terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Considerações sobre a homeopatia



CONSIDERAÇÕES SOBRE A HOMEOPATIA

Clóvis Campêlo

Um dos principais equívocos alimentados em relação à homeopatia, é confundi-la com a medicina de ervas (fitoterapia).
Essa confusão, no entanto, é facilmente explicável: enquanto a fitoterapia utiliza-se apenas do reino vegetal, a homeopatia é muito mais ampla, utilizando-se dos reinos animal, vegetal e mineral.
Além do mais, a homeopatia também faz uso dos nosódios, que são remédios elaborados a partir de partes e secreções dos próprios organismos doentes (humanos ou animais).
Assim, por exemplo, temos a tuberculina, um medicamento que é feito a partir do próprio escarro do doente e que tem uma atuação muito eficaz no combate da tuberculose e de algumas espécies de alergias.
Um outro exemplo: a homeopatia pode valer-se dos próprios remédios alopáticos para elaborar as suas substâncias, como, por exemplo, o gardenal. Nem sempre, porém, a atuação do novo medicamento obtido será na mesma esfera do remédio alopático original (segundo o Dr. José Laércio do Egito, o medicamento obtido a partir do gardenal, por exemplo, presta-se muito bem a combater alguns tipos de alergias).
Uma outra questão que povoa o imaginário das pessoas que questionam a homeopatia, diz respeito a ação lenta do remédio homeopático sobre os organismos doentes. Nada mais falso. O remédio homeopático age com rapidez desde que tenha sido escolhido acertadamente.
A grande diferença é que, na homeopatia, não existem procedimentos padrões. O remédio é individualizado e busca-se atuar de forma ampla sobre o desequilíbrio orgânico da pessoa. Ou seja, a homeopatia visa curar o doente e não apenas a doença.
Assim sendo, cabe à sensibilidade do médico homeopata a percepção do remédio correto, que corresponderá à soma dos sintomas experimentados pelo doente e que atuará, de forma adequada, sobre o organismo desequilibrado.
Uma outra questão interessante, ainda, diz respeito às dinamizações dos medicamentos. Assim, o mesmo remédio homeopático pode ser utilizado em diversas diluições, cada uma com uma forma de atuar diferenciada. Nas dinamizações mais alta, desaparecem as características químicas das substâncias restando apenas a influência energética (que Hanneman, o pai da Homeopatia, chamou de força vital). É essa força energética que atua no processo de cura.
Dentro da medicina homeopática, existem diversas correntes e concepções, cada qual com a sua maneira característica de atuar.
Os unicistas, por exemplo, acreditam que deva ser ministrado um único remédio, o qual deverá atuar de forma decisiva sobre toda a sintomatologia do doente e sobre todas as formas de manifestação da doença.
O Dr. Roberto Costa, médico homeopata carioca já falecido, no entanto, mencionava nos seus livros a prática do que ele chamava de homeopatia tridimensional, com um remédio de baixa dinamização atuando sobre os sintomas agudos; um remédio de média dinamização atuando sobre os sintomas que já se encaminham para a cronicidade, e um remédio de alta dinamização, o qual corresponderia aos sintomas crônicos e seria, também, o remédio que atuaria sobre a constitucionalidade do doente. Essa também era a forma de atuar de Ambrozino Cruz, que durante muitos anos foi o decano da homeopatia em Pernambuco. Mesmo sem ser médico, era um profundo conhecedor da matéria e atendia a todos que o procuravam, sem distinção, na sua residência no bairro de San Martin. Autodidata, interessou-se pela homeopatia ao contrair impaludismo, na juventude. Falando fluentemente inglês, francês, alemão e indiano, mantinha-se constantemente atualizado. Falecido em 1997, deixou uma grande lacuna na homeopatia pernambucana.
Para finalizar, seria interessante frisar que a homeopatia combina com uma forma de vida despojada. Nesse mundo complexo, em que vivemos, onde os aditivos alimentares, as ondas eletromagnéticas, as radiações nem sempre benéficas dos equipamentos domésticos exercem uma influência deletéria sobre os nossos organismos, exercitar a simplicidade pode ser muito mais saudável do que imaginamos.

Recife, 2008



domingo, 29 de janeiro de 2012

O Recife em movimento



O RECIFE EM MOVIMENTO

Clóvis Campêlo

Esquina da Rua Siqueira Campos com a Avenida Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio, no centro do Recife.
Antigo centro nevrálgico da cidade, hoje a área está abandonada pelo poder público e pela iniciativa privada.
Calçadas quebradas, ruas esvaziadas, prédios desocupados, com a predominância do sub-comércio e do comércio ambulante.
Nem longe nos lembra a pujança daquela área nos anos 60 e 70 do século passado.
O centro histórico do Recife vem se transformando ao logo dos últimos anos numa área decadente, completamente abandonada pelos poderes públicos.

