sábado, 28 de setembro de 2013

Às margens do Capibaribe


ÀS MARGENS DO CAPIBARIBE

Clóvis Campêlo

Às margens do Capibaribe
ouvi o teu grito sentido,
o teu uivo de lobo desgarrado
buscando a alcateia.
Não temas, poeta, estamos contigo,
somos solidários e
irmanados na mesma fé.

Às margens do Capibaribe
vi o teu vulto solitário,
correndo por entre as árvores,
e a tua imagem confundia-se
com a do poeta Ascenso Ferreira.
Não te apresses, poeta, pois
não nos perderemos de vista,
estamos coesos e acesos
no mesmo ideal.

Às margens do Capibaribe
entendi que as nossas solidões
podem no rio desaguar,
formando um lago farto e profundo,
repleto de plenitude
e de alimento para as almas.
Não duvideis, poeta, pois o mundo,
na sua infinita e inconsistente
sabedoria, é feito de linhas tortas.

Cabe a nós, com o nosso discernimento
de bardos, transformá-lo e redefiní-lo.

O poeta não pode se furtar a cumprir o seu papel.

Recife, 2008

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O olhar


Fotografia de Clóvis Campêlo/1993

O OLHAR

Clóvis Campêlo

Aquele olhar, ao mesmo tempo, era chegada e despedida.
Talvez fosse apenas uma velha senhora, tal qual Carolina, na janela, vendo passar o tempo que ainda lhe restava.
Mas, nele havia um rastro tamanho de dignidade.
Era um olhar, ao mesmo tempo, sereno e inquisidor, indagando, sem ódio e sem medo, sobre o sentido da vida, sobre o acaso de estarmos ali, naquele momento, descobrindo-nos mutuamente.
Afinal, pelas ruas de Juazeiro do Norte, em dias de Padim Ciço, são muitos os transeuntes, crentes ou não, que por ali circulam em busca de si, da fé, dos céus.
É sempre um povo sofrido, calejado, euclides e forte. Antes de tudo, sertanejo.
Pelas ruas de Juazeiro do Norte, em Festa de Finados, sempre construimos um pouco mais da identidade do nosso povo, os nordestinados.
A imagem daquela velha mulher, na porta da casa simples de taipa, com as mãos serenamente cruzadas e inertes, depois de uma vida de lida e trabalho para sobreviver, trouxe, para nós, a constatação da nossa brasilidade.
Salve Juazeiro, salve Padim Ciço, mais uma vez salve o povo brasileiro!


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Amanhecer


AMANHECER
Fotografia de Clóvis Campêlo
Recife, 1992

domingo, 22 de setembro de 2013

O caminho


O CAMINHO

Clóvis Campêlo

O caminho pode ser
apenas uma seta,
uma reta,
uma meta.

O caminho pode ser
uma visão,
uma ilusão,
belo clarão.

O caminho pode ser
o início,
o princípio
ou o precipício.

No entanto,
só nos resta caminhar...

Recife, 2010

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A face


A FACE
Fotografia de Clóvis Campêlo
Recife, PE, 1992

sábado, 14 de setembro de 2013

O primeiro dia do resto da sua vida


O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA SUA VIDA

Clóvis Campêlo

O sonho fora terrível: dois operários em construção, amarrados e com os braços abertos, eram espancados em praça pública, pelos companheiros de obra, até a morte. Do outro lado da rua, sobre o lixo de um terreno baldio, um bebê de cabelos louros e encaracolados chorava, abandonado.
Deitara cedo, é verdade, e não conseguia entender porque sonhara aquele sonho estranho, em plena madrugada, quando o dia já começava a raiar.
Levantou da cama e olhou para a companheira que, bela, ressonava, tranquila, o sono dos justos. Era sempre assim: lutava contra a insônia e os pesadelos, enquanto ela dormia com a maior facilidade.
Durante anos se perguntara o por que disso, da insônia, da angústia. De nada adiantaram os anos de terapia ou mesmo os soníferos usados durante um certo tempo. Sabe lá Deus, quantas noites passadas em claro, nos últimos anos, ou dormindo mal e sonhando besteiras como as que sonhara há pouco.
Foi até a cozinha e colocou a água do café no fogo. Quando ela acordasse, o café já estaria pronto. Ao menos para isso, a insônia serviria. Pôs o pó do café no coador (detestava as cafeteiras que ferviam o pó junto com a água) e a água quente sobre ele, deixando o delicioso aroma invadir todos os cômodos do apartamento.
Logo ela acordaria, e repetiria a invariável pergunta: “Dormiu bem hoje?”. Já se acostumara com isso. Perguntava-se por que a repetição inútil da indagação. Tanto quanto ele, ela sabia da sua incapacidade de dormir bem. Sabia dos seus pesadelos e dos seus surtos depressivos.
Quando a ela dizia isso, alegando a inutilidade da pergunta, sempre respondia: “Lembre-se que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida e nele você tem a obrigação de ser feliz. Esqueça o ontem e o amanhã. Concentre-se no agora. Liberte e libere as endorfinas”.
Odiava esse discurso otimista, mas como gostaria que ela estivesse certa.

