sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A insustentável irreversibilidade do ser



A INSUSTENTÁVEL IRREVERSIBILIDADE DO SER

Clóvis Campêlo

Descartes que me desculpe, mas o mundo é muito mais múltiplo e paralelo do que pregava a sua vã filosofia. E não adianta querer bancar o São Tomé, pois tudo que é sólido sempre se desmancha no ar. Entre as fantasias do real e as realidades do imaginário, portanto, vagamos nós, seres mutantes e modernos. Entre a finitude do momento e a eternidade do virtual, dividimo-nos de forma esquizóide. E não adianta mais chorar sobre o leite derramado, pois o processo talvez seja irreversível.
Como já dizia o guru, não existe segurança nenhuma em nada. Viver é uma extrema e ignorante ousadia, e nem mesmo temos controle algum sobre a chegada e a partida. Simplesmente vagamos. Perdemo-nos constantemente entre montanhas e vales, para nos reencontrarmos nas planícies e nos planaltos. Só sabemos que nada sabemos.
Compartimentar o tempo e mecanizar o pensamento e o raciocínio foram artifícios utilizados inultimente por nós em busca de um patamar mais seguro. Para todos, talvez fosse prudente observar o brilho diferenciado daquela estranha estrela, cuidando, porém, para não alimentarmos uma nova ilusão ou utopia. É muito pequena a distância entre a consciência e o delírio.
Mesmo pensando e pulsando, somos carne de terceira e nos iludimos constantemente com a perspectiva do divino. As nossas pretensões, porém, esbarram nas nossas próprias limitações: não vemos o que queremos, não alçamos vôos panorâmicos, arrastamo-nos pelo chão como vermes quaisquer. Somos seres decapitados e vemos a cada dia cabeça e corpo mais e mais se distanciarem.
Enquanto matéria orgânica, temos a carne como o cerne. É através dela que nos desencontramos com o mundo que imaginamos concreto. E quando esse mundo se desmaterializa, tornamo-nos tornados, energia pura descontrolada e bela, embora periculosa.
Mas, para que tanta verborragia se viver não exige tantas palavras? Se os procedimentos vitais se locupletam e se complementam de forma autônoma e independente? Se os fatos, por si sós, geram fetos de outros fatos? Se a vida é uma ida sem volta e sem escolta, solitária e desacompanhada?
Como diria o poeta em tempos idos, talvez só nos reste a opção de dançarmos um tango argentino!


Recife, 2011

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Auto-retrato



AUTO-RETRATO

Clóvis Campêlo


Sou a reta e sou a curva,
a mão esquerda e a direita,
o verão na praia do Pina
e a chuva que adoça o caju.

Sou a revolução que não houve,
as dúvidas da certeza
e a alegria das dúvidas.

Sou o pai e sou o filho,
o vento que anuncia tempestades,
o raio que corta o céu ao meio
no meio da tarde.

Sou martelo agalopado,
entidade de corpo fechado,
soneto na nova medida
e a bandeira de São João.

Sou Elefante e Pitombeiras,
sou o Galo da Madrugada,
sou o barulho da feira
e o som da procissão.

Sou o amarelo de Nossa Senhora
e o azul de Iemanjá,
sou calmaria sem vento,
sou selva de pedra e cimento,
relva plantada no chão.

Sou o tudo e sou o nada,
o silêncio e a batucada;
sou o sul e sou o norte,
faca cega e navalha de corte.

Eu sou o fogo da vida
e sou o sopro da morte!


Recife, 2006

- Publicado no livro Antologia 2007 dos Poetas Independentes. Recife, Edições do Livro Rápido, 2007, página 39/40.
 

sábado, 24 de dezembro de 2011

Papai Noel nunca me enganou



PAPAI NOEL NUNCA ME ENGANOU

Clóvis Campêlo

A Viana Leal ficava na Rua da Palma, no centro do Recife. Uma das primeiras lojas de departamentos criadas na cidade, nos anos 50, diferenciava-se das outras por conta da bela escada rolante existente e por onde nós subíamos para falar com Papai Noel, no primeiro andar. Foi lá que o conheci pessoalmente e onde comecei a alimentar a minha bronca natalina.
Primeiro, por conta dos presentes que nunca correspondiam aos que eu solicitava. Seria doido ou surdo o bom velhinho? Pedia-lhe uma bicicleta e vinha um avião de plástico. Pedia-lhe uma charmosa bola de couro e recebia uma outra de plástico chinfrim. Coisa chata aquilo. Não desconfiava que os meus pedidos esbarravam no salário parco de funcionário público do meu pai. Naquela época, para mim, o mundo era mágico e Papai Noel existia de verdade. Só não compreendia a sua capacidade de não me atender aos pedidos.
Numa das últimas vezes que lá estive, notei que a bela roupa vermelha de Papai Noel cheirava a suor. Aquilo me intrigou. Será que o bom velhinho não gostava de tomar banhos? Ou será que, morando sozinho no Polo Norte, não tinha quem lhe lavasse as roupas com as quais trabalhava?
Para mim, naquela data, Papai Noel se humanizava e começava a perder a sua aura mágica e poderosa. Sempre o imaginara como um anjo, um ser divinal criado por Deus apenas para atender aos sonhos e desejos das crianças do mundo todo. Em função dessa crença, esforçava-me o ano inteiro para ser uma criança boa e estudiosa. Em muitos Natais cujos presentes recebidos não correspondiam aos solicitados, atribui a mim mesmo essa responsabilidade. Talvez, naquele ano, eu não tivesse correspondido às expectativas na escola e no meu comportamento em casa e por isso não merecesse ser atendido nas minhas pretensões infantis. Papai Noel era justo e atencioso, um ser divino, e não me faria uma falseta dessas. Mas, se assim era, como podia suar e cheirar a suor. Alí havia algo de errado e alguém teria que me explicar o que era. Sendo Papai Noel humano e suador, a culpa não poderia ser só minha.
Minhas dúvidas acabaram-se de vez, logo depois do Natal, quando passei com o meu pai em frente ao Bar Savoy e vi nada mais nada menos do que o nosso Papai Noel, à paisana, tomando uma cerveja geladíssima ao lado de uma loira suspeita.
Ali, o sonho acabou de vez: Papai Noel era uma fantasia.

