segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O dia seguinte


O DIA SEGUINTE

Clóvis Campêlo

Meus caros amigos, confesso que hoje acordei de peito e alma lavados e enxaguados. A vitória e reeleição de Dilma Rousseff foi significativa e mostrou que o povo brasileiro escolheu qual o caminho a seguir nos próximos quatro anos: queremos um Estado mediador nas relações sociais, a continuação de uma política externa diferenciada com a aproximação de outros mercados sem a influência norte-americana, e, principalmente, uma política de assistência e integração social voltada para as camadas menos favorecidas, no âmbito interno.
A mim, especialmente, comoveu a votação por Dilma obtida em Pernambuco, com 70,20% dos votos, haja vista que no primeiro turno o Partido Socialista Brasileiro, do finado Eduardo Campos, impôs-se, elegendo os seus candidatos a governador e senador, e não dando espaço aos candidatos do PT e da sua coligação. Mais especificamente no Recife, os 59,20% de Dilma deve servir de alerta aos que se achavam os novos “donos” do poder no Estado. Nossos eleitores são livres e cada eleição tem a sua história própria e sua própria lógica. Demos a volta por cima, enquanto cidade e estado autônomos e sem cabrestos eleitorais. Quem pensou que tinha o eleitorado pernambucano e recifense nas mãos quebrou a cara.
No âmbito nacional, a vitória petista no Norte-Nordeste e em Minas Gerais, repetindo o que acontecerá no primeiro turno, foi significativa e incontestável, já que Aécio Neves, na sua terra, nem mesmo conseguiu eleger o candidato a governador do PSDB.
De nada adiantou, para ele, o apoio de estrelas com Neymar e Ronaldo Fenômeno. A derrota aconteceu assim mesmo. No que se refere a Neymar, termino por concordar com um amigo que a ele se refere como um perdedor: mal acabou de perder a Copa do Mundo com a seleção brasileira, perdeu a eleição presidencial apoiando o candidato do PSDB. Está mais para Mick Jagger do que para Pelé. Aliás, com a sua idade, Pelé já era bicampeão mundial com a seleção brasileira e bicampeão mundial interclubes com o Santos de Coutinho e Mengálvio. Neymar não passa de uma eterna promessa, rico mas ainda sem títulos importantes e consagradores. Provavelmente nunca atingirá as marcas que Pelé atingiu enquanto jogador profissional de futebol.
De nada adiantou também o jogo sujo de grande parte da imprensa brasileira, com a divulgação de boatos e notícias falaciosas de fatos e informações não comprovadas. O eleitorado brasileiro mostrou-se lúcido e com maturidade suficiente para separar o joio do trigo e fazer a sua opção política e partidária.
Finda a disputa eleitoral acredito que ganhou a democracia brasileira, apesar das apelações cometidas por alguns. À vencedora, caberá a responsabilidade de retomar o processo evolutivo da nossa economia. Ao perdedor, a responsabilidade de assimilar a escolha feita pelo povo brasileiro, respeitando a decisão e a opção política e eleitoral da maioria.

Recife, outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Manuel Bandeira tocando violão



