quinta-feira, 31 de maio de 2012

Uma noite na Rua Jeremias


UMA NOITE NA RUA JEREMIAS
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Clóvis Campêlo

Na realidade, tudo começara no terraço daquela casa desocupada na Rua Jeremias.
O dinheiro era pouco, muita era a disposição. Algumas latas de sardinha Coqueiro (não sei por que a insistência dele com aquela marca de sardinha), uma garrafa de cachaça adoçada e colorida com Q-Suco de morango. E haja "sangue-de-onça".
Não sei como bebiam aquela geringonça. No entanto, era do que dispunham. Depois, lá para as tantas, sempre aparecia o Aires com um cigarrinho de maconha para rebater os efeitos colaterais.Foi assim que eu descobri Marx e Engels. Foi assim, depois da terceira dose, que ele retirou os livros de baixo do sovaco e fez as apresentações: "Isso aqui vai mudar a sua vida!".É claro que não levei a sério. Nunca o levara a sério, diga-se de passagem. Talvez eu ainda não soubesse que a revolução se daria através de lupem-proletariado.
Mas quem se importava com isso, naqueles dias de sol. Havia todo um universo a ser descoberto e explorado além da Rua Jeremias. Isso sem falar nas xerecas das meninas que começavam a encabelar e emitir um cheiro diferente (quem sabe não era essa tal de progesterona).
Assim, quem poderia garantir que aqueles livros velhos e remendados seriam lidos. A vida era muito mais animada e interessante.Guardei-os com cuidado, porém. Não iria fazer a desfeita de extraviar ou avariar os livros. O cara demonstrara a maior consideração. É bem verdade que comera as sardinhas com denodo e tomara o sangue-de-onça como quem bebe o néctar dos deuses. Àquela hora da madrugada, a fome se fazia sentir. Logo logo o dia amanheceria e a rotina da rua seria refeita.
Marx e Engels que me aguardassem. Ainda teríamos a vida inteira pela frente para nos conhecermos.

Recife, 2006


terça-feira, 29 de maio de 2012

Microfone do Mercado de São José

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Os poetas Clóvis Campêlo e José Rodrigues Correia Filho conversam com Microfone
Foto de Cida Machado/2008
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MICROFONE DO MERCADO DE SÃO JOSÉ

Clóvis Campêlo
(com a colaboração de José Rodrigues Correia Filho)

MULHER PUDICA

Você é uma linda criatura,
cheia de compostura
e ainda não se casou.
Se você arranjar um namorado,
ele comerá trancado
o pão que o diabo amassou.

Você precisa dar um jeito em sua vida
isso de mulher sofrida
não é papo pra ninguém.
O miserável que mendigar seu amor
pagará alto valor,
ficará sem um vintém
de amor...

No Mercado de São José, no Recife, todo mundo conhece Microfone. A sua fama cresceu ainda mais quando, em 1995, participou do programa Brasil Legal, da Rede Globo, ao lado de Regina Casé. O que pouca gente sabe é que Microfone também é compositor. Entre as suas criações, estão samba-canções e marchinhas de carnaval. A sua inspiração vem sempre dos casos amorosos que teve ao longo dos seus 83 anos de vida, como a da letra acima, feita para uma mulher difícil que ele conheceu e pela qual se apaixonou sem ser correspondido, ou de fatos comuns acontecidos no cotidiano das pessoas e narrados pelas páginas policiais dos jornais, como o caso da mulher que matou o marido bêbado com a tampa do pinico de ágata.
Essa figura pequenina e impressionante por sua alegria e disposição para um bom papo, nasceu na praia de Ponta de Pedras, situada na cidade de Goiana, no litoral norte de Pernambuco, em 1925. Diz que até hoje não conhece a sede do município onde nasceu. Ainda menino, em 1936, veio com a família morar no bairro de São José, no Recife, ao lado Mercado, de onde nunca mais saiu.
Seu nome de batismo é Abdenágo de Souza Leite. Conta que nasceu em casa, em um parto normal assistido por parteira, como era comum naquela época. Diz que a sua mãe já se preparava para levantar da cama, quando a parteira avisou: "Fique deitada que ainda vem mais gente por aí". Dez minutos depois, nasceria Abdon de SouzaLeite, seu irmão gêmeo e companheiro até os dias de hoje. Depois que ficaram viúvos, Microfone e seu irmão voltaram a morar juntos, sempre no bairro de São José.
Do bairro, guarda as lembranças do tempo em que era eminentemente residencial. Do Mercado, lembra do movimento comercial intenso que havia quando as Docas do Recife ainda funcionavam e todas as compras dos navios que lá atracavam eram feitas ali. Hoje, reclama das mudanças ocorridas e principalmente do esvaziamento do bairro com as saídas das residências e a fixação do comércio no entorno do Mercado.
Conta ainda Microfone que serviu ao Exército brasileiro de 1945 a 1953. Ao lado do amigo Enéas Freire, que mais tarde criaria o Galo da Madrugada, serviu no 14º Regimento de Infantaria, em Jaboatão dos Guararapes. Lá, numa manobra de treinamento, perdeu a visão de um dos olhos e até hoje luta na justiça para ter reconhecido o direito de ir para a reserva como oficial.
Por ser muito falastrão e eloquente, ganhou o apelido de Microfone de um primo chamado Zé de Góis, na década de 50.
Pai de três filhos e uma filha, Microfone tem cinco netos. A sua filha trabalha no Palácio do Planalto, em Brasília, desde o governo FHC. Diz que o presidente Lula tem por ela um grande carinho desde quando soube que era pernambucana.
Hoje, por conta da idade, Microfone entregou a administração do seu box no Mercado de São José ao sobrinho Marcos. Mas, todos os dias, lá pode ser encontrado. Diz que depois de 70 anos de vivência no Mercado, dali só sairá quando morrer: "Transpiro o Mercado de São José 24 horas por dia!".
Figura emblemática e sempre disposto a uma boa conversa, Microfone se autodefine com precisão: "Sou um arauto da alegria!".
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Recife, 2008

domingo, 27 de maio de 2012

O frevo e o passo me enganaram

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Fotografia de Mário Carvalho
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O FREVO E O PASSO ME ENGANARAM
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Clóvis Campêlo