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pelas ruas do Recife


Fotografia de Clóvis Campêlo / 2000
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PELAS RUAS DO RECIFE

Clóvis Campêlo

Pelas ruas do Recife
surge a novidade,
afirmam-se credos seculares,
renascem mitos modernos.

Pelas ruas do Recife
dorme-se o sono dos justos,
cessam as palavras,
falam por si sós os fatos.

Pelas ruas do Recife
caminha a humanidade,
correm as notícias,
dispara a revolução.

Pelas ruas do Recife
travam-se todas as lutas,
cruzam-se todos os olhares,
reverenciam-se todos os deuses.

Pelas ruas do Recife
transitam todos os anjos,
ocorrem todas as mortes,
condensam-se todas as imagens.


Recife, 1991

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Severino Vitalino





Fotografias de Clóvis Campêlo / 2005

SEVERINO VITALINO

Clóvis Campêlo

Nascido no Sítio Campos, em Caruaru, no dia 04/3/1940, é um dos seis filhos de Vitalino de Caruaru, o mestre do barro.
Em 1948, aos oito anos de idade, acompanhou a mudança do pai para o Alto do Moura, também em Caruaru, onde fixou residência e onde hoje funciona a Casa-Museu Mestre Vitalino, mantida pela Prefeitura de Caruaru.
A casa é mantida da mesma forma em que se encontrava quando Vitalino morreu e Severino é quem zela por ela, recebendo por isso um salário da prefeitura.
Mas ele também é artesão do barro desde os 8 anos de idade, quando fez o seu primeiro boneco. Hoje, tem peças até no acervo da Casa Branca americana.
A Casa-Museu fica na Rua Mestre Vitalino, 281, no Alto do Moura, em Caruaru.
Foi lá que eu fiz as fotografias, em 2005, ainda em negativas de celulóide.


Recife, 2005

domingo, 18 de dezembro de 2011

O primeiro dia do resto da sua vida



O PRIMEIRO DIA DO RESTO DA SUA VIDA


Clóvis Campêlo

O sonho fora terrível: dois operários em construção, amarrados e com os braços abertos, eram espancados em praça pública, pelos companheiros de obra, até a morte. Do outro lado da rua, sobre o lixo de um terreno baldio, um bebê de cabelos louros e encaracolados chorava, abandonado.
Deitara cedo, é verdade, e não conseguia entender porque sonhara aquele sonho estranho, em plena madrugada, quando o dia já começava a raiar.
Levantou da cama e olhou para a companheira que, bela, ressonava, tranquila, o sono dos justos. Era sempre assim: lutava contra a insônia e os pesadelos, enquanto ela dormia com a maior facilidade.
Durante anos se perguntara o por que disso, da insônia, da angústia. De nada adiantaram os anos de terapia ou mesmo os soníferos usados durante um certo tempo. Sabe lá Deus, quantas noites passadas em claro, nos últimos anos, ou dormindo mal e sonhando besteiras como as que sonhara há pouco.
Foi até a cozinha e colocou a água do café no fogo. Quando ela acordasse, o café já estaria pronto. Ao menos para isso, a insônia serviria. Pôs o pó do café no coador (detestava as cafeteiras que ferviam o pó junto com a água) e a água quente sobre ele, deixando o delicioso aroma invadir todos os cômodos do apartamento.
Logo ela acordaria, e repetiria a invariável pergunta: “Dormiu bem hoje?”. Já se acostumara com isso. Perguntava-se por que a repetição inútil da indagação. Tanto quanto ele, ela sabia da sua incapacidade de dormir bem. Sabia dos seus pesadelos e dos seus surtos depressivos.
Quando a ela dizia isso, alegando a inutilidade da pergunta, sempre respondia: “Lembre-se que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida e nele você tem a obrigação de ser feliz. Esqueça o ontem e o amanhã. Concentre-se no agora. Liberte e libere as endorfinas”.
Odiava esse discurso otimista, mas como gostaria que ela estivesse certa.

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Em busca de nós mesmos



EM BUSCA DE NÓS MESMOS

Clóvis Campêlo


O que buscam as pessoas ao se juntarem em grupos?
Talvez um lenitivo para a solidão. Talvez. Afinal, a solidão é fera, a solidão devora. E se ela faz nossos relógios caminharem lentos, causa descompassos em nossos corações. Aplacar a solidão, portanto, pode ser um dos requisitos que buscamos nos relacionamentos. Houve uma época em que a única coisa que nos interessava era a disposição para a alegria. A natureza nos era generosa. Havia espaço, água, areia, luz, tudo em abundância e nós tínhamos uma energia enorme para gastar. Os amigos eram parceiros lúdicos, ainda não havia revoluções a serem engendradas. Também não havia discriminações sociais. Ganhava respeito quem se destacasse nas habilidades intrínsecas. Lembro de verdadeiros comandantes que depois descambaram para a marginalidade, a exclusão. Não tiveram a sua maestria e exuberância reconhecidas pela sociedade. Os critérios eram outros.
Houve um outro tempo em que a constituição cósmica já não nos interessava da maneira como se apresentava. Tínhamos planos maiores e melhores para o mundo e nos juntávamos em grupos para subverter esse estado de coisas. Éramos conspiradores contra tudo e contra todos. Éramos santos guerreiros e o dragão da maldade não estava em nós, estava no mundo. O inferno eram os outros. Movidos por essas utopias, muitos foram impiedosamente massacrados, exterminados. Sangramos desnecessariamente sem entender que o mundo tem a sua própria lógica e que se autotransforma, torna-se mutante quando a si mesmo interessa isso.
Um belo dia, abandonamos todos os bandos, revolucionários ou não, e começamos a criar filhos, plantar árvores e escrever livros. Começamos, sem perceber, a percorrer um longo caminho para o futuro em busca da fartura e da simplicidade do passado, onde tão pouco nos bastava e satisfazia.
E nesse caminho de volta, de retorno à terra, ao equilíbrio edênico, reaprendemos a arte de conhecer e conviver com novas pessoas, outros bandos de retirantes em busca de si mesmo, da sua paz interior, do seu eu cósmico.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Mosaicos







