas ofertadas pela FPD. A solenidade foi comandada pelo desportista Alcides Lima, presidente em exercício, considerando o afastamento temporário do capitão Carlos Affonso de Melo. Perante um grande número de associados presentes, vários mandatários usaram da palavra, enaltecendo o feito e as figuras de velhos tricolores já desaparecidos. Foi ainda proposto e aceito por todos os presentes a concessão de títulos de sócios beneméritos ao atleta Julinho Fernandes, pelo seu desempenho na conquista do primeiro campeonato; ao treinador e diretor de esportes Ilo Just, como homenagem ao seu passado de atleta tricolor, e, ao presidente Carlos Affonso de Melo, pelos seus méritos como dirigente na conquista do primeiro título estadual. Segundo a imprensa da época, no final da cerimônia, foram servidos aos presentes bolinhos, doces, gasosas e cervejas.
A conquista do primeiro campeonato, aliás, repercutiria no seio da família tricolor durante todo o ano de 1932. No dia 10 de outubro, por exemplo, a diretoria do Santa Cruz realizaria ainda um festivo piquenique, em Prazeres, em homenagem aos jogadores pela conquista de 1931 e pela excelente campanha de 1932, que culminaria com a conquista do bicampeonato invicto. Diretores, sócios e homenageados saíram em automóveis, às 10 horas, do Largo da Paz, em Afogados, retornando, no final da tarda, após um lauto almoço. E, numa demonstração definitiva de que o grêmio coral vivia tempos de paz e prosperidade dentro e fora de campo, no dia 3 de novembro, o Comitê Pró-Livro inaugurava a biblioteca do Santa Cruz. Na sede, após a leitura do relatório, o sr. Berguedoff Eliot entregava as chaves da primeira estante. Também usou da palavra o sr. Carlos Rios, encerrando a inauguração oficial da biblioteca.
O campeonato estadual de 1932 foi disputado no período de 27 de março a 20 de novembro. Por decisão dos clubes, os disputantes foram divididos em dois grupos, com dois turnos cada, com os vencedores disputando a final, entre si, numa série melhor-de-tres. Os grupos ficaram assim constituídos: Grupo Azul - Sport, Náutico, Torre, Íris, Encruzilhada e AAA; Grupo Branco - América, Flamengo, Santa Cruz, Fluminense, Great Western e Israelita.
Sem a presença do Great Western, que só se filiaria à FPD depois de iniciado o campeonato, o Torneio Início foi disputado no dia 13 de março, na Av. Malaquias. Saiu vencedor o Sport, após derrotar o Torre, no jogo final. O Santa Cruz disputou dois jogos, vencendo o Flamengo, no primeiro, por 2x0, e sendo derrotado pelo Íris, no segundo, pelo mesmo escore.
Pelo certame de 1932 foram disputados 50 jogos (mais uma vez, dois jogos foram ganhos por WxO), sendo marcados 295 gols, com uma média de 5,9 tentos por partida. Assim como no ano anterior, não foi registrado nenhum empate pelo placar de 0x0. Novamente o Santa Cruz, numa demonstração incontestável da sua superioridade técnica, teve o melhor ataque e a defesa menos vazada, marcando 51 tentos e sofrendo apenas 13. Durante a competição foram utilizados apenas os campos do América, na Jaqueira (22 jogos) e do Sport, na Av. Malaquias (28 jogos). Vale salientar, também, que antes mesmo de disputar qualquer partida pelo certame a Associação Atlética do Arruda (AAA) foi descredenciada por não atender às exigências estatutárias da FPD. O Santa Cruz, vencedor do Grupo Branco, e o Íris, vencedor do Grupo Azul, disputaram as finais nos dias 15 e 20 de novembro, vencendo a equipe coral ambos os jogos pelo marcador de 4x1.

Recife, 2010

Lixo


LIXO
Recife, 1995
Fotografia de Clóvis Campêlo


Sonhei o teu sonho


SONHEI O TEU SONHO

Clóvis Campêlo

Sonhei o teu sonho
como um louco sonha com a felicidade
que se mostra possível
e que se esvai como as nuvens ao vento.
Sonhei o teu sonho
e nele o teu pensamento se mostrava nu
como o teu corpo em uma tela de Gaugin.
Sonhei o teu sonho
e nele eu vi que a realidade é fugidia,
apenas uma breve ilusão,
uma brincadeira do pensamento.
Sonhei o teu sonho
e de repente acordei e
te vi ao meu lado.
Deitei novamente
e fui dormir tranquilo
(a noite era longa e
já não havia pressa).
Recife, 2006

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Meninos do Brasil


MENINOS DO BRASIL
Juazeiro do Norte/CE, 1993
Fotografia de Clóvis Campêlo


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Gás paralisante


GÁS PARALISANTE

Clóvis Campêlo

Para Waldemar Lopes

Sim, a lua é de neon
mas o poeta não a nota,
gás paralisante brota
das teclas do acordeon.

Simbolicamente canta
um subjetivo mundo,
estranho e muito profundo
onde a realidade espanta.

A vida correndo inglória,
qual louca e fútil história,
delira e não vê passar.