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Para Elane Tomich
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Tenho um amigo que mora em São Luís do Maranhão e diz que só descobriu a importância histórica e cultural da sua cidade natal quando conheceu outras capitais brasileiras mais modernas.
A mesma coisa aconteceu comigo em relação ao frevo e ao passo. Embora tenha nascido, crescido e sobrevivido ouvindo o frevo e vendo o povo executar a sua dança, o passo, como autênticas manifestações musicais e culturais do povo pernambucano, apenas na década de 70, após ouvir Caetano Veloso reinventar o gênero, com a música “Atrás do trio elétrico”, é que passei a considerá-los com a devida importância. Ali, o frevo que nascera pernambucano, ganhava um sotaque pop e baiano.
Antes dessa catarse, eu queria era a modernidade do rock, a eletricidade das guitarras, a novidade do iê-iê-iê, e que tudo mais fosse para o inferno. Como todo bom subdesenvolvido, queria ser estrangeiro de mim mesmo e da minha terra. Queria ser o outro, why not?
Mas, sobreviver é reconsiderar, reverter conceitos, redescobrir verdades absolutas e relativas e redirecionar as nossas vidas em função disso. Sempre!
E o frevo e o passo haviam me enganado. Nascidos no meio do povo, misturando ritmos musicais alienígenas e os gingados da capoeira africana, o frevo e o passo surgiram como sínteses inéditas e ousadas. Na minha sede de fugir de mim mesmo, de negar as minhas origens terceiro-mundistas, não havia percebido isso, não havia captado a alegria sincera do povo dançando a sua música e executando a coreografia do passo.
O frevo nasceu lumpen, com os pés no chão e logo se transformaria em legítimo representante de vários segmentos sociais e de classe, com o surgimento dos clubes ligados a grupos de trabalhadores (lixeiros, lenhadores, varredoures de rua, carvoeiros, etc.). O passo, mais democrático, serviria a todos indiscriminadamente, sem perder as origens da sua “marginalidade”.
As ruas centenárias do Recife foram testemunhas do meu erro e do meu equívoco histórico. O futuro, no entanto, libertou-me e absolveu-me.
Antes tarde do que nunca.

Recife, 2011


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Polifonia


POLIFONIA
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Clóvis Campêlo
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São muitas as vozes.
Ouço-as sempre, sem cessar.
Diante delas não ouso mexer-me.
Fico estático, pálido, lívido,
proparoxítono.
Falsos profetas prometem
os céus e seus manjares.
Em qualquer esquina do mundo,
posso escutá-los.
Suas vozes nunca calam.
São como os murmúrios
incessantes do mar.
Pergunto a mim mesmo
e não encontro respostas:
para onde devo ir?
Qual dessas vozes
devo seguir?
Onde está a verdade?
Oh mundo, vastíssimo e
incomensurável, por que
em nenhum dos teus lugares
encontro sossego e guarida?
Por que devo escutá-los,
os falsos profetas e
suas vozes de trombeta?
Onde está a paz celestial
prometida?
Quantas moedas
ainda serão necessárias
para calar definitivamente
as suas vozes cretinas?
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Recife, 2010

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Entrevista com Wílson Araújo de Souza

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ENTREVISTA COM WILSON ARAÚJO DE SOUZA
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Clóvis Campêlo
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- Como você definiria a sua formação poética? Quais os autores ou movimentos literários que mais o influenciaram?

- Minha formação (ou deformação?) poética se deu basicamente com elementos da música popular. Aquela atmosfera da década de 1960 (a grande década do século breve), com os compositores muito ilustrados pela cultura de modo geral, fazia fortemente a cabeça da gente na transição para a universidade. Um poema em especial foi determinante para que minha vontade de fazer poesia realmente se manifestasse: Acrilírico, de Caetano Veloso, que aliás não foi musicado. “Olhar colírico/ lírios plásticos do campo/ e do contracampo/ telástico cinemaScope/ teu sorriso/ tudo isso/ tudo ido e lido e vindo do vivido... ainda canto o ido, o tido, o dito, o dado, o consumido, o consumado ato do amor morto motor da saudade...”. Meu primeiro poema foi um pastiche de Acrilírico. Mas foi publicado na revista Equipe (muito boa) da Sudene. Eu ainda estava em São Luís.
Movimentos, movimentos... A parafernália infernal da tropicália com elementos da poesia concreta e dos manifestos de Oswald de Andrade. E o movimento diário dos diários de notícias.
Autores. E autores. Não sei se me influenciaram tanto. Entre a angústia e o êxtase da influência, desconfio que não esteja à altura das influências. Entrementes entre coração e mente, digo que gosto da minha fluência. Com ou sem influência. Confluências. Sou fã incondicional da poesia concreta e do paideuma pai de uma proeza nada igual. Mas entendo que não me preparei o suficiente para uma proeza pró Ezra. Agora tem os autores que admiro muito: Sousândrade, trindade de Andrade, Bandeira da vida inteira, Augusto de cidadecitycité, Afonso Ávila da vila rica em códigos e signos, Caetano medula e osso, Gil rouxin’roll, anjo Tor(qua)to da (van)guarda, Leminski in the sky with Lennon, o multitudo Arnaldo Antunes, muito de tudo do Frederico Barbosa. No Recife, gosto muito de Alberto Cunha belo e sou muitíssimo empolgado com a leveza densa condensada em agudeza de Almir Castro Barros. E a identidade com pedrAmérico (“meus ais viraram assobios”) e Jomard Muniz de Brito e rito e ritual e ritmo do mito do orfeu do carnaval é total. E João Cabral de Melo Neto fica sendo o nome mais belo do verso.