MOSAICOS

Clóvis Campêlo

Se a fotografia nasceu a partir da câmera escura, artifício utilizado pelos pintores renascentistas para copiar a realidade com a máxima perfeição, nada mais natural que ela seja usada para mostrar as cores e luzes do mundo, criando simulacros mais que perfeitos.
Assim, ao fotógrafo caberia apenas a escolha do ângulo e enquadramento adequados e a captação do momento decisivo da composição, como entendia o mestre francês Cartier Bresson.
A fotografia estaria condenada, então, ao figurativismo, à repetição e fixação exaustivas das imagens fugidias da vida e do mundo.
O desenvolvimento tecnológico, no entanto, com a criação de máquinas mais modernas e com mais possibilidades técnicas, permitiu aos fotógrafos contemporâneos algumas transgressões e até mesmo alguns equívocos.
Sem querer me estender muito nessa teoria da imagem e partindo decidido para os finalmentes, lembro que, entre nós aqui da província, foi o designer Aloísio Magalhães quem primeiro buscou utilizar a fotografia, através de montagens, para crias novas composições e imagens. Utilizando-se de um mesmo negativo, revelado de forma normal e invertida, criou o que chamava de fotogramas, colagens que davam um novo dignificado ao figurativismo fotográfico. Esse seu belíssimo trabalho está hoje quase esquecido e pouco é citado.
Ao concebermos os “mosaicos” que ilustram esse artigo, partimos da concepção aloisiana e da lembrança dos mosaicos que formavam o chão da casa dos meus pais, no Pina, e que aos poucos foram sendo substituídos pela cerâmicas modernas e sem graça dos dias de hoje.
A única diferença significativa no nosso trabalho, é que montamos os “mosaicos” não a partir de imagens figurativas ou de paisagens do mundo real, mas sim a partir de recortes de imagens das pinturas dos ônibus e paredes da cidade do Recife.
Feitas no início dos anos 90, ainda em negativos de celulóide, as imagens foram reveladas de forma normal e invertidas, assim como fazia Aloísio Magalhães, e montadas sobre papel escuro.


- Postagem revisada em 24/01/2018
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domingo, 11 de dezembro de 2011

O Ginásio Pernambucano


Fotografia de Clóvis Campêlo/2008

O GINÁSIO PERNAMBUCANO

Clóvis Campêlo

Escola mais antiga ainda em funcionamento no Brasil, foi fundada no dia 1º de setembro de 1825 por José Carlos Mayrinck Ferrão, então presidente da Província.
De início, seu nome era Liceu Provincial e não teve sede fixa por um bom tempo.
Começou com 26 alunos num dos corredores do Convento do Carmo, com professores do Seminário de Olinda.
Em dezembro de 1866, foi transferido para o prédio atual, na Rua da Aurora, ao lado do prédio da Assembleia Legislativa do Estado. Antes, funcionou na Rua do Hospício, no Cais da Alfândega e na Rua da Praia.
O prédio, tombado em 1984 pelo Patrimônio Histórico Nacional, obedece ao estilo neoclássico e foi construído por José Mamede Alves Ferreira, engenheiro responsável pela construção dos prédios da Casa da Cultura, do Hospital Pedro II, da capela do Cemitério de Santo Amaro e da grande maioria dos casarões construídos na Rua da Aurora, naquela época.
Pela escola passaram alunos ilustres como o ex-presidente da República Epitácio Pessoa, os ex-governadores pernambucanos Agamenon Magalhães, Cid Sampaio e Joaquim Francisco, além de outras personalidades como os escritores Ariano Suassuna e Clarice Lispector, o historiador Amaro Quintas e o geógrafo e historiador Manoel Correia de Andrade.
Para se ter uma ideia da rigorosa disciplina da escola, no início, seu primeiro diretor, Miguel do Sacramento Lopes Gama, o Padre Carapuceiro, criou um severo estatuto. Entre outras coisas, para ser matriculado, o aluno tinha de prestar juramento à Constituição do Império e, anualmente, os professores prestavam contas ao governo do desempenho acadêmico e disciplinar dos alunos.
Em 1997, as atividades do Ginásio Pernambucano foram suspensas devido às más condições de conservação do prédio, passando a escola a funcionar provisoriamente, durante as reformas, no prédio da antiga Escola de Engenharia, na Rua do Hospício.

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Para Lennon sem McCartney



PARA LENNON SEM McCARTNEY

Clóvis Campêlo


A revolução nós a fizemos
deitados no assoalho do estúdio
(um atrapalho no trabalho).
Disparamos sonhos a esmo
e nem mesmo vimos as
mudanças se consolidarem.
Oh, garota,
talvez você nem
saiba qual a razão!
Sempre fui solidão
e queria morrer.
Nuvens negras sobre
a minha cabeça,
prenúncios de sofreguidão
e nós apenas queríamos
a revolução.
Oh, meu bem,
esqueça Mao e Guevara,
eles nos custaram
os olhos da cara
e nem mesmo houve
céu ou terra,
inferno ou paraíso.