Nem mesmo nota na rua
o real brilho da lua,
testemunha tão vulgar.
Recife, 1991

O pagador de promessa


O PAGADOR DE PROMESSA
Juazeiro do Norte/CE, 1993
Fotografia de Clóvis Campêlo


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Para César Castanha


PARA CÉSAR CASTANHA

Clóvis Campêlo

A César, o que lhe cabe:
um norte, uma nova vida
cicatrizando as feridas,
negando o que não se sabe.

E antes que tudo se esgote
haverá sempre um início
rompendo a amarra do vício,
trazendo o novo a reboque.

A César, o que lhe pertence:
todos os sonhos e os signos,
os pensamentos benignos
e tudo o que a vida tece;

o que ainda há de vir,
a esperança e a ousadia,
todas as noites e os dias,
as certezas do existir.

Recife, 1995

Seja marginal, seja herói


SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI

Clóvis Campêlo

É difícil imaginar o compositor Caetano Veloso, hoje rico e aburguesado, na televisão, cantando a marchinha “Boas Festas” com um revólver apontado para a sua própria cabeça. Em 1968, o Movimento Tropicalista era assim: radical, agressivo, atentando contra os chamados bons costumes culturais.
O programa Divino Maravilhoso, lançado na TV Tupi em outubro daquele ano, foi tirado do ar um mês depois. A televisão brasileira não estava preparada para ver aquele desbunde. Os serviços de segurança da ditadura militar, no entanto, já vinham de olho nas revoluções dos baianos.
A gota d'água, foi o show montado na Boate Sucata, no Rio de Janeiro, com o título de “Seja marginal, seja herói”. Segundo o jornalista Ricardo Alexandre, em matéria publicada no site da revista Super Interessante, espalhou-se que durante o show Gil e Caetano esculhambavam com o Hino Nacional Brasileiro. Segundo a Wikipédia, durante o espetáculo, compôs o cenário uma bandeira criada pelo artista plástico Hélio Oiticica com a inscrição “Seja marginal, seja herói”, com a imagem do traficante carioca Cara-de-Cavalo, que havia sido assassinado de forma violenta pela polícia carioca. Os donos do poder na época, os militares da ditadura, alegaram ainda que Caetano Veloso havia cantado o Hino Nacional de forma desrespeitosa, incluindo na letra versos desabonadores às Forças Armadas. Foi o suficiente para o show ser suspenso e os baianos serem presos e, posteriormente, exilarem-se na Inglaterra.
Foi por esse viés, camaradas, que o Tropicalismo chegou a Pernambuco e confrontou-se com o Movimento Armorial de Ariano Suassuna, que defendia a tradição cultural medieval brasileira e as armas e os brasões assinalados. Sinceramente, não havia como conciliar tudo isso em terras da pernambucália. Muito mais do que um confronto cultural, o conflito foi ideológico e político e se refletiu em atitudes do dia a dia de ambos os lados.
Assim, enquanto mestre Ariano Suassuna aceitava ocupar cargos públicos em governos biônicos da ditadura militar, encontrávamos Jomard Muniz de Brito, Aristides Guimarães e Celso Marconi, os principais arautos do Movimento Tropicalista paroquiano, nas passeatas de protesto e em outras atividades contestatórias, como o enterro do Padre Henrique, assessor direto do arcebispo Dom Hélder Câmara, brutalmente assassinado pelas forças da repressão. Era esse o contexto, era essa a diferença.
Era do Brasil do “Ame-o ou deixe-o”. As divisões eram nítidas, não havia espaço para indefinições ou dúvidas.
Hoje, passados mais de quarenta anos, parece-nos que tudo isso já foi devidamente digerido, enquadrado e assimilado. Ao menos para nós, o Movimento Armorial não mais nos parece tão retrógado e equivocado como naquela época, do mesmo modo que o Tropicalismo ficou muito mais caracterizado como um movimento destinado ao prazer conceitual de uma determinada elite intelectual brasileira.

Recife, 2014

- Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018

Papangu


PAPANGU
Recife, 1994
Fotografia de Clóvis Campêlo


domingo, 3 de agosto de 2014

O Recife Sombreado



O RECIFE SOMBREADO
Recife, julho 2014
Fotografias de Clóvis Campêlo

O poeta


O POETA

Clóvis Campêlo


Para Alberto da Cunha Melo

Trôpego, o poeta caminha,
desafia o espaço e recria,
assim como um equilibrista,
a geografia do seu abismo.

A força que o impulsiona,
instinto necessário à vida,
arquiteta com traição
a hora do golpe final.

Cumpre a sua trajetória fatal
qual manso e belo cordeiro que,
cego pela luz mais próxima,
imagina vastas planícies.

Acaricia-lhe o vento
a face pálida e vazia.
Já não canta a felicidade,
apenas caminha e vai.
Recife, 1991

Publicado no jornal Folha de Pernambuco, Recife, nos dias 14 e 27.04.2010.

sábado, 2 de agosto de 2014

Quintal


QUINTAL

Clóvis Campêlo

Miúda hortelã,
mangas suspensas no ar,
bananas anãs.

Recife, 2009

Bandeiras


BANDEIRAS
Recife, 1994
Fotografia de Clóvis Campêlo


Força Centrípeta


FORÇA CENTRÍPETA

Clóvis Campêlo

Desde quando ando,
vejo e sinto,
morro, olho.
Meu olho olha
e vê e sente
o que eu quero sentir
quando olho para
a minha imagem
inspiradora do bem.
O mal existe
do outro lado
da barra.
A barra fica,
fica no meio;
a barra é a libra
e eu sou
a força centrípeta
que te atrai.
Quer você queira,
quer não,
eu sou a
força do coração.