- Você nasceu na cidade de São João dos Patos, no interior do Maranhão. Como foi esse percurso de lá até a metrópole, no caso o Recife, e como isso influiu na sua elaboração poética?

- Nasci na Vila de Sucupira (hoje cidade, Sucupira do Riachão), distrito de São João dos Patos. São João dos pat(h)os. São João dos pathos e ethos do poeta. Uma cidade pequena, pacata, mas que deu a primeira prefeita (Noca Santos) do Brasil. Chefona política mais durona que os habituais chefes políticos. Uma cidade sem ginásio, sem cinema, sem padre, sem rua calçada. Fui para Caxias (terra morena de Gonçalves Dias como diz o xote de João do Vale gravado por Luís Gonzaga). Com 12 anos de idade. Que mudança! Ruas e mais ruas, calçadas, ginásio, cinema e... bispo! Comparativamente, uma metrópole. Foi meu encontro com a cultura urbana, com o mundo. Já fui, digamos, pronto pra São Luís (azulejo azul vejo a luz de São Luís). Em São Luís: casa de estudante, sofrimento, cinema e mais cinema, Sudene, Faculdade, coisas da cultura não mais apenas como diversão. E... o Tropicalismo. Cheguei em Recife (1970), com essas coisas todas batendo e debatendo no meu sistema (como diz minha irmã Iracema) e já compenetrado de poeta – ou de antipoeta. Foram então andanças e danças de um sobrevivente com ambição intelectual. A passagem por Caxias foi determinante. Adentrei a labiríntica pernambucália como um, digamos, ludovicense metropolitano antenado com o movimento soteropolitano-cosmopolita da tropicália.
Aqui fixado, aderi ao fluxo do momo sapiens. Não mais o ir-e-vir(e ir) do homo duplex, mas o passo em vai-e-vém de todas as variedades do momo sapiens.

- O poeta é um fingidor ou é um demiurgo? Qual o papel do poeta no mundo de hoje?

- Nem a dicção farsesca, nem a convicção messiânica. O poeta é um homem como outro qualquer, só que diferente, pela ambição de ser antena da raça. Talvez o poeta seja aquele que Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, poetizou filosoficamente: “Nada sois que eu não me sinta”. Ou o outro da razão – o eu da loucura. A loucura falando na primeira pessoa (como mostrou Erasmo) – da lucidez. Se, como disse Descartes, o bom senso é a coisa mais bem partilhada desse mundo, o poeta quer partilhar o nonsense – ou o bom senso partilhando o nonsense. Pense!
O papel do poeta no mundo de hoje é ser e estar antenado para captar a demanda do mundo (do mundo da oca ao oco do mundo) e o inusitado (do âmago ao mago). Divago?

- No seu texto a forma e o conteúdo se confundem e se fixam nas aliterações, no ritmo, na sonoridade das palavras. Você acha que o leitor sempre estará pronto para esse jogo interpretativo? Ou o poeta deve desprezar o feed-back?

- O poeta não tem que desprezar o feed-back. Mas deve construir o poema a seu modo, incômodo que seja. Oswald deu a melhor resposta: “A massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico”. Acho que serei no máximo um cream cracker querendo alimentar feed-back. O que o poeta quer mesmo é ser comido, digo lido. Lido ou colido?

- Um poema é feito de sangue ou de signos?

- Há uma gota de sangue em cada poema (Mário). Gota gota a gota uma gota nunca pinga abruptamente. Nem impunemente. Gota a gota, como no piano de Jobim. Bom.
Todos os signos, o signo in-voluntário da pátria minha língua (minha língua é meu sotaque: pedrAmérico).

- Na atual conjuntura da literatura pernambucana, você acha que a sua poesia é devidamente reconhecida ou você se sente marginalizado?

- Eu me sinto (ou me situo) automarginalizado. Discreto que desapareço, reapareço com toda a nitidez da minha timidez. Mas até que sou um marginal que deu certo. Até título de cidadão recifense eu recebi este ano. Você não tem noção de qual foi a minha emoção. Este ano andei aparecendo desde o Sesc (Santo Amaro, que encenou meus textos) até esta, digamos, praça Clóvis. Mas sou muito arredio! Só gosto da badalação nos amigos. Gosto mesmo é de conversa de botequim. De preferência sobre cinema. Mas entendo que tem uma coisa estranha na minha linguagem que não entranha bem na viagem, digamos, canônica do lugar – talvez seja mediocridade mesmo. Meu ir-e-vir vai-e-vem num pra-lá-pra-cá meio que por fora do me cita que te cito e juntos citemos Gilberto Freyre ou recitemos Ariano Suassuna.

- Na minha opinião, a sua poesia é muito mais sonora do que imagética. Como explicaria essa sua paixão pelo cinema e que relação ele poderia ter com o seu trabalho poético?

- Minha paixão pelo cinema é um vício que é uma virtude: sofro (ou melhor, gozo) de cinefilia. Escurinho do cinema: um onde chamado desejo. No escurinho do cinema: um Brando chamado desejo, um desejo chamado Gilda. Mas, de fato, os meus textos têm mais relação com a música. O tropicalismo fez isso. Na verdade faço poesia porque não vinguei como letrista de música. Gosto mais do letrista que do beletrista. Mas entendo que aqui e acolá há travelling admirando Bogart ou Godard, um film noir ou Renoir. Corte, digo que não vinguei como letrista, mas para mim a poesia é o almanaque da alma.

