quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Melancolia


Fotografia de Clóvis Campêlo/2008

MELANCOLIA

Clóvis Campêlo

Já não existem mansardas,
apenas o vulto de um alto
edifício
a olhar a cidade que cresce
vertical.
Vertiginoso, aos seus pés,
um rio persegue caudaloso
o tempo incessante.
Uma tristeza feita de pedras
me invade.
Solidifico-me e concebo
mais um poema
ausente de equilíbrio,
repleto de sangue
e signos.

Recife, 1991

sábado, 25 de agosto de 2012

O último sonho


Clóvis Campêlo/1991

O ÚLTIMO SONHO

Clóvis Campêlo

Uma casa à beira-mar tem sido o meu último sonho. Uma casa simples e rústica onde poderíamos escutar a música dos ventos e os murmúrios do mar.
Nas noites de verão, conversaríamos com as estrelas enquanto a brisa marinha nos acariciaria as faces. Deslumbraríamo-nos com o balé dos coqueiros, projetados no chão pela luz de prata do luar, e deixaríamos o olhar se perder horizonte à dentro, a procura de um sinal, um vulto, navios fantasmas ou algum pescador solitário em busca do caminho de casa.
Nos levantaríamos, pela manhã, e saudaríamos o sol, que nos aquece e alimenta de energia, todos os dias, na sua incansável rotina da criação. Observaríamos a alegria se espalhando pelo verde do mar e pelo azul celeste e distinguiríamos todos os raios, um a um, assim como todas as nuvens. Caminharíamos pela praia e deixaríamos que o mar nos lavasse os pés, enquanto o sol se derramaria sobre as nossas costas e cabeças. Seríamos capazes de percebermos os mínimos movimentos, as mais sútis reações se processando no nosso corpo, na nossa pele, cabeça, no movimento das águas, dos ventos e entenderíamos que tudo isso é a vida fluindo, oferecendo-se e, ao mesmo tempo, escorregando entre os dedos. Entraríamos na água, qual viagem de retorno ao ventre da Mãe Natureza e nos deixaríamos purificar pelo sal do Senhor, todas as moléculas, todos os cristais em sintonia com o fluxo sanguíneo, dois oceanos vibrando na mesma frequência, na mais completa harmonia.
À tarde, colheríamos conchas nas areias mornas e escutaríamos histórias contadas por velhos pescadores.
E quando o inverno chegasse desbotando todas as cores e tornando tudo cinzento, escutaríamos o barulho da chuva no telhado e observaríamos a dança dos pingos sobre a areia, saciando a sede da terra e completando o ciclo das águas.
Os nossos olhares seriam mais brandos, a nossa mesa seria a mais simples e natural, dos nossos corpos magros emanaria um sentimento de paz e compreensão, e as nossas tireóides, com certeza, funcionariam um pouco mais devagar.

Recife, 1986

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Chuvas de agosto


CHUVAS DE AGOSTO

Clóvis Campêlo

Para nós, recifenses, inverno é sempre sinônimo de chuva. E o Recife, cidade já tão privilegiada no seu convívio com as águas, torna-se ainda mais úmida. Particularmente, nunca gostei desse tempo de chuva, embora o saiba necessário. É tudo frio e úmido ao deitar e tudo frio e úmido ao levantar.
Há quem diga que nós, recifenses, na realidade, não sabemos o que seja o frio. Podem ter razão. Mas, para nós, acostumados a uma temperatura média de 26º graus, tudo o que não seja calor será frio. E o frio é a negação do azul intenso da qual a cidade se reveste no verão. É a negação dos nossos verdes mares e da nossa morenidade curtida sob o sol da alta estação. Sob a chuva, no inverno, o Recife perde as suas cores e a sua alegria. Torna-se cinzenta, plúmbea, depressiva.
E eu, que nunca me deixei seduzir pelo sentimento do mundo e me sinto como um coqueiro encravado nas areias mornas da cidade, necessito do sol, do sal, do azul do céu para oxigenar as células e elaborar a fotossíntese da vida. O inverno chuvoso do Recife me deprime.
No calendário da minha infância, vivida na praia do Pina, agosto sempre foi o mês do ventos. Era em agosto que a chuvas começavam a declinar, levadas pelos ventos intensos do mês. Era o período de empinar papagaios e pipas nas areias ainda úmidas da praia, aguardando a chegada do verão em setembro. Naquele tempo, agosto era o mês da transição, que ainda sofria com o desbotamento invernoso. Agosto ia se colorindo aos poucos.
E quando setembro chegava, retornavam a alegria, todas as cores, todas as vozes, todos os movimentos. Restaurava-se definitivamente o verão, o calor. Setembro nos trazia a praia e a vida de volta.
Hoje, agosto ainda é chuva e falta de cores. Dizem que isso se deve ao aquecimento das águas do Oceano Atlântico, ao fenômeno do El Niño. Podem ter razão. Afinal, tudo muda ao longo do tempo e que sou eu para duvidar da sabedoria dos homens da ciência.
Dou-me ao direito, porém, como criança que fui, de discordar desse menino levado que teima em jogar para os céus as águas salgadas do oceano e fazer com que as chuvas se prolonguem além do necessário.
Não sabe ele que setembro se aproxima e que nós, recifenses, ansiamos pelo retorno do verão com a sua alegria, suas cores, vozes, movimentos?
Não sabe que ele que precisamos do sol, do sal e do azul do céu para elaborarmos a fotossíntese da vida?
Que venha setembro, restaurando a rotina do verão e trazendo o sol de volta!
O povo tropical do Recife agradece!

