domingo, 30 de setembro de 2012

Fazendo do alimento o seu remédio


FAZENDO DO ALIMENTO O SEU REMÉDIO

Clóvis Campêlo

Do meu amigo de longas datas José de Arimateia, que hoje mora na cidade de Atibaia, em São Paulo, recebo um e-mail interessante. Nele, o cirurgião americano Caldwell Esselstyn, 77 anos, fala sobre a dieta que aplica nos seus pacientes cardiopatas e que não só evita e detém as doenças cardíacas, como também as reverte.
A alimentação por ele proposta se baseia no uso exclusivo de folhas, frutas, legumes e grãos integrais, deixando definitivamente de lado as carnes (vermelhas ou brancas), o leite e seus derivados, as massas e os cereais refinados e açúcar. O método alimentar, aperfeiçoado nos últimos 30 anos, propõe que garfos e facas substituam os bisturís nas nossas vidas.
O método do médico americano foi tema do documentário Forks over knives (Garfos em vez de bisturís), lançado nos States e ainda inédito no Brasil. O filme conta a história exitosa dos pacientes de Esselstyn tratados pelo método na Cleveland Clinic, de Ohio, e que superaram suas cardiopatias e evitaram cirurgias de alto risco ao adotar a dieta.
Em entrevista por telefone ao jornal Folha de São Paulo, o cirurgião afirma o seguinte: “Se você come a dieta típica ocidental, cheia de carne, óleo e laticínios, você vai ver que, entre mil pessoas, algumas terão infarto aos 40 anos, outras aos 50, outras aos 60, 70 ou 80. Você pode dizer que, geneticamente, quem tem infarto só aos 80 é mais forte para resistir a essa dieta extrema. Por outro lado, se todo mundo come uma dieta baseada em vegetais, todos são poupados”.
Segundo dr. Esselstyn, toda vez que comemos azeite, óleo, leite manteiga, queijo, sorvete iogurte e carne, machucamos o endotélio, delicado revestimento das artérias que produz uma molécula chamada óxido nítrico, que é vaso dilatadora e protege as paredes dos vasos sanguíneos.
No seu método curativo, o médico coloca sob suspeita até mesmo o uso do azeite de oliva na alimentação diária: “Quando você estuda o efeito do azeite de oliva com um teste de ultrassom da artéria braquial, no braço, que mede os danos ao endotélio, vemos que o óleo machuca os vasos”.
Afirma ainda: “A medicina tem evoluído no sentido de criar uma lista cara de remédios e de procedimentos perigosos, como a colocação de stents e pontes de safena. Com o tempo, é preciso colocar outro stent, fazer outra ponte, tomar mais remédios, e, no fim, a pessoa morre do coração assim mesmo. Os médicos, não sei o porquê, passaram a acreditar que as pessoas não são capazes de mudar seu estilo de vida. A revolução da saúde nunca vai acontecer por causa da descoberta de um remédio. A revolução vai acontecer quando as pessoas estiverem informadas do ponto de vista nutricional, para evitar as comidas que vão fazê-las perecer por uma doença”.
E encerra a sua entrevista com uma crítica pertinente: “O Brasil está destruindo a atmosfera e o mundo ao queimar as florestas que são ótimas para capturar o CO2. Por quê? Para produzir carne, que vai fazer as pessoas morrerem cedo e ter vidas miseráveis e infelizes. Se toda essa área for substituída por vegetais, é possível produzir muito mais. Vamos comer plantas, é para isso que fomos criados”.
Tive o trabalho de encaminhar esse material para as mais de 300 pessoas que compõem a minha lista de relacionamento e apenas três dessas pessoas (menos de 1%) se sensibilizaram ao apêlo.
Enfático, o meu amigo Alberto Felix, que mora em Osasco, assim respondeu: “Que merda! Nós vamos comer casca de pau e folha de mato e ser feliz? Uma porra! Eu quero churrasco, picanha, chambaril e mão de vaca (sem esquecer uma boa feijoada). Os naturebas podem ir para o partido de Marina e Sting!”
O músico e poeta Wagner Ortiz foi mais ponderado nas suas colocações: “Gostei, Clóvis. Venho tentando mudar minha alimentação nas últimas décadas, preferindo saladas, frutas, produtos orgânicos e integrais, mas é difícil deixar aquele bifinho suculento. É a cultura adquirida, nós aprendemos isso. Agora, temos que aprender a comer somente verduras!”
Ubiratan Souza, músico e compositor maranhense, mesmo não respondendo diretamente, teve o cuidado de repassá-lo para a sua lista de contatos.