- Existe paz na poesia? Ou o poeta vive dividido entre a utopia e a realidade?

- A poesia não tem paz: a vida quer ser poema. O poeta é um apanhador, no campo, de centelhas. O poeta capta e coopta os flagrantes da vida (sur)real e cheira o pó do ópio da utopia.

- Você se sente um autor engajado? Acha que o poeta, com o seu trabalho, deve ter a pretensão de mudar o mundo?

- Glauber Rocha, a inquietação em pessoa – e no artista, cita Mário Faustino em Terra em Transe, pela boca de Jardel Filho, que faz o papel principal (um intelectual politicamente engajado): a poesia e a política são demais para uma só pessoa. É realmente difícil ser militante poético e político num mesmo diapasão. No mesmo diapasão, Marcelo Mário de Melo é esse elo: uma pessoa plenária plena de ária. O que eu quero ser quando crescer? Marcelo Mário de Melo! Quando fiz ostensivamente militância política como cidadão, servidor público, sindicalista (tempo de abertura, de redemocratização, de re-organização da sociedade, de re-construção da cidadania), fiz pouca poesia. Fiz mais palavra de ordem (o preço da cidadania é a eterna militância) para panfletos e manifestos. Mas acho que sou engajado. Inclusive pela inquietação com a linguagem. Mas também pela inquietação com a realidade – como neste poemeto de circunstância, circunstância com Daniel Dantas:
TOGA DE COLARINHO BRANCO
o promíscuo
conspurca
o conspícuo
(vide a capa capital de Carta Capital com Gilmar Mendes). E neste poema anterior à crise (a crise fede, quem escafede da crise?)
MADE IN US(UR)A
o inferno
de wall street
são os outros

horror, o horror!

o teor do horror
em estado de terror

em terror de ESTADO

democracia
da suprema corte

e da supremaCIA!

O cidadão é do poeta. O poeta é do cidadão.
Não digo a pretensão de mudar o mundo. Mas te(n)são (tenso, logo existo) de domar a demanda do mundo. Com pulso político e impulso poético. Com pulsões eróticas e expulsões neuróticas.

- Para finalizar, a internet é uma coisa boa ou ruim para a literatura de um modo geral? Como você lida com essa nova forma de comunicação?

- A internet é mais ou menos uma redoma? Quem doma a rede? Quem dorme na rede? Meu ir e vir ainda não é do ritual virtual. Ainda estou mais no lugar que no login. Ainda estou mais no livro sete que no livro site. Ainda estou mais nos arroubos do Emílio que nas arrobas do e-mail. Mas chego lá, na miríade de ondes (nômades?) e ondas (mônadas) da circunavegação inter(pla)netária.
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Recife, 2009


- Postagem revisada e atualizada em 11/01/2018

terça-feira, 15 de maio de 2012

Dever cumprido

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DEVER CUMPRIDO
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Clóvis Campêlo
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Nada melhor do que a sensação do dever cumprido no day after da conquista do bi. Não só pela conquista em si, como pela manutenção da quebra da hegemonia que o clube da Ilha mantinha ao longo dos últimos anos. Senão vejamos: de 2004, ano em que o Náutico conquistou o seu último título estadual, para cá, foram cinco títulos conquistados pelo Sport (2006, 2007, 2008, 2009 e 2010), contra três do Santa Cruz (2005, 2011 e 2012) e apenas um do Náutico (2004). Ou seja, uma ampla supremacia do time rubro-negro, apoiada num orçamanto milionário e na sua participação na máfia do Clube dos 13.
Some-se a isso, as administrações desastradas do Santinha, aliadas aos diretores empresários que durante anos ganharam dinheiro com as contratações caras de jogadores de qualidade duvidosa, deixando sempre o ônus e as indenizações trabalhistas para o clube do Arruda pagar.
A chegada de Fernando Bezzera Coelho à presidência coral, em 2008, se dentro de campo não se manifestou de forma positiva na conquista de títulos ou grandes vitória, serviu para organizar o clube na parte administrativa e patrimonial, deixando para Antônio Luiz Neto, seu sucessor, um bom legado e uma estrutura adequada para as transformações no Departamento de Futebol e seus desdobramentos dentro das quatro linhas do gramado.
Hoje, nessa guerra do tostão contra o milhão, somos bi campeões estaduais de futebol profissional. Essa conquista atrevida e competente deu uma nova dimensão ao futebol pernambucano, que se via estagnado sob a ditadura econômica do clube rubro-negro da Ilha do Retiro.
Um outro aspecto altamente positivo e característico do Santa Cruz e das Repúblicas Independentes do Arruda, e que serviu para nos projetar internacionalmente na mídia esportiva, foi a força e a fidelidade da tocida coral. Definitivamente, estamos no rol dos grandes clubes de massa do futebol brasileiro e mundial.
Portanto, camaradas tricolores do Recife, Olinda e adjacências, somos bi e temos nas mãos a oportunidade de manter o clube coral numa rota ascendente em busca do lugar que merece e que ainda não reconquistou no cenário futebolístico brasileiro.
Se há dois anos atrás estávamos no limbo do futebol pernambucano, hoje, graças a um trabalho de equipe e de soerguimento, mostramos uma nova e competente forma de se administrar um clube de futebol: com pouco dinheiro, apostando na recuperação de jogadores já experiente, com uma comissão técnica de valor, com Zé Teodoro à frente, comandando tudo com vigor e profissionalismo, e, principalmente, com uma torcida que ama e alavanca o seu clube com força e coerência.
Portanto, a vitória por 3x2, domingo passado, na Ilha do Retiro, revertendo a vantagem mantida pelo Sport até o jogo final, foi o reflexo de todo esse trabalho árduo, constante e renovador.