sábado, 18 de agosto de 2012

Artesanato de Olinda


ARTESANATO DE OLINDA
Olinda, 2011
Fotografia de Clóvis Campêlo

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Francisco Julião



Fotos: Clóvis Campêlo/1992

FRANCISCO JULIÃO

Clóvis Campêlo

"Operário sem pão / camponês sem terra / panela vazia / tambor de revolução. / Viva a reforma agrária radical / com Francisco Julião."

Estes são versos de uma antiga canção lembrada pelo povo do Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, cidade pernambucana que se tornou símbolo da luta pela terra no Brasil.
Mas, afinal, em poucas palavras, quem foi esse homem que nasceu em 1915, na cidade de Bom Jardim, no Agreste pernambucano, transitou com desenvoltura pelos engenhos e usinas úmidos da Zona da Mata do Estado e foi morrer, em 1999, na pequena cidade de Cuernavaca, no México?
Julião nasceu numa tradicional família de proprietários de terra. Estudou na Faculdade de Direito do Recife, graduando-se em 1939. Foi professor, diretor de colégio e escreveu um livro, Cachaça, antes de se eleger deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1954. Neste mesmo ano, atendendo a um convite dos camponeses do Engenho Galiléia, tornou-se advogado das Ligas Camponesas, ajudando o movimento a se ampliar e se consolidar, segundo ele, sempre dentro da lei e da ordem.
Em 1962, após dois mandatos como deputado estadual pelo PSB, foi eleito deputado federal pelo mesmo partido. Em 1964, com o golpe militar e a instalação da ditadura no país, foi cassado, indo se asilar no México, onde ficou até 1979.
Com a anistia política, voltou ao Brasil e se filiou ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) do amigo Leonel Bizola. Em 1988, ainda tentou ser eleito deputado federal pelo PDT, sendo derrotado. Em 1997, retornou mais uma vez ao México com a intenção de escrever suas memórias. Morreu de enfarte, em Cuernavaca, no dia 10 de julho de 1999.
Segundo Julião, a primeira Liga foi a do Engenho Galiléia, fundada em 1º de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco.
Ainda segundo ele, o nascimento da Liga coincidiu com a chegada de Juscelino Kubitschec ao poder, com suas propostas desenvolvimentista criando uma euforia na burguesia nacional para quebrar os latifúndios e criar indústrias de transformação, o que favoreceu ao movimento pela reforma agrária.
Ironicamente, as Ligas começaram a perder força a partir de 1962, depois que presidente João Goulart decretou a sindicalização rural, até então inexistente no Brasil, no I Congresso Camponês de Minas Gerais.
Foi esse homem fantástico, que conviveu lado a lado com os grandes protagonistas da história mundial no século XX, como Fidel Castro e Che Guevara, e que chegou a causar preocupações ao homem mais poderoso do planeta na época, o presidente americano John Kenedy, que tive a honra de fotografar em 1992, no apartamento de um dos seus filhos, no bairro de Santo Amaro, no Recife, para o projeto "Escritores Pernambucanos Contemporâneos", do Grupo 3.
Ao meu lado, estava o escritor José Rodrigues Correia Filho, que fez a entrevista enquanto eu fotografava Julião.
Um homem simples, cordial, discreto e atencioso, com uma certa expressão de cansaço nos olhos, mas sempre com um sorriso franco nos lábios.
Como escritor, além de "Cachaça", seu primeiro livro editado em 1951, Francisco Julião escreveu "Irmão Juazeiro", em 1961; "O Que São As Ligas Camponesas", em 1962; "Até Quarta, Isabela", em 1965; "Cambão, a Cara Oculta do Brasil", em 1968, e "Escuta, Camponês".
Durante o tempo em que esteve preso, foi companheiro de cela de Miguel Arraes, na Fortaleza de Laje, no Rio de Janeiro, e juntos traduziram o livro "A Politização das Massas Através da Propaganda Política", do russo Sergei Tchakotine.