Recife, 1976

A bandeira era vermelha...


A BANDEIRA ERA VERMELHA...
O governador Miguel Arraes de Alencar com a bandeira do MST
Recife, 1994
Fotografia de Clóvis Campêlo


sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Insônia


INSÔNIA

Clóvis Campêlo

A primeira lembrança que esse título me traz à mente é o livro homônimo de Graciliano Ramos lançado em 1947 pela Editora José Olympio. Seu Clóvis, meu genitor, tinha na estante de casa toda a coleção do escritor alagoano, que tive a sorte de ler ainda na adolescência.
Meu pai não era um intelectual no sentido estrito do termo, mas tinha uma pequena e eclética biblioteca caseira onde desfilavam alguns grandes autores: Graciliano Ramos, Albert Camus, Vladimir Nabokov, entre outros. Mas tinha também na estante autores populares, como Marcial Lafuente Estefanía, um espanhol que gostava de escrever sobre o velho oeste, e heróis da literatura de massa americana, como Irving Le Roy, detetive de cabelos prateados, e Shell Scott, um ex-fuzileiro naval americano que lutou na Guerra do Pacífico e que criava peixinhos dourados no seu escritório. Diante deles, costumava decifrar as mais incríveis incógnitas policialescas.
Entre as heroínas, lembro-me de Giselle, a espiã nua que abalou Paris. Integrante da Resistência Francesa na II Guerra Mundial, usava a sua beleza e formosura para arrancar informações dos oficiais nazistas. Descoberta e fuzilada pelos alemães, Giselle deixaria uma filha, Brigitte Montfort, que transformada em agente super espiã da CIA, ajudaria Tio Sam na Guerra Fria contra a expansão ideológica da então União Soviética. Cercados por tantos e fabulosos heróis, estávamos à salvo do perigo vermelho no Pina dos anos 60.
Contudo, amigos, não era minha intenção ir tão longe nessa abordagem memorialista da pequena biblioteca do meu pai. Queria apenas fazer referência ao livro de Graciliano Ramos, tomando-o como leitmotiv para falar da insônia que hoje de vez em quando me atormenta.
De início, também lembrei-me da falta de sono que atormentava Michael Jackson e que terminou por fugir do seu controle e levá-lo à morte. O astro pop ficava várias noites sem dormir e tentava explicar isso como resultante da adrenalina que lhe deixava excitado após cada show. Afirmava que perdia, em média, quatro quilos por apresentação e de madrugada, na solidão dos quartos de hotel, não conseguia conciliar o sono. Diariamente, necessitava de um coquetel de sedativos e soníferos para desfrutar de algumas horas de descanso. Embora não nutrisse por ele grandes admirações, não deixei de me comover com o seu drama pessoal.
De Graciliano Ramos a Michael Jackson, muita águas rolaram na minha vida e no mundo. Hoje, ambos estão mortos, muito embora ainda sejam respeitados e admirados nas suas respectivas áreas.
Quanto a mim, utilizo a minha insônia como motivo para mais uma crônica. Nas madrugadas barulhentas do bairro da Madalena, onde hoje moro, faço da varanda do meu apartamento um mirante privilegiado onde procuro observar a lua e as estrelas no céu, à noite, e o movimento incensante dos automóveis pela madrugada.
Tudo ao som de Moonlight Serenade, de Glenn Miller.

Recife, julho 2014

terça-feira, 29 de julho de 2014

Quem canta os seus males espanta?


QUEM CANTA OS SEUS MALES ESPANTA?