domingo, 13 de maio de 2012

Conversa de homem

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CONVERSA DE HOMEM
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Clóvis Campêlo
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De repente, um pequeno sinal que coça, sangra e não quer cicatrizar, aparece no meu peito direito. Vou ao dermatologista e ele é incisivo: "Pode ser um tipo benigno de câncer de pele. Vamos tirar. Só a biópsia poderá nos dizer com certeza". Concordo e marcamos data da cirurgia. Ele me pergunta se durante a minha vida tomei muito sol. Respondo que sim.
A minha infância, adolescência e juventude foi toda passada na praia do Pina, onde costumava bater bola, pescar e me masturbar dentro dágua, olhando as meninas que tomavam sol nas areias ou jogavam frescobol.
Ele diz que esse foi o meu mal. Fico sem entender se se refere ao sol ou ao vício solitário, que nos propiciava tanto prazer e, ao mesmo tempo, tantos medos e dores de consciência. Naquele tempo, masturbação provocava fraqueza, anemia e fazia nascer até cabelo na palma da mão, além é claro dos prováveis castigos divinos. Na dúvida, resolvo culpar o sol por meus males. Além do mais, hoje, a masturbação já foi reabilitada e recomendada. Faz bem até para a próstata. Quem quiser que tente entender a ciência...
Entre as meninas que frequentavam a praia, naquela época, havia uma que se chamava Bete e que conseguia mexer deveras com o lado pecaminoso do meu cérebro nervoso. Estava sempre cercada de amigas e pretendentes. Durante um certo tempo, alimentado por várias punhetas, curti por ela um amor platônico. Um dia, chego na praia e Bete está sozinha, sentada nas pedras, com um biquini estampado em preto e branco, contrastando com o azul do céu e o verde do mar. Sem querer querendo, resolvo abordá-la. Ela mostra-se simpática. A conversa deslancha, rimos muito e acabamos nos beijando dentro de uma poça dágua, sob o sol escaldante do meio dia. Nos despedimos e vou para casa com a pele e o coração em brasa. Eu havia conseguido. Bete era um peixe graúdo, almejado por muita gente. No dia seguinte, encontramo-nos novamente. Ela estava diferente. Diz que tudo aquilo que acontecera fora uma coisa do momento, que eu não a levasse a mal, mas que queria apenas ser minha amiga. Aceitei a contragosto. Não tinha outra opção. Mas tinha a esperança de reverter o quadro. Soube depois, através do meu amigo Val, que ela dissera que eu não sabia beijar e que não namoraria comigo por causa disso. Achei aquilo tudo uma idiotice. Desfiz todos os meus sonhos e pretensões e terminei concordando com o Val: "Esqueça aquela mulher, Clóvis. Aquilo é uma rapariga safada. Não vai te fazer bem". Achei que ele estava certo.
E por falar em raparigas, elas também faziam parte do cenário do Pina. A zona do bairro era conhecida e conceituada. E foi no Alaíde Drink's que conheci Lindomar. Era baixinha, galega e logo se insinuou para mim. Encarei. Ela me pediu para colocar uma música na radiola de fichas. Era "Rock'n'roll Lullaby", com B. J Thomas. "Adoro essa música", disse-me ela. Dançamos um pouco e tomamos algumas cervejas. Logo já estavámos envolvidos. Passei a frenquentar a pensão e namorar com Lindomar nos intervalos dos seus clientes. Eu era o seu escolhido. O romance durou algumas semanas, até o dia em que, numa briga na pensão, ela levou um tiro no pé e precisou ser hospitalizada. Nesse dia, eu estava prestando serviço à gloriosa Força Aérea Brasileira e não pude ir ao seu encontro. Vivi momentos de angústia, sem ter notícias suas. Até que um belo dia ela voltou ao trabalho e nos reencontramos. Achei-a diferente, desinteressada por mim. Perguntei o que havia e ela mesma me contou que estava apaixonada por um enfermeiro que cuidara dela no hospital. Queria ficar com ele. Foi assim que terminou o meu romance com Lindomar. Nunca mais dancei o "Rock'n'roll Lullaby".
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Recife, 2009