Recife, 2008


sábado, 11 de agosto de 2012

Choro eu e a guitarra


CHORO EU E A GUITARRA

Clóvis Campêlo

Choro eu e a guitarra,
neste solene momento,
onde a lembrança esbarra
em suaves movimentos

de um tempo que não para
e que não tem lenimento;
de uma dor que se escancara
e não esconde o tormento

do que ficou para trás,
perdido no pensamento;
do que não volta jamais,

perdido no encantamento
do que antes era paz
e se tornou sofrimento.


Recife, 2012

domingo, 5 de agosto de 2012

Gildo Branco


"Frevo", de Lula Cardoso Ayres

GILDO BRANCO

Clóvis Campêlo

Pernambucano, compositor de frevos, nascido em uma família de flautistas amadores, seu nome de batismo era Astrogildo Américo Branco Filho.
Era irmão de Aline Branco, cantora que fez nome na Rádio Clube de Pernambuco na década de 1930.
Até 1939, trabalhou como comerciário na Livraria Universal.
Em 1946, ingressou no Clube Português do Recife como escriturário, passando mais tarde a supervisor. Foi no Clube Português onde conheceu o maestro Nélson Ferreira, que o lançaria como compositor.
Em 1960, teve uma música gravada pela primeira vez. A cantora Voleide Dantas gravou o frevo-canção Periquito bateu asas, feito em parceria com Sebastião Rosendo. Em 1961, Raimundo Santos gravou frevo-canção Gulosa. A partir daí, os seus frevos passaram a ser sucesso em todos os carnavais recifenses.
Em 1962, Evaldo França gravou A lua disse, cuja letra transcrevemos abaixo e que foi o ganhador do concurso de músicas de carnaval instituído pela Prefeitura do Recife.
Em 1964, voltou a ganhar a primeira colocação no concurso da Prefeitura coma música Amor de marinheiro, cantada por Penha Maria.
Em 1966, emplacou mais um sucesso com a música Cochilou, o cachimbo cai, gravada por Germano Batista.
Inúmeros sucessos seus fizeram partes dos carnavais posteriores, como Você está sozinha (1969), feita em parceria com Valdemar de Oliveira e gravada por Expedito Baracho; Levante o dedo (1970), em parceria com Aldemar Paiva e gravada pelo Coral RCA; Pertinho dela (1971), também gravada por Expedito Baracho e mais uma vez vencedora do concurso instituído pela Prefeitura do Recife; O frevo é de Pernambuco (1974), gravada por Claudionor Germano e também vencedora do concurso de músicas carnavalescas daquele ano. Inúmeros outros frevos-canções seus fizeram sucesso, como Os direitos são iguais, Como vai de amor, Olinda do meu coração e Passei no vestibular.
Como compositor de frevos-canções, foi um cronista que registrou os fatos, costumes, e acontecimentos da sua época.

A LUA DISSE

(Gildo Branco)

Gagarin subiu, subiu, subiu,
foi até ao espaço sideral,
chegou perto da lua e sorriu:
"Vou embora pro Brasil
que o negócio é carnaval".

A lua disse:
"Não vá demore mais,
pois ouvi que lá na Terra
querem me passar
pra trás".

Mas o Gagarin não ligou
e deu no pé:
"Vou mesmo pro Brasil,
eu quero é conhecer Pelé".

Recife, 2009