Recife, 2010


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Os beatos de Juazeiro do Norte





Fotografias de Clóvis Campêlo/1993

BEATOS DE JUAZEIRO DO NORTE

Clóvis Campêlo


Em Juazeiro do Norte os beatos de Padre Cícero manifestam a sua fé de várias maneiras.
O grupo acima desfilava paramentado pelas ruas da cidade de forma organizada, como um exército do bem, entoando cânticos religiosos e de fé.

Recife, 2011

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cavalo marinho


CAVALO MARINHO
Fotografia de Clóvis Campêlo
Recife, 1992

sábado, 7 de setembro de 2013

As histórias de Monte Santo


AS HISTÓRIAS DE MONTE SANTO

Clóvis Campêlo

Cinquenta anos depois, volto a assistir ao filme “Deus e o diabo na terra do sol”, do cineasta Glauber Rocha, filmado em branco e preto na cidade baiana de Monte Santo. Algumas coisas deixam-me constrangido: a beleza intensa e bem cuidada de Yoná Magalhães, vivendo a sertaneja Rosa, mulher do protagonista Manuel (Geraldo del Rey), que contrasta com os rostos encovados das mulheres da cidade, que trabalharam no filme como figurantes, e o intenso sentimento de culpa burguês manifestado pelo autor em relação aos dramas e ao destino daquele povo.
Segundo o jornalista João Villaverde, em matéria publicada no Estado de São Paulo em 26 de maio próximo passado, em comemoração aos 50 anos do filme, Glauber escolheu a cidade baiana para cenário da primeira metade das filmagens por conta da longa escadaria de pedra encravada na serra de Santa Cruz, que levava a uma pequena capela no alto do monte. Queria homenagear Sergei Eisenstein, repetindo uma passagem do filme “O encouraçado Potenkim” na cena em que o personagem Antônio das Mortes, vivido por Maurício do Vale) assassina os fieis seguidores do beato Sebastião (interpretado por Lídio Ferreira).
O cenário perfeito da Serra de Santa Cruz, aliás, foi concebido bem antes, em 1775, pelo frade capuchinho Apolônio de Toddi que viu ali uma imensa semelhança com o calvário de Jerusalém. Com a colaboração dos fieis, marcou a serra com os passos da Paixão de Cristo e construiu a capela, rebatizando o lugar com nome de Monte Santo.
Nove anos depois, em 1784, com o cenário do frade capuchinho ainda em construção (só seria concluído em 1790), foi achado no município, pelo menino Bernardino da Mota Botelho, a Pedra do Bendegó, o maior meteorito já encontrado no Brasil e atualmente o 16º maior do mundo. A pedra hoje encontra-se exposta no Museu Nacional do Rio de Janeiro, por obra e graça do imperador D. Pedro II que tomou conhecimento do fato ao visitar a Academia de Ciência de Paris, em 1886, ordenando a sua remoção do interior da Bahia para a metrópole carioca. A monarquia começava a ruir e prenunciava-se a chegada positivista ao país da ordem e do progresso.
Nove anos depois de perder o Bendegó, em 1897, já sob a égide da República do marechal Deodoro da Fonseca, Monte Santo receberia em suas terras as tropas militares lideradas pelo marechal Carlos Machado Bittencourt, que montaram ali a base da empreitada para a derrubada de Antônio Conselheiro, na vizinha cidade de Canudos.
65 anos depois, foi nessas terras repletas de significados e de acontecimentos políticos e históricos, que Glauber Rocha realizou as filmagens da primeira parte do seu filme épico.

Recife, 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Tu pisavas nos astros distraída...

Fotografia de Clóvis Campêlo/2013

TU PISAVAS NOS ASTROS DISTRAÍDA...

Clóvis Campêlo

Alguns doiram a pílula. Outros, vivem vestidos de doirado, palhaços das eternas e perdidas ilusões. Gostam dos guizos falsos da alegria e cantam suas fantasias entre as palmas febris do coração. Uma questão de opção, com certeza.
De ti, porém, só sei que nada sei. E mesmo quando pisas nos astros altaneira e distraída, sabes bem o que é a alegria dessa vida. E a tua alegria pode vir a ser a minha alegria, apesar da minha ignorância, da minha falta de tato, da minha falta de luz.
Para ti, o meu coração é a uma porta sem trinco e a lua, a brilhar com afinco, salpica de estrelas o chão da minha esperança. A minha alma desfeita em trapos coloridos, na corda qual bandeiras agitadas em estranho festival.
Não basta, porém, uma única canção para dimensionar a imensidão desse afeto, desse artefato elaborado, dessa sonoridade inacabada.
E mesmo quando do sol a claridade for encoberta pela sombra dos teus pés, restará um tênue raio de luz a desafiar uma possível escuridão.

Broto


BROTO
Fotografia de Clóvis Campêlo
Recife, PE, 1992

segunda-feira, 2 de setembro de 2013