Clóvis Campêlo

Faz tempo isso. Encontrei o amigo na Ponte da Boa Vista, no centro do Recife, debaixo da maior chuva. Cantava e dançava na rua. Estava feliz. E como sempre foi muito performático, tentava demonstrar isso a todos os transeuntes.
O motivo de tanta felicidade? Conseguirá, finalmente, seduzir a mulher pela qual estava apaixonado. Achava que a empreitada valia uma demonstração pública de maluquices. O povo olhava admirado e, é claro, sem entender muita a coisa. Eu mesmo imaginei que houvesse enlouquecido, até que me explicasse o fato. Mesmo assim, achei que era muita atitude para pouco resultado. Como pode se iludir um homem apaixonado!
O tempo passou e mostrou que eu tinha razão. Depois de dez anos e dois filhos, separaram-se. Ela gostava de outro. Sempre gostara e ele, na sua paixão desvairada, não conseguira perceber isso. Cada um seguiu o seu caminhar. A vida, camaradas, sempre insiste em prosseguir.
Para mim, cantar na chuva sempre foi coisa de americanos. E ele, o meu amigo apaixonado, não se parecia nem um pouco com o Gene Kelly. Talvez, visualmente, estivesse mais para Malcolm Mcdowell, que interpretou o vilão sádico de Laranja Mecânica, cantando a mesma música, numa sequência em que espanca um homem e estrupa a sua mulher.
Mas, afinal, cada um, canta onde se sente mais à vontade para tal. Dona Tereza, minha mãe, por exemplo, adorava cantar na cozinha, enquanto preparava o almoço. Catava o feijão interpretando Noel Rosa (“Nosso amor que eu não esqueço...”) e batia os bifes com Maysa Matarazzo (“O meu mundo caiu...”). Nos dias em que brigava com o meu pai, desafogava a raiva caprichando nas porradas e amaciando a carne. Hoje, tenho a clara percepção de que esses foram os melhores e mais macios bifes que eu comi na minha vida.
Cantar, cantava também embriagado o velho Manoel, homem de cor apaixonado por dona Lourdes, mulher branca de peitos fartos e lhe incendiar a imaginação: “Tu és divina e graciosa, estátua majestosa do amor, por Deus esculturada...”. Ela, com seus óculos escuros de madona experiente, fingia não perceber que a canção lhe era destinada. E aquele canto ao mesmo tempo alegre e nostálgico do cantor apaixonado, rasgava no Pina as noites quentes de verão. Houve um tempo em que Manoel, lanterneiro de mão cheia, era o seu mantenedor. Ganhara muito dinheiro com os americanos na ocupação da Segunda Guerra Mundial.
A pensão de dona Lourdes (estritamente familiar, faça-me o favor!), ficava próxima ao Cassino Americano, onde os garbos soldados de Tio Sam se divertiam. Ali, em noites de luar, quando a musicalidade do mar se fazia notar com mais esplendor, o velho negro dera provas incontestáveis do seu amor pela matrona.
Com o fim da guerra, no entanto, não encontrara a paz o seu coração. Dona Lourdes apaixonara-se por um velho taifeiro americano que resolvera dar baixa da marinha ianque e viver o resto dos seus dias contemplando, ao seu lado, a magia do mar do Pina.
Só restara ao poeta apaixonado, noite após noite dedilhar ao violão o seu canto plangente: “Oh linda imagem de mulher que me seduz...”

Recife, 2014

domingo, 27 de julho de 2014

Tudo melhora todo o tempo?


TUDO MELHORA TODO O TEMPO?

Clóvis Campêlo

A vida não nos permite nenhuma outra alternativa do que caminhar sempre na linha reta do tempo. E, se o futuro a Deus pertence, o passado é nosso, um velho filme guardado nos porões da mente, podendo ser resgatado a qualquer momento.
Se o futuro é uma página em branco aguardando o seu desenho, o script do passado não pode ser modificado, a não ser pela imaginação. Todo esse processo se dá aqui e agora, no momento fugidio do presente.
Só nos resta, assim, caminhar para o futuro, para a frente, mesmo sabendo que lá, em alguma esquina do tempo, encontra-se o lance final, o umbral da transformação solitária. Para onde vamos? Sabe-se tanto quanto de onde e por que vinhemos!
Esse questionamento inútil é privilégio (ou sofrimento) que contempla apenas o ser humano. Divagamos, subjetivamos e sofremos por isso. Para que angústia diante do inevitável da vida?
Mesmo assim, é de bom alvitre pensar que tudo melhora todo o tempo. Se nos é dado o direito de criar mecanismos compensatórios, esse pode ser um deles. O acervo memorialista do indivíduo (e talvez de todo o coletivo humano) é sempre definido pelo que já se passou. Os bons momentos vividos e as realizações gratificantes insistem em se repetir. Por seu lado, as experiências negativas e traumatizantes criam em nossos inconscientes bloqueios defensivos e isolantes. Assim, instintivamente, tendemos a repetir o que achamos que pode ser certo e satisfatório sempre. Não entendemos, dialeticamente, que o que mantém a vida pode ser o mesmo que a ceifa. Do mesmo modo, a ameaça imaginada também pode ser a salvação. Ao nosso racionalismo, alimentado por séculos, não cabe entender isso.
O ideal seria alimentarmos a indiferença diante do que nos foge ao controle. Até porque talvez não exista controle algum sobre nada. A ideia do controle generalizado seria mais uma tentativa desesperada de sobrevivência do nosso ego (sem o corpo, ele não mais existe).
Talvez, como diria o poeta Bandeira, só nos reste relaxar e dançar um tango argentino. Chega de enganarmos a nós mesmos. Afinal, pior do que está ainda pode ficar. O somatório da experiência humana é que nos diz isso. Por que, então, insistir em nadar contra a corrente do tempo retilíneo?
Ou então colocar na vitrola aquela canção do Roberto. É preciso saber viver. Sem medos e sem ódios. Exercitar o olhar calmo dos mártires diante do inevitável.
Talvez entender que viver é praticar a capacidade de suportar a vida no que ela ainda não nos mostrou de pior. Resignar-se como o cordeiro a ser imolado.
Deixemos que os quatro fabulosos continuem a cantar “Is getting better all the time”!