MANUEL BANDEIRA TOCANDO VIOLÃO

Clóvis Campêlo

Um dos poetas mais fotografados da literatura brasileira talvez tenha sido o pernambucano Manuel Bandeira. Entre as dezenas de imagens suas, porém, duas sempre me chamaram a atenção: são fotografias onde o bardo da Rua da União aparece tocando um violão.
De início, imaginei que Bandeira apenas se aproveitara do violão para fazer pose e firula, encarnando o poeta tocador que eu imaginava que nunca tivesse sido.
No entanto, em um texto escrito por seu conterrâneo João Condé, constante na 20ª edição do livro “Estrela da vida inteira”, lançado em 1993 pela Editora Nova Fronteira, está explícito: “Já tocou violão e sabe executar ao piano dois prelúdios de Chopin, um número de carnaval de Schumann e uma peçazinha de Mac-Dowell”. Ou seja, o poeta não era tão inocente assim!
Aliás, nesse pequeno texto de exaltação, Condé nos revela outros dados interessantes do poeta Bandeira: “Não gosta de abiu nem de caqui, nem de melancia... Gosta de jiló, cinema falado, rádio e de poetas de segunda ordem... Guarda pelo Recife a sua ternura de infância... Gosta de: tirar retratos, ver figuras, ler suplementos literários, bestar, etc”. Para mim, assim, também está explicado: o poeta exercitava uma cumplicidade criativa com os seus fotógrafos!
Nas fotografias citadas, cujos autores, infelizmente, não consegui identificar, percebemos que o poeta tinha dedos longos de violonista. Os dedos da mão esquerda parecem privilegiar as cordas mais agudas do instrumento, enquanto os dedos da mão direita sugerem um dedilhado competente e adequado.
Em um texto chamado “Literatura de violão”, escrito pelo próprio Bandeira, o poeta nos revela o quanto entendia do assunto: “Desgraçadamente entre nós o violão foi até aqui cultivado de uma maneira desleixada. É verdade que a sua técnica é ingratíssima e o tempo perdido em adquirir nele um mecanismo sofrível será bem mais compensador aplicado a outro instrumento de repertório mais rico e mais nobre. O desleixo em todo caso era excessivo. Desconhecia-se por completo o dedilhado da mão direita. Basta dizer que se reservava o polegar para os bordões, o índice para o sol, o médio para o si e o anular para a prima. E esse dedilhado de arpejo era pau para toda obra. Havia dedilhados mais extraordinários. Lembro-me de ter ouvido no sertão do Ceará a um cego que só se serviu do índex. Quando tocava, dava a impressão de estar escrevendo nas cordas do violão. Só com esse dedo Zé Cego pintava o bode... O que não faria ele se conhecesse a verdadeira técnica do instrumento?”
O violão para Bandeira era uma coisa séria, tão séria quanto a sua produção poética. Talvez por isso, por se achar um violonista menor, é que tenha dele desistido. Para nosso gáudio, perdemos um violonista mediano mas ganhamos um poeta de primeira grandeza, estrela de uma vida inteira.

Recife, outubro 2014

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

As mãos de lá e as mãos de cá


AS MÃOS DE LÁ E AS MÃOS DE CÁ

Clóvis Campêlo

Enquanto no Brasil Anísio Silva cantava “Quero beijar-te as mãos”, em Londres, no dia 17 de outubro de 1963, nos estúdios Abbey Road, os Beatles gravavam “I want to hold your hand”. Entre o bolero e o rock, muito mais do que o Oceano Atlântico.
Anísio Silva nasceu em Calculé, no interior da Bahia, em 1920. Iniciou a sua carreira tardiamente, no Rio de Janeiro, aos 32 anos de idade. Gravou o seu primeiro disco, “Sonhando contigo”, pelo selo Odeon, em 1957. Dois anos depois lançou o segundo LP, “Anísio Silva Canta Para Você”, onde se destacou a música “Quero beijar-te as mãos”, de Arsênio de Carvalho e Lourival Faissal. Segundo os estudiosos da MPB, ao longo da sua carreira vendeu mais de dez milhões de discos. Amigo do presidente Juscelino Kubitschek, Anísio Silva cantou na inauguração de Brasília, em 1960. Morreu no Rio de Janeiro, aos 68 anos, em 1989.
The Beatles, talvez ainda hoje o maior nome da indústria fonográfica e do show bussiness mundial, vendeu muito mais do que isso. Primeiro sucesso dos Beatles nos Estados Unidos, a música “I Want to Hold Your Hand”, foi por eles tocada no programa Ed Sullivan Show, em 1964, quando da primeira visita do quarteto ao país de Tio Sam. Com uma harmonia simples, a música fala sobre uma declaração de amor. Do mesmo modo que “Quero beijar-te as mãos”.
No entanto, diferenciam-se pela atitude do galanteador diante do objeto desejado. Enquanto Silva, fala de “um divinal querer”, “mundo de esplendor” e “maior enlevo”, os caipiras de Liverpool eram muito mais diretos e incisivos: “diga-me que você me deixará ser o seu homem”.
Enquanto a música de Carvalho e Faissal, transfere para um futuro próximo a concretização do ato (“será um mundo de esplendor o nosso amor”), Lennon e McCartney já expressam no colóquio o sentimento do presente realizado (“E quando eu te toco me sinto feliz por dentro”).
Digamos que o romantismo expresso na música cantada por Anísio Silva, reflete um momento de indefinições na música popular brasileira anterior à Bossa Nova. Não só no que tange à forma (um bolero, ou uma guarânia como querem alguns) quanto ao conteúdo da mensagem: a divinização do amor e da mulher, com a necessidade do homem provar o seu mérito na conquista (“Se tu me quiseres tanto quanto eu que vivo para te adorar).
Os rapazes do pós-calipso vão direto ao assunto: “quando eu te disser aquelas coisas, eu quero segurar a tua mão”. Ou seja, eu te toco e eu te tenho. E as guitarras avisavam: aumenta que isso aí é rock'n'roll!
Mudava o mundo com a guerra fria, a corrida espacial e outros babados mais, e também mudavam as relações humanas, com uma nova visão da questão sexual e do direito às prerrogativas do prazer.
Tudo isso estava implícito nas letras e nas entrelinhas das canções.