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ecologicamente correto


ECOLOGICAMENTE CORRETO

Clóvis Campêlo

Fico sempre sensibilizado quando estou na orla do Recife, curtindo a minha cerveja fabricada industrialmente e estupidamente gelada, e vejo as pessoas na beira-mar apanhando vasilhames e sacolas de plástico jogadas na areia pela população mal-educada ou devolvida pelo mar revolto. Essa atitude singela me emociona pela grandeza do seu gesto.
Enquanto as duas maiores economias do planeta, a China e os Estados Unidos, jogam diariamente na atmosfera e nos mares toneladas de lixo químico, indiferentes ao destino do planeta e preocupadas apenas com a sobrevivência dos seus lucros, admira-me o desprendimento e a inutilidade do gesto dessas pessoas. Geralmente são velhas senhoras preocupadas em preservar o meio ambiente e a vida das tartarugas marinhas, que confundem o plástico com as algas e morrem engasgadas.
Por outro lado, fico irritadíssimo quando nos supermercados me oferecem, a preços módicos, as tais sacolas ecologicamente corretas. Nesses momentos, sinto-me chantageado pelo sistema, que mais uma vez não abre mão dos seus lucros e tenta transferir para o cidadão consumidor o ônus da “preservação” ecológica do planeta. Para mim, essa é mais uma sacanagem para conosco.
Afinal, que responsabilidade podemos ter nós em relação a esses sistema de produção que polui e esgota os recursos naturais do planeta? Pergunto-me sempre e não encontro a resposta. Nós cidadãos comuns, somos tão vítimas quanto a natureza espoliada. A parte de responsabilidade que nos cabe, com certeza, diz respeito ao consumo desenfreado e impensado de tudo o que nos é oferecido pela produção industrial.
Segundo os estudiosos do assunto, o lixo inorgânico é uma invenção moderna. O advento da Revolução Industrial, no século XVIII, e a invenção de máquinas que modernizaram e agilizaram o sistema de produção capitalista, cada vez mais resultou na criação de resíduos e objetos descartáveis e inúteis que podem causar a poluição do solo e das águas do planeta, afetando a todos nós.
A grande contra-revolução possível e capitaneada por nós, consumidores, seria a seletividade do consumo em relação aos bens manufaturados pela produção industrial. Isso, no entanto, é muito difícil, pois implicaria numa atitude crítica do consumidor diante do sistema produtivo e dos produtos manufaturados que nos são oferecidos. Implicaria também em um sentimento de coletividade inexistente. Por mais amor que tenhamos à Mãe Natureza, não somos educados para isso.
Pelo contrário, sempre tentam nos fazer crer que o consumismo é um mal necessário e inerente ao mundo moderno e o que o individualismo e a concorrência entre indivíduos é uma das molas mestras do sucesso.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

Dúvida


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DÚVIDA
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Clóvis Campêlo
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Não sei se te devoro
ou se te decifro;
se te abandono
ou me desespero
e quanto mais espero,
mais aumenta a dúvida.

Não sei se te esfolo
ou te quero bem;
se me entrego
ou te desacato,
e quanto mais me debato
mais aumenta a dúvida.

Só sei que nada sei
e nessa terra sem lei
sou nau sem rumo,
homem primata
perdido na selva
de pedra.

Recife, 2007

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Entrevista com Jomard Muniz de Britto


Fotografia de Clóvis Campêlo / 2007
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ENTREVISTA COM JOMARD MUNIZ DE BRITTO
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"Caro amigo Clóvis Campêlo:
Me ajude a me escafeder (Banda Larga Cordel). Até minha Olivetti Tropical se escafedeu... Estou na mão com minhas intuições. Resolvo então fazer mais um exercício caligráfico, tentando ser tão breve quanto o ritmo da net, mesmo contrariando, digamos, a maliciosa retórica de seu interrogatório: cloviseano, cloviseando..."
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Foi com o texto acima que Jomard Muniz de Britto devolveu-me as dez perguntas enviadas para ele via e-mail. Atencioso, mas, ao mesmo tempo, sintético e objetivo. Depois, por telefone, diria que as pessoas não gostam de ler na Internet. Apenas olham. Por conta disso, acha um desperdício os textos longos. Assim sendo, foi o mais sucinto possível nas respostas. Terminei concordando. Seguem abaixo, portanto, as perguntas e as respostas dessa entrevista relâmpago, mas super interessante (CC).
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CC - Alguém já disse que você é o guardião das tradições das vanguardas recifenses. O que acha dessa afirmativa?

JMB - Não me sinto nem pressinto guardião de qualquer coisa ou jóia! As linguagens contemporâneas e extemporâneas sempre me estimularam.
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CC - Você nasceu em maio, sob o signo de Aires. Assim sendo, é o verdadeiro ariano da cultura pernambucana. Por falar nisso, como situaria hoje essa oposição entre o Tropicalismo e o Movimento Armorial que houve na cultura pernambucana? Quem saiu ganhando com isso?

JMB - Nasci em 8 de abril, mas não acredito que esse seja o "mês mais cruel" (T. S. Eliot). Mesmo sendo do signo de Aires, minhas afinidades relacionais se debruçam sobre a pele indígena e afro-descendente. Pele significa: de corpo inteiro e abismos da afetividade. Nada a favor ou contra os arianos...
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CC - Por trás dos seus textos aparentemente simples se escondem diversas proposições filosóficas e ideológicas, que exigem do leitor vários instrumentos para decifrá-las. Você acha que o leitor comum sempre está disposto a entrar nesse jogo?

JMB - Cada leitor(a) em processo tem a potência de me entender ou DESENTENDER livreMENTE. O que significa "leitor comum"? Talvez seja um autor/co-autor de incomuns contradições entre "o olho, o piolho, o zarolho, o alho" (Gilberto Gil).
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CC -Por conta desse jogo construtivo, você já foi classificado como um autor hermético, embora se autodefina como hermenêutico. Afinal, dentro dessa sua visão, qual o papel do artista na sociedade atual?

JMB - Nem hermético nem hermenêutico: o gosto amargo e amorável de ser herético. O papel do "artista na sociedade atual"? Saudade de replicantes heroísmos salvadores da pátria? Prefiro apostar nas LINGUAGENS provocativas e provocadoras de nossas contradições, entre belezas naturais e místicas da politicidade. E, através de atentados poéticos, a tragi-comédia (com e sem hífen) de nossa cotidianidade. Poeticidades em traumas e transes.
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CC - Você teve uma participação muito produtiva dentro do ciclo pernambucano do Super 8. Até que ponto o cinema pernambucano atual bebeu nessa fonte e se deixou influenciar por suas propostas estéticas e ideológicas?