Recife, 2014

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Seu Ariano


SEU ARIANO

Clóvis Campêlo

E lá se foi seu Ariano. O mês de julho, fica assim marcado por mais uma morte literária. Um autor que soube fazer a junção da cultura erudita com a tradição oral da cultura popular. Juntou tudo, colocou no liquidificador da imaginação e criou, entre outras coisas, o Movimento Armorial.
Lançada em 1970, segundo definição do próprio Ariano no Jornal da Semana de 20 de maio de 1975, a arte armorial seria aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico da literatura de cordel, com a música de viola, rabeca ou pífano que a acompanha, e com a iconografia das xilogravuras que ilustram as suas capas.
Alguns podem até questionar que esta teria sido mais uma apropriação indébito da arte do povo por um autor pequeno burguês, muito embora tenha resultado em obras fantásticas e de grande identificação como o imaginário do homem nordestino da classe média.
Outros, podem até classificá-lo como xenófobo, haja vista a sua aversão pelo “modernismo” influenciado por culturas alienígenas. Quem não se lembra, por exemplo, do questionamento que teria feito a Chico Science sobre a adoção de tal nome: “Por que não Chico Ciência?”. Quem não se lembra, por exemplo, que sempre desconsiderou a Bossa Nova como um movimento musical autenticamente brasileiro, acusando-a de descaracterizar a MPB sob a influência do jazz? Quem não se lembra, por exemplo, da aversão que nutria pelo Movimento Tropicalista dos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil, por achar que avacalhava a cultura brasileira expondo os seus ridículos e contradições?
Poucos se lembram, porém, de que a tradição cultural popular nordestina está enraizada na cultura portuguesa medieval, transplantada para cá por nossos invasores e colonizadores. Nesse sentido, mestre Ariano “apenas” recusava-se a aceitar as influências modernizadoras da nossa cultura, reconhecendo como autêntico somente o que se manteve inalterado ou pouco modificado pela passagem do tempo.
Poucos se lembram também que embora professasse ultimamente o credo socialista, resultante da aproximação que teve com o ex-governador Miguel Arraes, do qual foi vizinho no bairro de Casa Forte, nos anos 70, anos de chumbo da ditadura militar, foi secretário de cultura no governo biônico do prefeito Antônio Farias, entre 1975 e 1978, além de sócio fundador do Conselho Federal de Cultura, em 1967, indicado pelo reitor Murilo Guimarães da UFPE.
A aproximação com o ex-governador Miguel Arraes no início dos anos 90, aliás, levou-o a ocupar o cargo de Secretário Estadual de Cultura.
De agnóstico à cristão, de integrante do governo militar da ditadura ao credo socialista, assim foi Ariano Suassuna. Subindo o Morro da Conceição para homenagear a Santa ou dando as suas aulas-espetáculos nas universidades brasileiras, marcou presença na vida cultural brasileira dos séculos XX e XXI.

Recife, 2014

sábado, 19 de julho de 2014

Reminiscências e histórias julianas



REMINISCÊNCIAS E HISTÓRIAS JULIANAS

Clóvis Campêlo

Para mim, o mês de julho começa no dia 3, com o aniversário do meu neto Pedro. No dia 29, nasceu seu Clóvis, meu pai. Entre as duas datas natalícias, ainda comemoro no dia 5 o aniversário de dona Carmelita, a minha avó materna, e dos meus tios maternos Maurício e Luiz, nos dias 11 e 15, respectivamente,
Foi no dia 20 de julho de 1969, aliás, que a missão Apollo 11 pousou na lua. Os astronautas americanos Neil Amstrong e Edwin Aldrin, tornaram-se, assim, os primeiros seres humanos a pisar no solo lunar. Na noite desse acontecimento, eu participava de uma semana de arte popular organizada pelo grupo Juventude Unida de Brasília e Pina (Jubrapi), no salão de festas da paróquia de Brasília Teimosa. Foi uma noite de apresentações dos grupos de samba e maracatus do bairro, além de uma exposição de artistas plásticos e poetas populares. Engana-se quem pensa que o povo não tem uma cultura sólida e ancestral.
Curti tudo isso na companhia do meu amigo Valmir Sá e de Gracita Salgueiro, uma garota encantadora que estava na minha alça de mira havia tempos e que morava na mesma rua em que eu morava. Começamos a namorar naquela mesma noite. Juntos, assistimos o baticum dos maracatus e dos sambas suburbanos, vimos na pequena televisão em preto e branco o noticiário sobre a conquista da lua, e depois nos beijamos no portão da sua casa. Parafraseando o outro Amstrong, o Louis do piston, eu cantarolava “What a Wonderful World”!
Composta em 1967 por Bob Thiele e George David Weiss especialmente para Amostrong, a canção fala nas coisas simples do dia a dia e na esperança de um futuro melhor e mais promissor para a espécie humana. Ainda havia muito a ser aprendido por nós, adolescentes, e, portanto, a música vinha a calhar naquele momento histórico e pessoal.
Amstrong, o músico, por sinal, faleceria em Nova Iorque, no dia 6 de julho de 1971, quatro anos apenas após ter gravado a música acima.
O mês de julho também, dentro da tradição da Igreja Católica, é devotado ao Preciosíssimo Sangue de Cristo, em reverência ao sangue de Jesus derramado na cruz. Consta que, em 1848, o Papa Pio IX foi expulso de Roma pelas forças revolucionárias. No ano seguinte, os exércitos franceses permitiram-lhe voltar à Cidade Eterna, após um ataque que durou de 28 de Junho a 1 de Julho. Invocando e dando graças pelo sangue derramado por Jesus por amor aos homens de todos os tempos, o Sumo Pontífice criou esta festa, situando-a no dia em que lhe foi possível voltar a Roma. O Papa seguinte, Pio X, estendeu a festa à Igreja Universal. Nos nossos dias, quase esquecida, a festa é celebrada solenemente em algumas congregações religiosas.
Em julho, nós recifenses, reverenciamos Nossa Senhora do Carmo, a padroeira da cidade, cuja festa comemora-se no dia 16. Julho também é o mês de San'Ana, a mãe de Maria, com festa no dia 26.