Recife, outubro 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Quando o passado voltar


QUANDO O PASSADO VOLTAR

Clóvis Campêlo

O tempo não me diz nada,
tua presença não me diz nada,
o discurso do presidente nada me diz,
os mortos calaram-se para sempre.

Talvez em algum recôndito
desconhecido e ermo,
exista alguma resposta
para um sentimento ridículo e inútil.

Dispenso a autocomiseração, porém,
pois, apesar de tudo,
uma luz insiste em manter-se acesa
no infinito azul e profundo.

E mesmo sob o manto de
um sentimento insano e desumano
não aspiro regressões ou
a volta ao útero materno.

Talvez no futuro longínquo,
onde até as retas e as pedras
se encontram, a pedra filosofal
nos traga o passado de volta.

Pois se viemos do círculo,
ao círculo voltaremos.

Recife, setembro 2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A morte dos poetas

domingo, 12 de outubro de 2014

Bom dia!


BOM DIA!

Letra e música de Clóvis Campêlo

Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!

Amanhece  nada tenho
a declarar.
Fecho os olhos e
escuto ao longe o sabiá.

Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!

Luz do sol o teu brilho
irradia pela janela
e vem me fazer companhia.

Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!

Cinco horas da manhã
e as pessoas estão nas ruas
pelo pão de cada dia.

Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!

Cinco hora da manhã
e a cidade se levanta;
à oeste de Greenwich,
a luz do sol a noite espanta.

Bom dia!
Bom dia!
Bom dia!

Cinco horas da manhã
e mais nada a declarar;
abro os olhos e me levanto
para a vida enfrentar.

Recife, abril 2014

- Postagem revisada e atualizada em 05/01/2018

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Textos, contextos e pretextos


Escultura do poeta João Cabral de Melo Neto no Recife

TEXTOS, CONTEXTOS E PRETEXTOS

Clóvis Campêlo

Dizem que o poeta João Cabral de Melo Neto, no final da vida, aborrecia-se quando vinha ao Recife por conta do número excessivo de poetas novatos a querer lhe mostrar seus textos. Como se já não lhe bastasse o séquito de puxa-sacos e falsos admiradores a querer desfrutar da sua intimidade. O poeta que voltava sempre em busca de paz e do tempo perdido (o Recife do seu tempo já lhe era um retrato pendurado na parede) não suportava os ruídos da modernidade recifenses a lhe açodar os ouvidos. Morreu, aliás, sem que nunca o deixassem em paz.
Penso nisso sempre que ouso enviar meus textos para outros poetas e escritores, críticos literários e amigos mais aguçados. Mas, para que nos serviria um texto se não fosse para ser lido e interpretado por outras almas e discernimentos? A inquietação de querer estabelecer um diálogo com o outro é legítima, do mesmo modo que também é legítima a recusa do outro em fazer qualquer leitura ou mesmo qualquer interpretação por mais superficial que seja de um texto com o qual não se identifique.
Escrever e fazer poemas não é fácil, camaradas. Pois, como dizia Mário de Andrade, há sempre uma gota de sangue em cada um deles. Ao poeta cabe escrever para expor a sua cosmovisão, para contrapor ao mundo real a sua proposta cósmica. Esse é o primeiro e, às vezes, angustiante momento. Encorpada a concepção, cabe ao poeta buscar identidades, tanto no sentido de dar autenticidade ao seu esboço quanto no sentido de compor agrupamentos.
Afinal, ao sonho solitário talvez só caiba o esquecimento. Como já disse outro poeta pernambucano, Carlos Pena Filho, é dos sonhos dos homens que se constrói o mundo. Complementando com ousadia, eu diria que é dos sonhos dos homens e da perspectiva de lucro do mercado com ele. Mas esse é um pequeno detalhe que cabe ao poeta resolver no seu íntimo e impedir que se transforme em empecilho ou transtorno para as suas pretensões de poeta.O poeta não tem o direito de apenas ser um nefelibata. Deve também domar o lado selvagem da vida.
Hoje, com o advento da internet e de outras mídias de massa temos vias bilaterais para expandir a informação. Já não somos mais passivos receptores a aguardar que nos bombardeiem em sentido único. Pode o poeta e escritor também emitir a sua mensagem. Pode optar por divulgar os seus textos apenas na grande rede, sem a necessidade de editar livros que na maioria das vezes não tem como escoar nem introduzir no mercado literário. Livros que custarão caro e que sem ter como serem distribuídos, com certeza, encalharão nas prateleiras de alguma estante doméstica, sem direito a público ou reconhecimento.
Escrever e fazer poemas não é fácil, camaradas. Ser uma referência para poetas e escritores iniciantes, também não. Que o diga o poeta João Cabral de Melo Neto. Ele tinha razão. Os mortos sempre tem razão. Viver e poetar é para quem pode!