JMB - Apesar de "O Palhaço Degolado" ir-e-vir-devir, tornando-se quase um fetiche, o novo cinema pernambucano está melhor identificado com o "arido movie", expressão feliz do cineasta-pop-filósofo-jornalista Amim Stepple.
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CC - Uma das características dos intelectuais dos anos 60 e 70 era lutar pelas transformações sociais e políticas do mundo. Você foi um desses intelectuais engajados. Até que ponto a sua produção de artista multimídia foi influenciada por essa visão?

JMB - Continuo navegando em terras da incerteza: entre engajamentos e engasgamentos: patrulhas sexo-ideológicas: ditaduras mercadológicas: entrevistas super tendenciosas (como esta) e deliciosas apresentações televisuais no Opinião Pernambuco!
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CC - Você acha que o mundo realmente mudou sob a influência dessa visões ou os donos do poder se reciclaram e adotaram formas mais sutis de dominação?

JMB - Reler a pergunta como uma resposta. Só nos restam os micropoderes, atuações pontuais, gestos de solidariedade, atitudes de dúvida permanente e desejos desejantes de transformações no cotidiano. Vocês concordam?
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CC - Como você vê a literatura pernambucana atual, principalmente a poesia? Existe uma estagnação ou ela tem se renovado?

JMB - Tudo pela força revolucionária dos COLETIVOS: menos egos fissurados em narcisismos e mais vacas tossindo pelos raros Suplementos. Por todos os desgovernos.
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CC - Você já teve poemas musicados por vários compositores pernambucanos. A música pernambucana atual vive um bom momento? Até que ponto influenciamos na renovação da MPB? Ou continuamos reféns da cultura musical do sul e sudeste?

JMB - Nunca fomos "reféns". Desde os tempos eternos da bossa nova ao "mangue beat", Pernambuco permanmece desafiando, desafinado, reinventando CANIBAIS e COMUNAS. Em nome da PAP (patrulha autopromocional), o que vocês, internautas ligadíssimos, acham do cd/intersemiótico JMB em COMUNA? Procurem logo na Livraria Cultura. Não percam tempo com entrevistas...
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CC - Para finalizar, a existência de um grupo teatral como o Vivencial Diversiones foi um fato isolado na arte cênica pernambucana ou as suas propostas se fazem presentes ainda hoje na nossa produção teatral?

JMB - Aos interessados na pergunta (quem já ouviu falar em Vivencial Diversiones?). Todos os internautas de nossa teatralidade. É preciso ler o livro de Leidam Ferraz, com Ivonete Melo na capa. O Vivencial Diversiones pode ter sido a expressão mais representativa do Tropicalismo no Nordeste. Muita coisa deste Grupo está registrada em Super 8 e também se encontra no YouTube e Myspace. O que refazer? Desfazer? Vamos ao Teatro! Continuemos lendo e conversando nos bares da artevida. Abraços nas galeras que sabem das coisas e loisas.
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Recife, 2008

- Postagem revisada e atualizada em 04/01/2018


sábado, 5 de maio de 2012

Um Beatle no Recife (meninos, eu vi!)

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UM BEATLE NO RECIFE (MENINOS, EU VI!)
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Clóvis Campêlo
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A cidade do Recife,
numa noite tropical,
abandonando a breguice,
de forma sensacional,
recebeu com maneirice
um astro internacional.

Era um tal de Paul McCartney
que acabava de chegar
e nem Pedro Malasarte
conseguiria ofuscar
o carinho por sua arte
do povo desse lugar.

Nem bem abriu o portão
do Estádio do Arruda
explodiu a emoção
do povo todo em muda
para ouvir velha canção
da figura cabeluda

Paul McCartney abusou
de carisma e simpatia
e a plateia conquistou
cantando o que ela queria
fez um tremendo de um show
com ternura e alegria

Dos Beatles cantou canções
sucessos do seu passado
e despertando emoções
bastante emocionado
agitou os corações
do público extasiado

Teve gente que chorou
precisou ser medicado
menino que desmaiou
e velhinho transviado
mas no fim tudo ficou
como tinha começado

Foi grande a satisfação
do povo da capital
um repertório do cão
levantando a moral
daquela reunião
daquele povo informal

Fingindo o show terminar
Paul McCartney saia
do palco pra retornar
com mais uma melodia
fazendo o povo endoidar
com tamanha picardia

Deixou o povo maluco
com tamanha emoção
no meio do vuco-vuco
ele invadiu o salão
e a bandeira de Pernambuco
carregava em uma mão

Nada era aleatório
na estrutura do show
também teve foguetório
e o povão se animou
quando do seu repertório
mais um sucesso tirou

Ele cantou “Let it be”
sozinho em seu piano
e com a platéia daqui,
antes de baixar o pano,
emocionou e fez rir
ao soldado e ao paisano

E aquela multidão
satisfeita e gloriosa
viu com satisfação
três horas de som e prosa
três horas de empolgação
três horas de muita glosa

Se todos Paul conquistou,
gente pobre e gente rica,
depois que o show terminou
fez do coração uma tripa
e no avião se mandou
com destino a Floripa,

Recife deixou pra trás
mergulhada na saudade
e essa cidade jamais
vai ter a capacidade
de esquecer esse rapaz
e sua inventividade