Recife, 2012

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Maníaco depressivo


MANÍACO DEPRESSIVO

Clóvis Campêlo

Fiz o que me pediram e desenhei a árvore.
Era um pé de jenipapo não muito frondoso, situado no sopé de um pequeno morro. Em um dos seus galhos, cantava um sabiá. Perto dali, passava um riacho de águas translúcidas, repleto de pequenos peixes que nadavam tranquilamente.
Na época em que desenhei a árvore, eu era apenas um rapaz de vinte e poucos anos. Mas, a lembrança se reportava ao tempo da minha infância, quando as férias escolares se dividiam entre temporadas nas praias e temporadas no engenho.
Eram lembranças pueris de um garoto assustado com seus próprios medos.
A casa grande do engenho ficava em cima de outra pequena colina, de frente para o nascente. Do seu grande terraço, podíamos observar a igrejinha, encimando a colina frontal. Por trás da igrejinha, onde os senhores da casa grande iam agradecer a Deus os privilégios que lhes foram por Ele concedidos, ficava um resto de mata atlântica, paraíso preservado e onde ainda podiam ser caçados pacas, cutias e outros pequenos bichos indefesos.
Por trás da casa grande, havia um pequeno jardim repleto de roseiras e pés de jasmins. À noite, aquele perfume suave e marcante invadia o quarto onde dormíamos o sono dos justos e dos injustos. Mais adiante, um pequeno rio, de onde derivava o riacho repleto de arenques, trazia, vez por outra, capivaras que eram caçadas e mantidas em cativeiro para engordarem e serem comidas.
Lembro também que havia um bode velho, um pai de chiqueiro, que, íntimo da casa e de todos, tinha a liberdade de passear livremente pela cozinha e pelo terraço.
Tudo parecia estar no seu devido lugar: o vento que balançava as palhas da cana-de-açúcar, o gado no curral, meu tio com o seu chapéu de cow-boy americano e a mesa farta, enorme e retangular, onde todos se reuniam três vezes ao dia para as refeições, e onde nós, crianças, escutávamos as histórias de Cumadre Fulorzinha e de outras entidades que alimentavam o imaginário da gente sofrida e conformada do campo.
Não imaginava que aquele quadro pintado na minha imaginação e que faria inveja a qualquer pintura de Debret, estava delineado o meu diagnóstico: síndrome maníaco depressiva.
Não podia imaginar que nas lembranças de um passado já tão digerido e catalogado, estaria retratada a minha incapacidade de situar-me no presente de forma feliz e adequada.
Aquela terra tinha árvores onde cantava o sabiá e o seu canto melancólico e melodioso para sempre estaria gravado na minha memória de menino assustado por seus próprios medos.

Recife, 2010

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Mulher de plástico, homem de vidro


MULHER DE PLÁSTICO, HOMEM DE VIDRO!

Clóvis Campêlo

Amor é latifúndio, sexo é invasão.
Nem sempre a auto-crítica nos redime.
Nos textos e na vida.
Existem os erros de cálculo e os aparatos aparentes.
Não sou o que você queria que eu fosse.
Sou frágil, de vidro, refratário.
Nem mesmo sou o que eu queria que você pensasse que eu sou.
Sou o outro, o escondido, o antípoda de mim, o que nunca veio à tona.
Seu coração é de elástico, mulher fabricada em série, mulher de plástico.
Somos uma mistura heterogênea, impossível, inviável, concepção inconcebível.
Só mesmo a loucura da minha mente de vidro, transparente em suas piores intenções, poderia te ter criado.
Somos uma louca invenção, um amor impossível e ridículo como todos os grandes amores.
Você nunca existiu.
Eu sou um mito.