Recife, outubro 2014

- Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Todos os tons da alegria


TODOS OS TONS DA ALEGRIA

Clóvis Campêlo

Quais as cores da alegria? Sempre achei que a alegria tinha tons quentes como o amarelo, o laranja e o vermelho. Talvez, influenciado pelas cores do carnaval do Recife e Olinda. Talvez influenciado pelas cores que predominam nas prateleiras dos supermercados modernos. Não existe algo mais alegre e fútil do que consumir e brincar o carnaval.
Existem estudos, aliás, comprovando que as cores quentes nas prateleiras dos supermercados, como o amarelo e o vermelho, aceleram o batimento cardíaco e estimulam a produção de endorfinas, aumentando a sensação de felicidade. No final, estimulado, o consumidor termina comprando mais do que necessita.
Não é a toa, portanto, que exista um tratamento baseado no uso das cores. É a chamada cromoterapia, que já existia no Antigo Egito mas que só chegou ao ocidente no século XIX. Hoje, embora criticada por alguns setores da comunidade científica internacional, a cromoterapia se mantém como forma alternativa e complementar para se recuperar ou manter a saúde física e mental das pessoas. As sete cores usadas, em muitos casos, estão diretamente ligadas chakras, que são considerados campos de energia com influência nos nossos corpos e emoções.
Assim, o vermelho pode despertar a sensualidade e o erotismo. Mas, em excesso, pode provocar ansiedade e nervosismo. Segundo os cromoterapêutas, a cor vermelha ativa a circulação (será por esse motivo que os portadores de erisipela costumam amarrar uma fita vermelha na perna?) e estimula o sistema nervoso. O vermelho estaria ainda ligado ao chakra básico, que está localizado no baixo ventre e comanda a coluna vertebral.
O laranja, é uma cor alegre e antidepressiva, que rejuvenesce e melhora o metabolismo e o sistema digestivo. Seu uso incorreto ou excessivo, pode elevar a pressão arterial. Corresponde ao chakra umbilical, que comanda os estímulos sexuais.
Para finalizar, entre os tons da felicidade por mim imaginada, temos o amarelo, que influencia o dinamismo e a capacidade de expressão do ser humano. Está ligada ao chacra do plexo solar, que rege o estômago e estimula o poder pessoal e a satisfação.
Dentro dessa ótica, talvez faça sentido vivermos em um planeta com uma atmosfera onde o oxigênio que respiramos, correspondente a aproximadamente 21% dessa composição, ajude a definir a sua coloração azul. Vivêssemos no vermelho de Marte e não teríamos a paz e a serenidade que o azul terrestre nos proporciona. Teríamos um mundo guerreiro e poluidor, com uma população envolvida em guerras inúteis e fraticidas por motivos fúteis e desabonadores. A fraternidade não existiria e o homem alimentaria o direito de explorar outros homens em nome do dinheiro e da riqueza.
Ainda bem, amigos, que não é isso o que nos acontece!

Recife, outubro 2014