Recife, 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

Além do módulo lunar


"Mulheres na janela", de Di Cavalcanti

ALÉM DO MÓDULO LUNAR

Clóvis Campêlo

No dia em que o homem chegou à Lua, eu posei no seu coração.
Todos a chamavam de Lenita e durante longos meses flertei com ela em silêncio, tímido e apaixonado.
Nunca imaginei que a conquistaria um dia. Afinal, ela tinha namorado com os caras mais gabaritados do udigrudi recifense, intelectuais e cineastas, e eu era apenas um rapaz latino-americano que morava no subúrbio e gostava de jogar futebol e curtir a praia.
Vimos tudo pela televisão, em preto e branco (o homem na lua).
Depois a beijei na escada do prédio onde morava. Na parede do corredor, havia uma guelra de baleia. Ela foi a testemunha muda de tudo o que houve naquela noite.
Depois de beijos e abraços, ela, completamente cínica e excitada, pediu para ir ao banheiro. Era só um pretexto para tirar a calcinha.
Sentou-se no primeiro vão da escada e deixou que eu acariciasse os seus pelos pubianos.
Respirava sofregamente quando lhe alcancei o clitóris e introduzi os dedos na sua rubra vagina.
Gozou ali mesmo, nos pés da escada, enquanto Amostrong enfiava o mastro da bandeira americana no solo lunar.
Um grande passo para a humanidade e eu cheirando os dedos atrevidos que havia invadido aquele espaço precioso.
Naquela noite não lavei às mãos ao chegar em casa. Aquele cheiro delicioso me pertubou por várias horas. Só me acalmei depois do gozo solitário.
Aquela seção maravilhosa se repetiria por muitas noites, até que um dia acabamos o namoro.
Depois, sempre que passava por ali e a via na janela do apartamento, sorria de satisfação.
Ela também sorria, acho que curtindo as mesmas lembranças.


Recife, 2008

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Divino Cartola



DIVINO CARTOLA

Clóvis Campêlo


Cartola morreu no dia 30 de novembro de 1980, oito dias antes de John Lennon ser assassinado em Nova York. A morte do ex-beatle, para mim e para o mundo, foi marcante, assustadora, incomensurável.
Talvez por isso, nas minhas lembranças, na minha jovem cabeça, não tenha sido tão significativa a data da passagem do compositor carioca.
Naquela época, inclusive, eu ainda não havia descoberto a dimensão e a importância do sambista para a música popular brasileira. Para mim, Cartola era mais uma "invenção" da turma do Pasquim, muito embora nas jovens tardes de domingo que curtíamos no Pina, nos anos 70 e 80, Cartola fosse uma das ilustres figuras que desfilavam nas nossas vitrolas.
Mas, naquele tempo, interessava-me muito mais a revolução tropicalista de Caetano e Gil e as guitarras da Jovem Guarda, que ainda reverberavam. Essa junção modernista, esse prisma inusitado que se apresentava na MPB, impressionava-me muito mais do que a arte do sambista do Rio.
Cartola morreu aos 72 anos de idade. Foi velado na quadra da Estação Primeira de Mangueira, escola de samba da qual foi um dos fundadores, e sepultado no Cemitério do Caju, no dia 1º de dezembro. Na hora do seu funeral, Waldemiro, ritmista da Mangueira, marcou no seu bumbo o compasso para que a música As rosas não falam fosse cantada pela pequena multidão que acompanhava o enterro. Atendia-se, assim, ao seu último desejo, manifestado por ele à família uma semana antes de morrer.
Quando tempos depois refiz os meus conceitos sobre a música brasileira e passei a resgatar determinados valores do passado, as músicas de Cartola passaram a fazer parte das minhas preferências, impressionando-me sobretudo por suas qualidades musicais e poéticas, pela grande sensibilidade desse homem que, embora tivesse terminado apenas o curso primário, mostrava-se um compositor completo e um letrista inspirado.
Não foi à toa, portanto, que o crítico musical Lúcio Rangel, com Cartola ainda vivo, tenha lhe dado o apelido de Divino Cartola.
Para Cartola, sem dúvida, eu também tiro o meu chapéu.


Recife, 2011

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Delírio azul


Fotografia de Clóvis Campêlo/2000
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DELÍRIO AZUL

Clóvis Campêlo


Entre os rios e o mar, Recife é um delírio azul. Dos sonhos dos homens, fez-se a cidade que sempre encantou poetas e imperadores. Dos sonhos dos homens e dos aluviões, matéria orgânica semeando o futuro sobre as águas.
Entre risos e bares, Recife é um transe etílico. Do porre dos poetas, fez-se a literatura nem sempre bem comportada que alicerçou a sua fama de reduto de bardos e bêbados. Em bandos ou solitários, a margear as águas nem sempre límpidas do mangue.
Sobre rios, pontes e overdrives, Recife é sinuosidade, é extravagância, superação de limites. Na sua concepção, em nada, porém, difere de todas as outras cidades do mundo. É equívoco, prisão, neuroses, contenção. Recria-se sempre sob a ótica do pragmatismo capitalista, a grana erguendo e destruindo coisas belas, sequelas.
Entre o passado e o futuro, Recife é o presente nem sempre bem compreendido. Onde estarão os botos do Capibaribe, espantados pelo vinhoto das suas usinas de açúcar e pelo murmúrio incessante das suas máquinas modernas? Recife perde-se na sua própria contemporaneidade. Que cidade é essa? Deitada para sempre no berço esplêndido da planície aluvional, a esperar com paciência o beijo libertador do cavaleiro do futuro.
Quantas vezes nos renderemos à luz do luar secular? Quantas paredes se ergueram entre ela e o seu solo úmido? Quantos séculos ainda esperaremos pelo que nunca existiu, pela essência para sempre perdida do passado, dos casarões malassombrados, do vento morno do verão que nunca nos açoitou as faces?
A gente precisa ver o luar!