Recife, 2011

sábado, 15 de setembro de 2012

Submerso


SUBMERSO

Clóvis Campêlo

Aos teus pés aquietei-me
como um cão com frio
em busca de calor.
E sentindo-me ao mesmo
tempo preenchido
e vazio,
adormeci.
Acordei séculos depois
quando a neve do tempo
já clareava o alto
das montanhas
e os teus cabelos.
E no entanto,
não havia mais frio.
Olhei nos teus olhos
e tive a confirmação
de que neles estavam
todos os segredos
do mundo,
a pedra filosofal,
a negação do tempo
e do espaço.
Mais uma vez
a inquietude
levou-me a escalar
montanhas,
arriscar-me em íngremes
picos vermelhos,
navegar em rios
submersos em úmidas
cavernas.
A mim,
não mais interessava
a claridade do dia,
o verde das matas,
o azul dos céus.
Apenas queria
o silêncio e a quietude
do teu corpo.

Recife, 2010

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A maxambomba


A MAXAMBOMBA

Clóvis Campêlo

Segundo o pesquisador Neldson Marcolin, a maxambomba foi o primeiro sistema de transporte urbano sobre trilhos do Brasil, antecipando-se até mesmo aos bondes de burros.
Inaugurado em 1867, o serviço foi explorado pela firma inglesa Brazilian Street Railway Company Limited, após concessão dada pelo governo da Província.
Por essa época, ainda segundo o pesquisador citado, o Recife já era um importante centro financeiro e comercial. A implantação da maxambomba, uma corruptela da expressão inglesa machine pump (bomba mecânica), trouxe as condições necessárias para a impulsão do seu desenvolvimento.
Até os anos de1860, proliferava o uso de cavalos e carroças para se enfrentar os terrenos aladiços que compunham o cenário urbano recifense e se chegar a Olinda e aos povoados distantes que se formavam às margens dos rios. Por essa época, a população do Recife era de pouco mais de 75 mil habitantes. A implantação de uma ferrovia urbana percorrida pela pequena locomotiva e seus vagões de passageiros foi a solução encontrada.
De início, as locomotivas começaram puxando apenas três vagões, chegando, depois, a circularem com 17 carros. Até1890, cada carro transportava 28 passageiros, sendo desenvolvido posteriormente um novo modelo que levava o dobro de passageiros.
As máquinas eram importadas da Inglaterra, chegando a existir no Brasil daquela época 14 locomotivas.
Com 22 quilômetros de trilhos e 20 estações, a maxambomba circulou no Recife até 1914, quando foi substituída pelos bondes elétricos.
Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, a implantação da maxambomba na cidade estimulou a construção de pontes para dar passagem aos seus trilhos, como a ponte de ferro que foi feita, em 1884, ligando os bairros da Capunga e da Madalena, e que antecedeu a atual Ponte da Capunga.

Recife, 2009

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mário Souto Maior


Fotografia de Clóvis Campêlo/1991

MÁRIO SOUTO MAIOR

Clóvis Campêlo

Nasceu no dia 14 de julho de 1920, na cidade de Bom Jardim, em Pernambuco.
Em 1945, foi nomeado prefeito da cidade de Orobó, no sertão pernambucano.
Em 1967, tornou-se assessor da diretoria executiva do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais (IJNPS), hoje Fundação Joaquim Nabuco. Em 1980, foi nomeado diretor do Centro de Estudos Folclóricos da Fundaj, cargo que exerceu até 1990. De 1991 a 2001, chefiou a Coordenadoria de Assuntos Folclóricos da entidade.
Pesquisador Emérito da Fundação Joaquim Nabuco foi poeta, contista, pesquisador e colaborador em diversos jornais e revistas especializadas do Brasil e do exterior, além de ter publicado dezenas de livros.
Em 1979, com o livro Folclore e Alimentação, ganhou o prêmio Sílvio Romero, do Ministério da Educação e Cultura.
Em 1989, com o mesmo livro, ganhou o Gran-Prêmio Iberoamericano Augusto Cortazar, instituído pelo Fondo Nacional de las Artes, do Ministério de la Educación y Justicia, da Argentina.
Faleceu no Recife, no dia 25 de novembro de 2001.