Recife, 2012

sábado, 28 de janeiro de 2012

Os caminhos do baião



OS CAMINHOS DO BAIÃO

Clóvis Campêlo

"Eu vou mostrar pra vocês
Como se dança um baião
E quem quiser aprender
É favor prestar atenção
"

Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, o baião, cujo nome derivaria de "baiano", uma dança popular nordestina, em fins do século XIX já era conhecido no interior nordestino, sendo executado em sanfonas pelo sertão. Restrito e esquecido no interior nordestino, o baião se consolidaria como gênero da MPB através da dupla Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Em 1946 foi gravada a música "Baião", de autoria da dupla, pelo grupo 4 Ases e Um Curinga, pelo selo Odeon, fazendo enorme sucesso.
O gênero logo tornou-se um sucesso nacional levando o jornal Diário Carioca a afirmar: "o baião vem fazendo estremecer todo o vasto império do samba, e já agora não se poderá mais negar a influência decisiva desse gênero musical na predileção do povo".
A partir de 1950, o baião tornou-se um ritmo internacional com a música "Delicado", de Valdir Azevedo, que recebeu ao longo dos anos 50 orquestrações dos maestros americanos Stan Kenton e Percy Faith.
Em 1953, a música do filme "O cangaceiro", baseado no baião "Muié rendeira", de Zé do Norte, recebeu a menção honrosa no Festival de Cannes, na França.
Assim, até o início dos anos 60, o baião foi o gênero musical brasileiro de maior influência no exterior, perdendo essa posição apenas com a chegada da Bossa Nova.
No entanto, na década 70, em plena euforia do Tropicalismo, Gilberto Gil lançou músicas com nítida inspiração no ritmo do baião, a começar com "Domingo no Parque", com a qual participou do Festival de Música da Record de 1967.
Posteriormente, o ritmo voltou a influenciar artistas das novas gerações, como Raul Seixas, que realizou a fusão do baião com o rock, criando o baioque.

"Morena chegue pra cá
Bem junto ao meu coração
Agora é só me seguir
Pois eu vou dançar o baião
"

Segundo Tárik de Souza, no site CliqueMusic, repetindo a opinião de Tinhorão, foi Luiz Gonzaga quem imprimiu o formato urbano (e portanto pop) ao baião.
Imigrante pobre no começo da década de 40, Gonzaga passava o pires nos bordéis do Mangue carioca enquanto tocava na sanfona valsas, sambas e serestas de sucesso na época. O advogado e compositor cearense Humberto Teixeira, foi o parceiro que lhe forneceu o respaldo poético que faltava às suas composições musicais.
Ainda segundo Tárik, o sucesso de Gonzaga na empreitada foi tão grande que ele desequilibrou o eixo da MPB do meio para o fim dos anos 40 até meados dos anos 50. Antes o mercado musical brasileiro era lastreado no samba, na marcnhinha, no choro e em outros produtos musicais do centro cultural do país, o Rio de Janeiro. Assim, Gonzagão colocou, com destaque, o Nordeste no mapa da MPB. Além de Teixeira, o Rei do Baião teve outro parceiro fixo, o médico pernambucano José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas, falecido em 1962.

"Eu já dancei balanceio
Chamego, samba e xerém
Mas o baião tem um que
Que as outras danças não tem
Quem quiser é só dizer
Pois eu com satisfação
Vou dançar cantando o baião
"

Segundo o folclorista Câmara cascudo, citado por Tárik de Souza no site acima citado, a palavra "baião" se associava aos termos "baiano" e "rojão", este último, um pequeno trecho musical executado pelas violas nos intervalos dos desafios das cantorias.
Também reconhece no compositor cearense Lauro Maia, o antecessor de Gonzagão na utilização e formatação do ritmo, através do "balanceio". Maia foi autor de vários sucessos, entre eles "Trem de Ferro", gravado inclusive por João Gilberto.

"Eu já dancei no Pará
Toquei sanfona em Belém
Cantei lá no Ceará
E sei o que me convém
Por isso eu quero afirmar
Com toda convicção
Que sou louco pelo baião
"

Para finalizar, encontramos no site Terra Brasileira uma outra explicação para a origem do termo "baião". Segundo o site, "baião" viria de "baiano" por influência do verbo "baiar", forma simplificada de bailar, baiar, baio (baile).