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domingo, 27 de novembro de 2011

Constatação



CONSTATAÇÃO

Clóvis Campêlo


Pra sempre ser "gauche" na vida
não me foi por um anjo dito,
foi minha opção escolhida,
foi o meu destino bendito.

Desfolhar sempre a realidade
como quem procura na essência
a busca de toda a verdade,
verdade de toda existência.

No entanto, resistia o mundo
a este sincero e profundo
desejo de o ver transformado.

E embora guerreiro na luta
investisse com força bruta,
eu é que fui sendo mudado.


Recife, 1991


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O frevo de rua



O FREVO DE RUA

Clóvis Campêlo


O frevo é pernambucano e nasceu pelas ruas do Recife, misturando polca, dobrados, maxixes, tangos e quadrilhas.
O frevo é pernambucano e degenerou-se a partir das bandas marciais que existiam no Recife no século XIX.
O frevo é pernambucano e teve a sua paternidade concebida pela banda do 4º Batalhão de Artilharia, o Quarto, e pela banda da Guarda Nacional, a Espanha de Pedro Garrido.
O frevo é pernambucano e na sua concepção despretensiosa e natural ousou misturar a dança e a música.
O frevo é eminentemente urbano.
Quem diz isso não sou eu. São vários pesquisadores, pernambucanos ou não. Entre eles, José Ramos Tinhorão.
No frevo, os dobrados desdobraram-se e foram sendo acelerados. Primeiro, os passos dos capoeiristas que acompanhavam as bandas e disputavam os espaços das ruas. Depois, as notas musicais, mais rápidas, mais curtas e mais altas. O frevo tomava corpo e forma. O frevo mostrava a alma.
O frevo sempre foi do povo. Primeiro do lúmpen que acompanhava as orquestras. Depois, dos trabalhadores urbanos mais organizados.
Acompanhemos Tinhorão: "Até o início da século XX, as marchas que começavam a ser frevos, antes mesmo do aparecimento desse nome, ainda não possuíam o caráter explosivo que o frevo de rua adotaria posteriormente.
Quando, porém, a partir do início do século, são rompidas as relações urbanas algo feudais do Recife pela presença das indústrias têxtil e açucareira, e a cidade se enche de novas camadas de trabalhadores procedentes da zona rural, dissociados das tradições locais, esses moradores de mocambos da zona alagada permitem o advento do frevo de rua estritamente orquestral, destinado pura e simplesmente à cega libertação de energia dos pés-de-poeira.
Para a música produzida pelas fanfarras em suas passeatas carnavalescas isso queria dizer que não havia mais qualquer compromisso com o repertório ora marcial, ora folclórico herdado do século XIX, e os metais poderiam enfim explodir em colcheias e semicolcheias nas introduções que desenhavam uma melodia marcada por síncopas, enquanto o ritmo, desprezando as medidas de tempo, produzia a ginga visivelmente inspirada nas desarticulações do corpo dos dançarinos entregues à loucura do passo."
Ou seja, o povo criou o frevo e o povo o libertou das amarras iniciais. O frevo sempre foi do povo. E, passo a passo, a liberdade do passo foi sendo inventada, ordenada e consentida. O frevo sempre foi liberdade.
Falo do frevo de rua, é claro, e dentro das concepções do crítico e estudioso paulista. As opiniões de Tinhorão estão no livro Pequena história da música popular (Ed. Vozes, Petrópolis, 1974, pág. 137/146). São interessantes e polêmicas quando trata de analisar as outras modalidades do frevo (frevo-canção e frevo-de-bloco).
Portanto, agora, quando novamente se aproxima o carnaval, vale a pena lembrarmos do ritmo autenticamente pernambucano.
Por enquanto, porém, falemos da invenção e das evoluções do frevo de rua, o frevo que encantou Tinhorão.
O resto virá depois.


terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sobre passarinhos e ecologia


SOBRE PASSARINHOS E ECOLOGIA

Clóvis Campêlo

A paz é uma utopia inventada pelo homem. Mesmo na Natureza, entre os animais, ela não existe. Mata-se para sobreviver e isso é justo e natural. É a lei da vida, A cadeia alimentar mantendo o equilíbrio ambiental e ecológico. O bicho-homem é que mata em nome do lucro e das falsas ideologias. E isso é trágico.
Outro dia, viajando para a cidade de Canhotinho com o meu amigo Bartolomeu Lima, demos uma paradinha estratégica na Bica da Mijada da Velha, em São Benedito do Sul, para um refrigério necessário. O dono do local era passarinheiro e logo surgiu uma inevitável conversa sobre a criação de passarinhos. Contou-nos ele que já tivera problemas com o Ibama por conta das gaiolas mantidas no seu estabelecimento às margens da rodovia. No entanto, indagou por que as usinas de produção do açúcar também não eram multadas, já que os defensivos e agrotóxicos usados na monocultura da cana causavam uma mortandade e um extermínio de aves muito grandes, trazendo um prejuízo maior do que o hábito do matuto de criá-las em cativeiro, bem alimentadas e livres dos predadores naturais. Segundo ele, mesmo ali, naquela cidade situada na zona da mata sul do Estado e ainda cercada por áreas de preservação da Mata Atlântica já era notória a diminuição dos passarinhos e da fauna em geral. Para mim, a indagação é corretíssima e merece uma reflexão.
Outro dia, domingo de manhã cedinho, na feira do Cordeiro, onde são vendidos pássaros importados de outras regiões do planeta (Austrália, Nova Zelândia, Japão, China, etc.), presenciei a fuga de um gaiolão de várias espécies de aves chinesas. Assim como aconteceu com os pardais trazidos da Europa nos anos 60, logo elas estarão devidamente adaptadas e se reproduzindo no novo habitat. Esse é um outro problema a ser seriamente considerado, pois isso implica em rápidas modificações na nossa fauna. A Natureza leva anos ou séculos para proceder a essas mudanças, dependendo das necessidades de adaptação ou sobrevivência das espécies, e o bicho-homem, movido por interesses pecuniários e anti-naturais interfere de maneira brusca e negativa nesse processo.
Consideremos ainda a contradição que existe na nossa legislação de tentar preservar as nossas espécies animais e ser conivente com a caça e o extermínio das espécies animais de outros países. Isso também é justo e ecologicamente correto?
Enfim, todas essas considerações me vieram à cabeça após a morte trágica de Brasão nas garras de um carcará que cumpria apenas o papel que lhe fora estabelecido pela Mãe Natureza, nas suas leis sábias e independentes das considerações conceituais do bicho-homem.
A cultura, a civilização, a modernidade, nada mais são do que ilusões por nós criadas para justificar as nossas atitudes antinaturais e mortíferas.