Recife, 2014


terça-feira, 15 de julho de 2014

Sem choro nem vela!


SEM CHORO NEM VELA

Clóvis Campêlo

Desonerados pela goleada sofrida contra a Alemanha, disputamos o terceiro lugar no sábado, em Brasília, e voltamos a amargar outra derrota: Holanda 3x0. Assim, de revés em revés, superamos duas marcas negativas ao longo da história da nossa seleção de futebol: levamos dez gols em dois jogos seguidos, fato absolutamente inédito, e sofremos duas derrotas consecutivas em uma mesma copa do mundo, o que não acontecia desde 1974, quando perdemos por 2x0 para a Holanda de Cruijf e Neeskens, e perdemos depois, na disputa pelo terceiro lugar, para a Polônia de Lato.
A nossa campanha, aliás, nesta Copa do Brasil foi bastante sofrível: em sete jogos, três vitórias, dois empates e duas derrotas. Marcamos onze tentos e sofremos quatorze, com um saldo negativo de três gols. Até a vitória contra a Colômbia, uma campanha razoável. Depois, o desastre total, o vexame.
Baseados na campanha vitoriosa da Copa das Confederações, no ano passado, quando no jogo final derrotamos por 3 x 0 nada mais nada menos do que a Espanha de Iniesta, campeã do mundo em 2010, na África do Sul, e vencedora do Campeonato Europeu de Seleções, em 2012, repetimos praticamente os mesmos jogadores e o mesmo esquema tático.
Desde a primeira fase, porém, que o rendimento brasileiro não se mostrou o mesmo. Quando o lateral esquerdo Marcelo, no jogo de abertura da Copa, marcou um gol contra em favor da Croácia, foi pouco confortado por toda a equipe. Apenas o goleiro Júlio César lhe foi solidário e o consolou. Toda a restante da equipe ficou indiferente, como se não tivesse nada a ver com o acontecido. Marcelo, aliás, que segundo alguns comentaristas esportivos brasileiros seria o jogador brasileiro cujo nível técnico mais se aproximaria do de Neymar, teve um desempenho apenas razoável. Toda a equipe, aliás, seguiu esse nível técnico. Até mesmo a dupla de zaga, formada por David Luiz e Tiago Silva, mostrou um desempenho de baixa qualidade, cometendo erros individuais e coletivos fatais e que influíram diretamente no resultado dos dois últimos jogos, comprometendo-se e comprometendo o conceito de grandes jogadores do qual desfrutavam.
No último jogo contra a Holanda, inclusive, quando um grande público compareceu à Arena Mané Garrincha, em Brasília, esperando uma grande vitória da Canarinha e uma atuação reabilitadora, mais outra imensa decepção. Vimos um time sem alma e sem garra ser facilmente envolvido pela Holanda de Robben e Van Persie que, sem muito esforço, nos impôs uma outra goleada.
Resta-nos agora iniciar um trabalho de renovação humano e conceitual, já que muitos dos jogadores do elenco atual estarão com a idade avançada na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, e já que os nossos conceitos táticos mostraram-se dentro de campo ineficazes e superados.
Nesta Copa do Mundo, lá se foi uma camisa amarela sem direito a choro e nem vela!

Recife, 2014

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Vencer e mudar!


VENCER E MUDAR!

Clóvis Campêlo

Amigos brasileiros, para nós agora o importante é vencer e mudar! Chega de incompetência e fair-play! Já sabemos que vamos enfrentar a Holanda, na disputa pelo terceiro lugar. O esquema de jogo holandês assemelha-se ao da Alemanha: força, velocidade e competência tática. O time de Robben chega à disputa pela terceira colocação sem perder de ninguém e com o mérito de ter goleado a favorita Espanha no seu jogo inicial. É bem verdade que depois andou se atrapalhando com seleções menos expressivas, mas pratica um futebol cartesiano que se assemelha aos germânicos. É água mole que bate em pedra dura até que fure. Resta-nos engrossar com eles e reverter com categoria a situação conceitual que nós é adversa.
Mas, será que já superamos o trauma da goleada para nos impor? Muito mais do que uma obrigação, isso, para nós, deve ser uma questão de honra! O selecionado brasileiro é formado por jogadores profissionais amadurecidos e bem sucedidos em suas carreiras individuais. Não teriam o direito de cometer outra falseta. Podemos até perder novamente, mas imbuídos de um espírito de luta que não foi utilizado contra a Alemanha. Afinal, ainda somos a Pátria de chuteiras e temos a tradição de um pentacampeonato disputado e ganho com méritos dentro de campo!
A seleção argentina chega à final da Copa 2014 com uma equipe relativamente modesta. Em nenhum momento da competição chegou a empolgar. Mas, teve o mérito de saber superar os obstáculos e alcançar o objetivo maior. Para eles, a possibilidade de serem tricampeões mundiais no Brasil, dentro do Maracanã, o templo do futebol, é fantástica. Não sei se conseguirão esse feito, pois considero que a Alemanha é muito mais equipe. Mas, decisão é decisão e em termos de superação os argentinos sempre surpreendem.
Sinceramente, amigos, para mim, a Copa do Mundo 2014 perdeu muito da sua graça com a eliminação do Brasil. Talvez por conta desse espírito desanimado é que tenha achado chatíssimo o jogo de anteontem, entre argentinos e holandeses. Um jogo truncado, com um respeito mútuo excessivo e que terminou sendo decidido na loteria dos pênaltis.
Preocupa-me agora a seleção brasileira. Desperdiçada a possibilidade do hexacampeonato e com uma média de idade alta entre os jogadores participantes da Copa 2014, precisaremos iniciar já um trabalho de renovação. Acredito que essa geração merece ser aposentada, ao menos em termos de seleção brasileira, do mesmo modo que Felipão e Parreira. Todos eles já deram a sua contribuição ao futebol brasileiro. Que troquem as chuteiras da glória pelas sandálias da humildade e da aposentadoria.
Que uma nova geração de valores surja e nos reabilite a credibilidade diante do mundo. Ninguém de bom senso poderá negar a qualidade dos nossos jogadores. Ninguém de bom senso, também, poderá negar que essa geração, com pouquíssimas exceções, foi superada pela dinâmica do futebol moderno.

