quarta-feira, 31 de maio de 2017

Dias piores virão


DIAS PIORES VIRÃO

Clóvis Campêlo

Há épocas em que tudo parece conspirar contra nós ou contra as nossas vãs filosofias e ideologias. Não só fatores internos, como elementos externos também. Como se já não nos bastassem o passar do tempo e a sua ação deletéria sobre nós e a matéria que nos sustenta e mantém a nossa relação com o mundo exterior que nos cerca. Envelhecer não é fácil. Por isso, dias piores virão!
Com certeza, o enfraquecimento físico do indivíduo favorece o afrouxamento do seu ideário. Em determinados momentos viver não é preciso. Preciso será sobreviver. E isso requer adaptação aos novos tempos e adversidades. Já se disse que na prática a teoria se modifica. A idealização excessiva pode modificar o mundo, mas também pode nos reter prisioneiros em uma bolha imaginária onde nem sempre a perfeição será alcançada.
Vivemos hoje em um mundo que nem sempre caminha no sentido em que o desejamos. Talvez nem mesmo isso tenha acontecido em algum tempo. Temos hoje nas prateleiras ideias diversas que nos são servidas prontas e nem sempre questionadas ou revistas. A grande maioria, porém, nem a isso alcança. Prefere aceitar a prática repetitiva e patológica, achando que essa tranquilidade aparente e monótona é o objetivo final da vida. Para que se inquietar? Afinal, são vários os ópios do povo, inclusive os possíveis antídotos.
E embora a inquietação excessiva não deva ser a meta, estar aqui e agora não deixa de ser preocupante para quem insiste em pensar e questionar os parâmetros consagrados.
Houve um tempo em que se dizia que a saída estaria nos nossos aeroportos. Sair seria viver e ficar apodrecer. Muitos saíram e não voltaram. E nem todos os que ficaram caíram na podridão. Afinal, o processo é muito mais dinâmico do que pensávamos e nem sempre (ou nunca), para alegria geral dos inadaptados, existirá o controle perfeito.
Para mim, não adianta mais falar em estados do bem-estar social. A matilha retornou com fome e sede de sangue. Finda a revolução que nunca houve de fato, restará a briga pelo espólio. Aos tolos, as migalhas!
Admito que talvez ainda nos seja necessário abrir mão da misericórdia, do sentimento religioso da salvação. Não será essa mais uma ideia inventada?
Ou mesmo desinventar as soluções coletivas. Será isso mesmo que a maioria ignóbil quer?
Como diria o poeta reacionário, talvez só nos reste o último tango argentino em Paris...