domingo, 20 de novembro de 2011

A morte de Brasão


A MORTE DE BRASÃO

Clóvis Campêlo


Uma das coisa mais curiosas que me lembro no livro “Henfil na China”, escrito nos anos 70 pelo falecido cartunista do Pasquim, eram os chineses oriundos das áreas rurais criando galinhas nas cozinhas dos apartamentos construídos pelos governo para realocá-los.
Não sou chinês e nem crio galinhas, mas gosto de criar passarinhos. O hábito, eu herdei do meu pai. Na nossa casa, no Pina, sempre havia muitas gaiolas para serem cuidadas por mim e por meu irmão, Carlinhos.
Com o meu tio Luís Regueira, cansei de me embrenhar de madrugada pelas matas de Camaragibe para passarinhar. Saíamos de casa bem cedo, levando uma sacola com mantimento (pão, goiabada e queijo de coalho), para pegar o ônibus no Recife Antigo. Antes de voltarmos para casa, à tarde, ainda desfrutávamos de um bom banho nas águas limpas do Riacho do Flamengo, hoje completamente poluído e perigosíssimo, local de desova da bandidagem.
Hoje, embora ainda existam resquícios da Mata Atlântica circundando o Recife, os passarinhos escassearam. Uns dizem que por conta dos pardais, pássaros alienígenas importados da Europa, nos anos 60, para combater o lacerdinha, um inseto que naquela época invadira o Recife e causava transtornos à população. Os lacerdinhas sumiram, é verdade, mas os pardais ficaram e espantaram os pássaros nativos (curiós, galos-de-campina, canários, patativas, papa-capins, caboclinhos, bigodes, guriatãs, etc).
Em agosto do ano passado, recebo um papa-capim de presente, trazido por um amigo meu do seu sítio, em Abreu e Lima. Resolvo chamá-lo de Brasão, atacante que, na época, estava em destaque no Santa Cruz. E, apesar de morar em um apartamento de classe média, no bairro do Cordeiro, logo arranjei no terraço um lugar de destaque para ele. Começava ali uma grande relação de amizade. Nesses quinze meses de convivência, acostumei-me a acordar de manhã cedo com o canto de Brasão. Era como se fosse um bom dia amigo.
Ontem, abruptamente, essa relação foi interrompida. Pelo celular, recebo a incrédula notícia: burlando a vigilância da família Campêlo, um gavião que andava rondando o terraço pegara Brasão desprevenido. Para o gavião, nada mais justo do que querer alimentar-se com a carne gorda e bem cuidada de Brasão. Para mim, que raciocino diferente e passionalmente, aumentou um pouco mais o meu vazio existencial.


sábado, 19 de novembro de 2011

Lindo pendão




LINDO PENDÃO

Em homenagem ao Dia da Bandeira e ao poeta Torquato Neto

Clóvis Campêlo

Salve o teu lindo olhar de esperança,
símbolo augusto de um novo dia,
e a saúde que o mesmo irradia
faz-me crer apenas na bonança.

Dos teus olhos o belo pendão,
na grandeza do afeto que encerra,
mantém-me na alegria e descerra
a cortina de nova visão.

A tua nobre presença alimenta
em meu peito um amor varonil,
facho aceso a tua luz afugenta

meus fantasmas, temor juvenil;
verde olhar o teu que me acalenta
a quimera de um sonho infantil.


Recife, 1991


sábado, 23 de julho de 2011

A bandeira da cidade do Recife



A BANDEIRA DA CIDADE DO RECIFE

Clóvis Campêlo


A bandeira da cidade do Recife foi Instituída pela Lei nº 11.210, de 15 de dezembro de 1973.

É dividida em três partes. Na parte central, de cor branca, consta a legenda "Virtus e Fides" (Força e Fé) sobre um leão neerlandês coroado e uma cruz latina.
Na parte azul à esquerda, há uma estrela amarelo-ouro relativa à bandeira da Revolução Republicana, de 1817. Na parte azul à direita, consta a figura do sol.
Segundo a Wikipédia, o desenho se baseia em três colunas verticais - duas laterais de cor azul, e a central, branca -, lembrando a bandeira do estado de Pernambuco, o céu e a paz. Em cada faixa, há símbolos que se referem a fatos importantes da história recifense:
Estrela (coluna azul da esquerda) - representação da República Brasileira, que se originou em Pernambuco, através do Movimento de 1817.
Frase "Virtus et Fides" (coluna central) - "Força e Fé", ideais almejados pelo ser humano.
Leão neerlandês (coluna central) - coroado, se refere ao escudo de armas de João Maurício de Nassau e ao apelido recebido pelos pernambucanos ("Leão do Norte"), alusivo à história de lutas do povo do Estado.
Cruz (coluna central) - representa a colonização portuguesa e a chegada do cristianismo no Brasil.
Sol (coluna azul da direita) - simboliza a presença marcante do Sol nas terras da cidade.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O bairro do Recife Antigo