Recife, 2014

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O arfante peito meu


O ARFANTE PEITO MEU

Clóvis Campêlo

Nascido depois, amigos, não fui testemunha da decisão entre Brasil e Uruguai, em 1950. Toda a informação que tenho hoje sobre aquela tragédia, obtive através da imprensa falada, escrita e fotografada. Tudo em preto e branco, como permitia a tecnologia da época. A bola de Ghiggia entrando, a cara desolada de Barbosa, o choro desconsolado das arquibancadas. Tudo variando do branco da camisa que vestia a seleção brasileira no dia fatal ao preto das sombras que assolaram o Maracanã. Mesmo assim, até ontem, esse fantasma me assombrava.
É claro que a partir de 1958, quando em tons amarelos ganhamos nossa primeira copa do mundo, a coisa se transformou e a eterna dor da derrota no Maracanã transformou-se em ímpetos de alegria e orgulho. A seleção brasileira passou a ser a pátria de chuteiras, redimindo-nos dentro de campo e elevando bem alto a nossa auto-estima. Aquele era um país que ia para a frente dentro e fora de campo, dizia o Gauss da época.
É bem verdade que entre os jogadores brasileiros que participaram da Copa em 1950, alguns sobreviveram à catástrofe, como Nílton Santos, que se tornaria bicampeão mundial, em 1958 e 1962, e seria considerado o maior lateral esquerdo de todos os tempos no futebol mundial. O próprio Barbosa, embora não tenha mais voltado à seleção brasileira, também teve uma longa carreira, após o Maracanaço, chegando, inclusive, a defender o glorioso Santa Cruz, no final dos anos 50, quando foi supercampeão pernambucano pela equipe coral. A maioria, porém, ficou definitivamente marcada pelo fracasso daquela decisão. No final, tudo aquilo conseguido durante o torneio, toda a bela campanha, foi reduzido à nada com a derrota.
Ontem, amigos, ao vivo e à cores, a situação repetiu-se para nós, com o agravante de uma goleada inesperada. Por mais que estivéssemos mal na competição, com uma equipe desentrosada e sem um esquema tático definido e eficiente, ninguém esperaria uma derrota por 7x1 para a Alemanha. Em dez minutos, ainda na primeira etapa, a máquina germânica nos impôs cinco tentos, sem que a nossa seleção conseguisse esboçar qualquer reação possível. Descuido, desatenção e desânimo, assim poderíamos definir a questão. Assim, na derrota achapante, diluiu-se o sonho do hexa. Assim, na capital mineira, mostrou-se para nós um horizonte nada belo. A síndrome do fracasso em terras brasileiras voltou a nos assolar. Fomos atropelados por uma seleção que prima pela atenção e repetição sistemática de jogadas bem ensaiadas. A criatividade brasileira, tão mal executada nesta Copa, caiu definitivamente por terra diante do mecanicismo alemão.
Resta-nos agora por em prática o senso de responsabilidade que ainda nos resta e nos prepararmos para enfrentar o perdedor do jogo de hoje, entre Holanda e Argentina, no próximo sábado, em São Paulo.
A vitória talvez sirva para aquietar o arfante peito meu.

Recife, 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Esse jogo não é 1x1!


ESSE JOGO NÃO É 1 x 1!