Recife, 2007


-Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A barbárie



A BARBÁRIE

Clóvis Campêlo

Quando fugiu a barbárie
das ruas estreitas do gueto,
expondo da vida a cárie,
cantando a morte em dueto,

com a fúria de cão sem dono
quando descobre o abandono,

qual sinistra procissão
sem benção ou extrema-unção,
sem chance de algum perdão,

devolveu ao mundo fausto
as dores do holocausto!

Recife, 1991

- Publicado no livro Antologia 2007 dos Poetas Independentes, Recife, Editora do Livro Rápido, 2007, página 44.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Preferência nacional



PREFERÊNCIA NACIONAL

Clóvis Campêlo


Segundo Renato Boca-de-Caçapa, o filósofo do lumpen-proletariado, se existem duas coisas que mexem com o imaginário do brasileiro são a bunda e o futebol.
Diferentemente dos americanos, que preferem um peito suculento e exagerado, a bunda é tão querida por nós que até o circunspecto poeta Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe o poema rotundo abaixo.

Na Bahia, o filósofo e escritor Antônio Risério dedicou-lhe uma monografia repleta de citações científicas e levando em conta todas as regras da ABNT. Ou seja, coisa séria! E não poderia ser diferente, diante dessa magnífica região corpórea onde a nossa imaginação pagã vagueia sem lenço e sem documento. A bunda hipnotiza o brasileiro.

A BUNDA, QUE ENGRAÇADA

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda.

 
Quanto ao futebol, ele representou o início da nossa redenção, enquanto povo moreno e terceiro-mundista. Segundo o escritor Nelson Rodrigues, foi o futebol que, nos distantes anos 50 e 60 do século passado, nas conquistas do bicampeonato mundial, na Suécia e no Chile, nos livrou da pecha de vira-latas .
O futebol, também, em que pese toda a conotação de mercadoria valiosa por ele adquirida hoje em dia, devolve-nos o sentimento de coletividade que, de certo modo, perdemos diante do individualismo desenfreado da vida moderna. Coisa boa é irmos aos estádios e nos identificarmos com a torcida do nosso time querido, abraçar quem nunca vimos, gritarmos gritos de guerra e cantarmos em uníssono os nossos hinos. Para mim, o futebol é a demonstração viva de que o homem é um ser coletivo, de que a individualidade é uma coisa forjada em nós pelo sistema. Bom é estar ali, no meio do povo, a cantar, a dançar, a sorrir, a vibrar, independentemente de tudo. Bom, naquele momento, é sermos aquela família.

Sobre o futebol também manifestou-se o poeta Drummond, e seguindo a lógica rodrigueana de que a seleção brasileira era a pátria de chuteiras, dedicou ao nosso escrete que disputaria a Copa do Mundo no México, em 1970, o poema abaixo, pouco citado e pouco lembrado. Fica claro que a paixão de Drummond pelo futebol superava até o momento político delicado que se vivia naquela época, colocando-o ao lado dos 90 milhões que unidos torciam pelo sucesso da seleção de Zagallo.

MEU CORAÇÃO NO MÉXICO

Meu coração não joga nem conhece
as artes de jogar. Bate distante
da bola nos estádios, que alucina
o torcedor, escravo de seu clube.
Vive comigo, e em mim, os meus cuidados.
Hoje, porém, acordo, e eis que me estranho:
que é de meu coração? Está no México,
voou certeiro, sem me consultar,
instalou-se, discreto, num cantinho
qualquer, entre bandeiras tremulantes,
microfones, charangas, ovações,
e de repente, sem que eu mesmo saiba
como ficou assim, ele se exalta
e vira coração de torcedor,
torce, retorce e se distorce todo,
grita: Brasil! Com fúria e com amor.

 -
Recife, 2012

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Retrato de uma moça nem sempre bem comportada