Fotografia de  Clóvis Campêlo/2008

O BAIRRO DO RECIFE ANTIGO

Clóvis Campêlo



O bairro do Recife, hoje chamado de Recife Antigo, teve origem no século XVI, numa faixa arenosa e estéril que ligava o porto natural ao istmo de Olinda, espremido entre o mar e os rios Capibaribe e Beberibe. O povoado do Recife viria a ser consolidado menos de um século depois, abrigando umas poucas casas de pescadores e portuários e armazéns para estocar mercadorias comercializadas entre os engenhos e a metrópole.
Na época, o porto chegou a ser considerado como o maior das Américas, recebendo toda a sua carga através de batéis que singravam os rios e canais trazendo a produção dos engenhos de cana-de-açúcar.
Foi no Recife Antigo que os holandeses se instalaram em 1637. A Rua do Bom Jesus, que testemunhou o esplendor do progresso urbano (1630-1654), foi o local escolhido pelos judeus para instalar a sua comunidade atuando no comércio ultramarino, sendo, por isso, chamada de Rua dos Judeus e Rua do Bode.Em 1636, foi nela erguida a sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel (Pedra de Israel), a primeira das Américas, que se localizava nos prédios de nº 197 e 203, e que funcionou até 1654, onde recentemente foram descobertos o muro de contenção das marés e a micveh, poço onde aconteciam os banhos rituais dos judeus.
Após a saída de Maurício de Nassau do Recife, os judeus foram perseguidos e os padres da Congregação Santo Antônio herdaram os prédios. A rua mudou de nome, passando a ser chamada de Rua da Cruz e depois Rua do Bom Jesus, devido a capela construída nas imediações.
Com a expulsão dos holandeses, os portugueses continuaram a evolução urbana do bairro, permitindo a construção de várias obras como a Igreja e o Convento da Madre de Deus dos padres da Congregação de São Felipe Neri (1680-1707), da Igreja do Pilar (1160-1686) e do Forte do Matos (1684), assim como de diversas ruas.
Em 1710, ocorreu no local a Guerra dos Mascates.Em 1881, foi construída a Estação Ferroviária do Brum, ligando o Recife à cidade do Limoeiro.
Em 1885, foram concluídos o Teatro Apolo e a Torre do Observatório, chamada de Torre Malakoff em homenagem à torre homônima existente em Sebastopol, importante referêrencia na Guerra da Criméia (1854-55), episódio contemporâneo à sua construção.
No início do século XX, o bairro sofreu uma grande reforma, recebendo um traçado urbanístico tipicamente francês, influêrncia do arquiteto Louis Léger Vauthier, e perdendo importantes monumentos do início da colonização portuguesa e da passagem dos holandeses.
Entre 1907 e 1918, sofreu profundas intervenções com a construção do cais e armazéns do porto, do casario de arquitetura francesa e das avenidas Rio Branco e Marquês de Olinda. Por conta da reforma, foram demolidos o prédio da Associação Comercial e o edifício da Praticagem da Barra (1911).
Em 1912, foi demolida a Capela da Conceição dos Canoeiros, construída em 1851. Em 1913, foi demolido o Arco da Conceição, inaugurado em 1740, e a Matriz do Corpo Santo, edificada no século XVI. Em 1914, foi demolido o prédio da Companhia Pernambucana de Navegação.
O bairro tem 110 hectares, com 44 ruas, além dos becos e avenidas, e é considerado como Zona Especial de Preservação (ZEP), contando com 328 imóveis ao longo de sua extensão.



sábado, 16 de julho de 2011

O bairro do Pina - quem te viu e quem te vê



O BAIRRO DO PINA - QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ

Clóvis Campêlo


Com uma área de 616 hectares, o Pina é um bairro do Recife que fica na zona sul da cidade, situado entre Boa Viagem e Brasília Teimosa. O local era originalmente uma ilha. Em 1645, os holandeses construíram na parte norte da ilha uma fortaleza à qual denominaram de Belo Forte, depois chamada de Forte da Barreta.

Posteriormente, o local passou a pertencer ao capitão André Gomes Pina, do qual derivou o nome do bairro. Antes da criação do primeiro sistema de tratamento sanitário do Recife, em 1915, com a colocação de um emissário marítimo no local, a praia era acessada apenas através de barcos.
Em 1920 foi construída a primeira ponte de ferro dando passagem a uma linha de bondes e ligando o Pina ao Recife.
Em 1926 foi inaugurada a Avenida Herculano Bandeira, ligando a ponte à beira-mar e facilitando definitivamente o acesso à praia.
Em 1953, foi inaugurada a Ponte Agamenon Magalhães criando mais uma via de passagem e ampliando as possibilidades de acesso ao bairro.
Em 1978, no local onde havia a antiga ponte de ferro do bonde, foi construída uma nova ponte em concreto a qual recebeu o nome de Ponte Paulo Guerra.
O bairro do Pina abriga prédios e instituições importantes como o Aeroclube de Pernambuco, transferido em 1941 para o bairro; a Estação Rádio Pina da Marinha, construída pelos americanos durante a Segunda Guerra Mundial e hoje desativada; o Teatro Barreto Júnior, onde durante décadas funcionou o Cinema Atlântico; o Convento e a Capela de São Félix, onde está sepultado o corpo de Frei Damião, e o prédio do Cassino Americano. No Pina também estão situados o Clube Banhistas do Pina, na comunidade do Bode, e a Troça Carnavalesca Tubarões do Pina e Maracatu Porto Rico do Oriente, estes na comunidade do Encanta Moça, além do Centro Esportivo do Pina, clube que já revelou grandes valores para o futebol pernambucano e brasileiro.
No final de década de 80, com a instalação de diversos bares e restaurantes, ao lado dos já existentes, surgiu o Pólo Pina, área de badalação e local de movimentos artísticos e culturais.
De acordo como Censo IBGE de 2000, o Pina possuía uma população de 27.422 habitantes.
Com a desativação da Rádio Pina, no início dos anos 80, o bairro foi descoberto pela especulação imobiliária, sendo invadido por prédios de luxo e perdendo quase que completamente a sua identidade social e cultural.
Segundo o escritor João Braga, no livro Trilhas do Recife - Guia Turístico, Histórico e Cultural, o bairro do Pina compreende as antigas ilhas de Barreto, do Cheira Dinheiro, do Nogueira e do Pontal, existindo lá um leprosário e um antigo cano emissor de dejetos que eram lançados ao mar.