Recife, maio de 2012


quinta-feira, 3 de maio de 2012

O Cemitério de Santo Amaro


Fotografia de Osvaldo Barreto Filho
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O CEMITÉRIO DE SANTO AMARO
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Clóvis Campêlo
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Situado na Rua do Pombal, no bairro de Santo Amaro, é o maior cemitério do Recife. Foi criado a partir da lei provincial de 7 de maio de 1841, que autorizava a câmara municipal a tomar imediatas providências para a construção de um cemitério público na cidade. Na comissão criada para a elaboração do projeto, estava o engenheiro francês Louis Vauthier.
Em 1850, o engenheiro José Mamede Alves Ferreira apresentou ao governo da província as plantas e o orçamento para a construção da capela e de duas casas ao lado do portão de entrada que serviriam para acomodar as guardas, o escritório e a administração do cemitério.
Em janeiro de 1851, foi feito o lançamento da pedra fundamental da capela, considerada a primeira edificação com aparência gótica construída no Estado.
Foi inaugurado no dia 1º de março de 1951, com o nome de Cemitério do Bom Jesus da Redenção de Santo Amaro das Salinas, tendo se destindo, inicialmente, ao sepultamento de pessoas vitimadas pelo surto de febre amarela, que não podiam ser sepultadas em igrejas, como era o costume da época.
A concepção arquitetônica do cemitério é radial, com os túmulos distribuídos ao longo de ruas que partem de um ponto central. Ali, está construída uma capela, projetada pelo mesmo engenheiro, encomendada pela Câmara Municipal do Recife em 1853. A capela é um monumento em estilo gótico de cruz grega, fechada por uma só abóbada, sem campanário e sem dependências.
Em 1859, o imperador D. Pedro II visitou o cemitério, quando da sua estada em Pernambuco.
Em outubro de 1870, foi sepultado no cemitério os restos mortais de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista, que na época do início da construção do cemitério era o nosso governador.
Além dele, estão ali sepultadas várias outras figuras notáveis do Império e da República, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, o Visconde de Suassuna; Antônio Peregrino Maciel Monteiro, o Barão de Itamaracá; Miguel do Sacramento Lopes Gama, o Padre Carapuceiro; Bernardo José da Gama, o Visconde de Goiana; Martins Júnior; Joaquim Nabuco, cujo mausoléu foi construído após uma licitação internacional ganha pelo artista plástico italiano Giovani Nicolini; José Mariano; Carlos de Lima Cavalcant; Manuel Borba; Maciel Pinheiro; Agamenon Magalhães Miguel Arraes de Alencar; entre outros.
Também ali estão sepultados o deputado Alcides Teixeira, o estudante Demócrito de Souza Filho, Maria Júlia do Nascimento, a Dona Santa, rainha do Maracatu Nação Elefente, o pintor Vicente do Rego Monteiro, além dos compositores Capiba, Nélson Ferreira e Chico Science.
No cemitério, dois túmulos são especiamente visitados a procura de bençãos: o do menino Alfredinho, falecido em 1959, ao 11 anos e cultuado como santo, e o da Menina Sem Nome, que foi econtrada morta na praia do Pina, em 1970, e nunca foi identificada.
O cemitério de Santo Amaro é considerado por muitos estudiosos como a maior exposição de arte ao livre de Pernambuco.
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Recife, 2008
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Referência:
- FRANCA, Rubem. Monumentos do Recife: estátuas e bustos, igrejas e prédios, placas e inscrições históricas do Recife. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, 1977.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Premeditando o óbvio


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PREMEDITANDO O ÓBVIO
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Clóvis Campêlo
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Se existe uma coisa que eu detesto na vida é assistir a jogo de futebol pela televisão, principalmente quando se trata de jogo do Santa Cruz. Na telinha, a imagem em movimento não me seduz. Além disso, a narração televisiva torna o jogo chato, sem alma, maçante. Não gosto de ficar na frente da televisão, com a boca cheia de dentes, esperando o jogo começar.
Além do mais, sair de casa e ir a campo exige toda um ritual que serve como aquecimento para a adrenalina e a energia que emana de um estádio de futebol: os engarrafamentos, os buzinaços, as provocações sadias, as brincadeiras servem como aquecimento para o jogo.
Sendo assim, ontem, preparei-me para ir ao estádio do Arruda e participar com prazer de um crime ecológico premeditado: a morte do Carcará.
E foi o que eu fiz, ao lado dos amigos Dal e Nem, ambos matutos de Cumaru, devidamente urbanizados e catequizados para torcer pela Cobra Coral.
Primeiro problema: descobrir um lugar para estacionar o carro. As imediações e o entorno do Arruda estavam devidamente ocupadas por milhares de automóveis, motos e bicicletas. Como é que ali dentro só havia pouco mais de 36 mil pessoas? Sei não, mas sonegar público já se tornou uma tradição no futebol brasileiro. É assim que os clubes se livram dos oficiais de justiças que sequestram rendas para saldar processos trabalhistas de jogadores e funcionários dos clubes. Acredito que com o Santinha não seja diferente.
Resolvido esse problema crucial, vamos comprar os ingressos. Sou sócio patrimonial do Santa Cruz e minhas mensalidades estão pagas antecipadamente até o mês de agosto, mas o clube não me oferece vantagem nenhuma por conta disso. Enfrento filas do mesmo jeito e termino entrando no estádio com o jogo já em andamento.
Não faz mal. Descubro um lugar viável e me preparo para o óbvio: ganhar o jogo. O time está arisco, a torcida mais ainda e o Salgueiro procura se colocar também em pé de igualdade, o que, diga-se de passagem, não é fácil para um time do interior sem torcida e tradição em decisões estaduais.
O primeiro termina 1x1, com um gol de Natan, para o Santa, com uma ligeira supremacia coral. Vem a segunda etapa e nós marcamos de pênalti com Dênis Marques, logo no início. O Salgueiro tem um jogador expulso e sente na pele as dificuldades de enfrentar um time aguerrido e uma torcida forte. Dênis Marques, o grande artilheiro ressuscitado nas Repúblicas Independentes do Arruda, marca mais um, em grande estilo e define o placar 3x1. O Carcará foi eliminado (pega, mata e come!). Resta agora o Leão. O bi está na alça de mira.