Clóvis Campêlo

No retrospecto da Copa 2014, amigos, a Colômbia leva vantagem sobre a seleção brasileira. Foram quatro jogos, com quatro vitórias inquestionáveis, inclusive, a última, sobre o Uruguai, que faz parte do seleto grupo dos campeões mundiais. Nós, brasileiros, conseguimos apenas duas boas vitórias e dois minguados empates. Estamos, portanto, em desvantagem.
Porém, no âmbito geral, o futebol colombiano nunca ocupou uma posição de maior destaque. Sua melhor colocação em copas do mundo, aconteceu em 1962, na Copa do Mundo do Chile, quando fomos bicampeões, ao ocupar 0 14º lugar. Naquela copa, inclusive, teve o grande mérito de empatar em 4 x 4 com a poderosa seleção da União Soviética. Nos demais jogos disputados, contra Uruguai e Iugoslávia, derrotas por 2x1 e 5x0. Aquela copa do mundo, aliás, foi a primeira disputada pela Colômbia. Depois, uma longa ausência em participações no mundial, só voltado à cena em 1990. Em 1994 e 1998, repetiu a dose, conseguindo a classificação para a fase final. Em 2002, 2006 e 2010, esteve mais uma vez ausente da disputa, haja vista a não classificação nas eliminatórias sul-americanas. E só. Volta agora, em 2014, como uma das sensações. Hoje, fará o seu teste de fogo ao enfrentar um país que já é penta campeão do mundo e busca a sexta conquista. Não vai ser fácil. Essa, inclusive, será a primeira vez que as duas seleções se encontrarão, numa copa do mundo.
No âmbito da Copa América, apenas uma vez, em 2001, quando a competição foi disputada no país, consegui vencer. Antes, em 1975, chegou ao vice-campeonato. E mais nada.
Entre os craques que vestiram a também camisa amarela colombiana, destaque para o meia Valderrama, que entre 1985 e 1998, com a sua vasta cabeleira, disputou 111 jogos pela seleção (foi o jogador que mais atuou) e marcou 11 gols. René Huguita, o folclórico goleiro de lances fantásticos e inusitados, foi outro grande destaque do selecionado colombiano, entre 1987 e 1999, atuando em 69 jogos e marcando três gols. No elenco atual, que disputa a Copa do Mundo do Brasil, está outro grande goleiro colombiano, Faryd Mondragón, que aos 46 anos de idade tornou-se o jogador mais velho a participar de uma copa do mundo e nela atuar, sem falar em James Rodrigues e Cuadrado.
Assim, mesmo sem a tradição de muitos títulos conquistados, a seleção colombiana já tem muitas histórias pra contar.
Do outro, a seleção brasileira, a única a participar de todas as copas já disputadas e a única a conquistar cinco títulos mundiais. Além de muitas e valiosas histórias, de uma relação imensa de grandes craques revelados ao mundo, a tradição de grandes conquistas. Se derrotarmos a Colômbia e passarmos para as semifinais, por conta da nossa tradição de grandes vitórias, não teremos feito mais do que a nossa obrigação de ganhar e chegarmos ao hexa.
Uma vitória colombiana significará para eles a superação e a quebra de mais um estigma, elevando o nome do país andino a um patamar superior no contexto do futebol mundial.
Por isso, amigos, não acredito que esse jogo seja 1 x 1!

Recife,2014

terça-feira, 1 de julho de 2014

E agora, Maria?


E AGORA, MARIA?

Clóvis Campêlo

Tudo parecia pronto para uma tarde festiva e vitoriosa, quando Maria, a colombiana, apareceu na sala vestindo uma camiseta vermelha, destoando da predominância amarela que ali se instalara. Talvez um descuido, talvez um ato falho, mas a situação gerou muitas brincadeiras e desafios.
Começa a peleja e logo a seleção brasileira faz um a zero, num gol meio malassombrado de David Luiz. Logo, no entanto, manifesta-se na Canarinha a síndrome da bunda na parede. Tentamos garantir o placar minguado na defensiva, esquecendo que a melhor defesa sempre é o ataque. Como se já não bastasse jogarmos com dois volantes pouco criativos (Luís Gustavo e Fernandinho, que não repetiu a atuação do jogo anterior contra camarões), temos um meia, Oscar, sumido no jogo e esquecido em campo. O Chile empata, numa bobeira de Hulk (logo ele, o super-herói brasileiro!) e ficamos com a impressão de que o nosso escrete sentiu a porrada. Começa a pressão em cima de Maria, a colombiana, para que trocasse a camiseta vermelha por outra amarela. Maria sucumbe à pressão brasileira e faz a troca, mas a nossa seleção parece não ter entendido os anseios da torcida e continua mal na partida. Termina o primeiro tempo com um certo alívio para nós, brasileiros. Volta a esperança de que, na segunda etapa, Felipão (como se ele fosse um grande estrategista!) acerte os ponteiros da seleção e consigamos praticar um futebol digno de pentacampeões.
Porém, recomeça o jogo e, apesar da camisa amarela de Maria, a colombiana, e do suposto esporro de Scollari, continuamos mal em campo. Aumenta a pressão chilena. Parece que o nosso meio campo desaprendeu de vez a jogar. Não funciona e a todo momento tentamos a chamada ligação direta da defesa para o ataque. Isolado, lá na frente, Fred pouco ou nada consegue fazer. Recuado para buscar jogo e marcado até com uma certa deslealdade, Neymar Jr. não produz. Somos muito mais um amontoado de jogadores em busca desesperadamente do gol do que um time coeso e praticante de um futebol coletivo. Assim se encerra o tempo regulamentar e vem a prorrogação. Nela, escapamos milagrosamente da derrota com uma bola na trave no finalzinho da segunda etapa. Na cobrança dos pênaltis, porém, a nossa redenção. Júlio César se impõe e defende dois. Neymar Jr. converte a última cobrança e nos classifica para as quartas-de-finais. A emoção acumulada aflora de vez e muitos não conseguem conter o choro. Escapamos por pouco.
Séria, Maria, a colombiana, a tudo assiste. Na sequência da tarde, vê a Colômbia derrotar o Uruguai com uma exibição de gala de Cuadrado e James Rodriguez. Com a classificação inédita, a Colômbia será a nossa adversária nas quartas-de-finais.
E agora, Maria?

Recife, junho 2014