Recife, 2011


sábado, 25 de junho de 2011

Governadores de Pernambuco


GOVERNADORES DE PERNAMBUCO

Clóvis Campêlo

Dos governadores de Pernambuco na República, apenas sete exerceram mandato por mais de uma vez: Sigismundo Gonçalves, Carlos de Lima Cavalcanti, Etelvino Lins, Agamenon Magalhães, Miguel Arraes de Alencar, Jarbas Vasconcelos e Eduardo Campos.
O primeiro assumiu o cargo pela primeira vez no século XIX, na condição de vice-governador.No início do século XX, retornou ao Palácio do Campo das Princesas, onde permaneceu de 1904 a 1908.
Nessa época, Carlos de Lima Cavalcanti terminava o curso secundário e, anos depois, participaria da campanha em favor da candidatura de Francisco da Rosa e Silva, representante das oligarquias açucareiras do Estado.
Apesar de ser vitorioso nas urnas, Rosa e Silva não assumiu o Governo do Estado, pois o Governo Federal, em apoio ap movimento popular iniciado no Recife - haviam denúncias de que a eleição teria sido fraudulenta -, garantiu a posse a ser adversário, Dantas Barreto.
Nas primeira décadas do século XX, Carlos de Lima Cavalcanti teve participação ativa na política, antes mesmo de ser empossado governador provisório com a Revolução de 1930.
Filiado ao Partido Republicano Democrático (PRD), Carlos de Lima apoiou o governo de Manoel Borba (1915-1919) e a campanha de José Rufino Bezerra Cavalcanti, sucessor de Borba.
Carlos de Lima participou do movimento que apoiou a tomada do poder por Getúlio Vargas, sendo recompensado com a interventoria de 1930 a 1935.
Ao iniciar seu governo constitucional em 1934, Getúlio delegou a Carlos de Lima Cavalcanti a indicação do novo titular da pasta do Trabalho. Ele indicou Agamenon Magalhães, então seu aliado.
Em 1935, Carlos de Lima foi eleito governador pela Assembléia Constituinte, cargo que exerceu até 1937, quando foi afastado do poder por Getúlio Vargas, com quem passou a ter divergências. Parte dessas divergências do governador com o poder central teve em Agamenon Magalhães um dos principais responsáveis.
Ainda em 1937 Agamenon foi nomeado interventor federal no Estado, cargo no qual permaneceu até 1945, quando veio a redemocratização do país.
Para substituí-lo, indicou Etelvino Lins. Cinco anos depois, venceu a eleição para o governo contra João Cleofas.
Considerado um dos governadores mais importantes que Pernambuco já teve, Agamenon faleceu em 1952, em pleno exercício do mandato. Etelvino Lins mais uma vez o sucedeu, como candidato apoiado pela maioria dos partidos.
Miguel Arraes de Alencar foi eleito governador de Pernambuco pela primeira vez no dia 7 de outubro de 1962. Foi deposto pelo militares no dia 1º de abril de 1964, após anunciar publicamente que não renunciaria ao cargo de governador. Preso, foi levado para a ilha de Fernando de Noronha, onde permaneceu, antes de ser exilado. No dia 15 de setembro de 1979, com a anistia, retornou ao Brasil, sendo carregado pelo povo em triunfo pelas ruas do Recife. Em 1986, foi eleito governador do Estado pela segunda vez, derrotando com larga vantagem o candidato do PFL, José Múcio Monteiro. Em 1994, retornou ao poder pela terceira vez, ganhando a eleição para Gustavo Krause, que também era do Partido da Frente Liberal (PFL).
Jarbas Vasconcelos foi eleito prefeito do Recife em 1985, pelo Partido Socialista Brasileiro, derrotando Sérgio Murilo, o candidato do PMDB. Em 1990, disputou o Governo Estado pela primeira vez, perdendo a elição para Joaquim Francisco, do PFL. Em 1992, elegeu-se novamente prefeito da cidade do Recife, catapultando a sua plataforma eleitoral para 1998, quando, com uma votação histórica, derrotou o mito Miguel Arraes de Alencar, que tentava a sua quarta eleição ao Governo do Estado. Foi reeleito governador em 2002 e senador em 2006.
Eduardo Campos, neto do ex-governador Miguel Arraes de Alencar, foi eleito governador pela primeira vez em 2006, derrotando no segundo turno do pleito ao candidato do PFL, José Mendonça Filho. Em 2010, com a maior votação proporcional obtida em todo o Brasil, conseguiu uma vitória histórica contra Jarbas Vasconcelos, derrotando-o no primeiro turno da eleição, com uma diferença superior a dois milhões de votos, devolvendo assim, em grande estilo, a derrota sofrida pelo avô em 1998.

Recife, 2011