RETRATO DE UMA MOÇA NEM SEMPRE BEM COMPORTADA

Clóvis Campêlo

Para falar a verdade, de Simone de Beauvoir conheço apenas a fama de que era uma mulher à frente do seu tempo. E essas mulheres sempre me interessaram. Mas, nunca li nenhum dos seus livros, embora me causem curiosidade pelo menos dois deles: “Memórias de uma moça bem comportada”, de 1958, livro auto biogáfico e onde critica os valores burgueses, e “A cerimônia do adeus”, de 1981, onde evoca a figura de Jean Paul Sartre, o companheiro de tantos anos e ações.
Apesar desse vago conhecimento, interessei-me em saber mais sobre a escritora francesa a partir da fotografia acima, descoberta por mim na grande rede numa época em que andava pesquisando imagens fotográficas de celebridades femininas nuas. Pensava em homenagear as imagens, não necessariamente as celebridades, com poemas exaltando a nudez. Nessa empreitada, descobri vários nús, quase todos trabalhados na sua composição. A fotografia de Simone atraiu-me justamente por mostrar um certo despojamento e uma simplicidade que só desfrutamos quando a imagem da nossa nudez não corre o risco da divulgação pública.
Nua, diante do pequeno espelho, Beauvoir ajeita os cabelos com naturalidade. A generosidades das suas curvas contrapõem-se às linhas retas da pia branca na sua frente. O banheiro simples, aliás, também denota despojamento: a toalha de rosto branca e comum, a explícita utilidade do rolo de papel higiênico, uma pequena prateleira com escova de dentes e desodorantes ou perfumes.
A porta do banheiro entreaberta, sugere que o fotógrafo era alguém que desfrutava da sua intimidade e que a tenha pegado de surpresa, o que realça ainda mais a beleza do quadro. Na realidade, a fotografia foi feita pelo fotógrafo americano Art Shay, amigo do escritor Nelson Algren, um dos amantes de Beauvoir, e que havia cedido o seu apartamento para o casal. Na época, Simone tinha 44 anos.
A extrema sensualidade, porém, fica por conta do salto alto que ela usava, nua, realçando o seu belo porte feminino. Como já disse alguém, La Beauvoir não era de se jogar fora.
Simone nasceu em Paris, no dia 9 de janeiro de 1908. Conheceu Sartre em 1929, aos 21 anos de idade (ele tinha 24), no curso de Filosofia da Universidade de Sorbonne, em Paris. No final do curso, ele obteria o primeiro lugar, e ela ficaria em segundo. Logo se uniriam estreitamente, cultivando uma relação afetiva profunda e ao mesmo tempo libertária e permissiva, onde prevalecia a liberdade sexual e de relacionamento aberto em ambos os lados, bem ao estilo das teses existencialistas que defendiam, onde cada pessoa deveria ser o responsável por si própria.
Ela morreria em Paris, no dia 14 de abril de 1986, aos 78 anos, em Paris, vitimada por uma pneumonia. Os seus restos mortais estão enterrados ao lado de Sartre, no Cemitério de Montparnasse, na Cidade Luz.

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Recife, 2012

domingo, 15 de janeiro de 2012

De onde vem o baião?



DE ONDE VEM O BAIÃO?

Clóvis Campêlo

Em tempos de bandas de baião eletrônico, caberia repetirmos a pergunta do poeta: de onde vem o baião? Vem de baixo, do barro, do chão?
Segundo o estudioso da música popular brasileira, José Ramos Tinhorão, tão ridicularizado pelos intelectuais cariocas do finado O Pasquim, nos anos 70, o baião teve a sua origem em um tipo de batida de viola chamado exatamente de "baião".
Assim sendo, ainda segundo Tinhorão, o baião nasceu provavelmente de uma forma especial dos violeiros da zona rural do Nordeste tocarem lundus, que por lá chegaram com o nome de "baiano". De "baiano" à "baião" foi um pulo de vários acordes e notas. O pesquisador reforça a sua opinião ao lembrar de um depoimento prestado pelo compositor e sanfoneiro Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, à revista Veja, em 15 de março de 1972: "Quando toquei o baião para ele (Humberto Teixeira), saiu a idéia de um novo gênero. Mas o baião já existia como coisa do folclore. Eu tirei do bojo da viola do cantador, quando faz o tempero para entrar na cantoria e dá aquela batida, aquela cadência no bojo da viola. A palavra também já existia. Uns dizem que vem do baiano, outros que vem de baía grande. Daí o baiano que saiu cantando pelo sertão deixou lá a batida e os cantadores do Nordeste ficaram com a cadência. O que não existia era uma música que caracterizasse o baião como ritmo. Era uma coisa que se falava: "Dá um baião aí..." Tinha só o tempero, que era o prelúdio da cantoria. É aquilo que o cantador faz, quando começa a pontilhar a viola, esperando a inspiração".
Para reforçar a sua opinião, o pesquisador cita ainda a folclorista Marisa Lira, em um artigo intitulado "Baião I", da série Brasil Sonoro, publicado no jornal Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 1º de março de 1958, onde ela afirma: "O baião é de um modo geral o ritmo da viola sertaneja. Tanto que no Ceará, Pernambuco e Paraíba, tocar baião significa marar na viola o ritmo alegre e contagiante com que se acompanham os cantadores nos improvisos, desafios e pelejas". Ou seja, Tinhorão confronta opiniões de duas fontes distintas, ambas abalizadas, e confirma a coincidência de informações.
Seguindo essa linha de raciocínio e procurando chegar às condições que propiciaram a aceitação do baião no meio urbano brasileiro, Tinhorão destaca ainda a contribuição dada a esse processo evolutivo pelo maestro cearense Lauro Maia. Precocemente falecido em 1950, aos 37 anos de idade, ele percebeu a riqueza melódica desse manacial da música nordestina, criando um ritmo chamado de "balanceio", que já não era mais o ponteio das violas, embora dela aproveitasse o ritmo, e nem era ainda o baião estilizado da forma como o organizaram Gonzagão e Humberto Teixeira.
Portanto, o baião surgiu como um desdobramento da batida dos violeiros nordestinos tocadores de lundus, passando pelo balanceio do cearense Lauro Maia e desaguando em um cenário urbano repleto da mesmice dos boleros e dos sambas-canção abolerados. Nessa época, a MPB ainda incipiente estava estagnada.
Em 1946, Gonzagão e Humberto Teixeira lançaram a música intitulada "Baião", onde, segundo Tinhorão, "o novo gênero se apresentava, de maneira muito feliz, com uma letra em que, além de acentuar essa novidade, ainda revelava claramente o seu próposito de servir com ritmo de dança".
Assim, enquanto o samba se amolengava desde meados da década de 1940, segundo o musicólogo Cruz Cordeiro, também citado por Tinhorão, sendo mais bolero, blue, tango, qualquer outra coisa, menos samba brasileiro, o baião ganhava popularidade rapidamente, pela vitalidade do seu ritmo, e conquistava o Brasil e o exterior.

FONTE: TINHORÃO, José Ramos, Pequena História da Música Popular, Editora Vozes, Petrópolis, 1974, pag. 209/217.

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, domingo, 06.06.2010, Opinião, pág. 11.

- Postagem revisada em 28/01/2018

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Visagem



VISAGEM

Clóvis Campêlo

Não sabia se fora um sonho ou uma alucinação.
São Jorge vinha na frente, montado em seu cavalo branco. A luz do sol refletia na sua viseira prateada e projetava no chão uma imagem imponente.
Logo atrás, vinham Dom Sebastião, Zumbi dos Palmares e Antônio Conselheiro, ressuscitados, em estranhas carruagens de fogo.
Em seguida, vinha um exército de caboclos de lança, com suas roupas coloridas e chocalhos estridentes. E eram tantos que nem todos os mouros de Alcácer-Quibir dariam conta.
Findando o cortejo, vinham os batuqueiros dos maracatus africanos, detonando os seus tambores. E a nuvem de poeira que levantavam era tão imensa que poderia ser vista a quilômetros de distância. E o som de trovão que emitiam era tão intenso que o céu se partia ao meio, no meio da tarde.
Por sobre o fabuloso exército, anjos vestidos de branco tocavam trombetas douradas, anunciando uma nova ordem.
O poderoso exército avançava e por onde passava era seguido por uma multidão de doentes e famintos. E todos se sentiam fortes e revigorados como se um milagre estivesse acontecendo. E todos sabiam que eram partes integrantes de uma gigantesca e profunda mudança prestes a acontecer.
A força da fé que animava a multidão era tão grande que rios poluídos se transformavam em leitos de águas cristalinas, repletas de peixes.
A aproximação da turba revolucionária fazia brotar espontaneamente dos campos a colheita semeada e tudo era irmamente dividido.
Não sabia se fora um sonho ou uma alucinação.

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Recife, 2002

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ambrozino Porfírio da Cruz


Fotografia de Clóvis Campêlo/1991

AMBROZINO PORFÍRIO DA CRUZ

Clóvis Campêlo

Homeopata pernambucano nascido no Recife, em 7 de dezembro de 1901.
Autodidata, mesmo sem ser médico, começou a estudar a homeopatia em 1931, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, onde residia na época, após contrair impaludismo.
Na década de 60, foi um dos introdutores da alimentação naturalista no Estado de Pernambuco, chegando a exercer a vice-presidência da Associação Macrobiótica de Pernambuco.
Poliglota, escrevia e trocava correspondências com revistas homeopáticas de vários países.
Faleceu na cidade de Fortaleza, em 15 de fevereiro de 1997, aos 95 anos de idade.