quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Atravessando a Abbey Road


ATRAVESSANDO A ABBEY ROAD

Clóvis Campêlo

No dia 8 de agosto de 1969, os quatro beatles se encontraram na Abbey Road para fazerem as fotografias mais famosas do mundo em todos os tempos. Uma delas, terminaria por ser escolhida para a capa do disco que levou o nome da hoje famosa rua londrina.
O autor das fotografias foi o escocês Iain Macmillan, amigo de John Lennon e Yoko Ono, que precisou apenas de dez minutos para clicá-las. A fotografia que findou ilustrando a capa do disco, a quinta da sequência, foi escolhida por Paul McCartney. Iain, o fotógrafo, morreria em 8 de maio de 2006, aos 67 anos de idade, vitimado por um câncer de pulmão.
Antes de chegar aos Beatles, porém, Iain conheceu Yoko em 1966, sendo por ela convidado para fotografar sua exposição no Indica Gallery. Através de Yoko Ono, chegou a John Lennon, que o convidou para fazer as fotografias do álbum. Apesar de ser amigo do fotógrafo e tê-lo indicado para fazer as fotografias, consta que Lennon reclamava insistentemente da demora (apenas dez minutos) e queria ir para o estúdio concluir a gravação, terminando logo “essas fotografias idiotas”. Explica-se: a ideia das fotografias tinha partido de Paul McCartney e entre eles, naquela época, havia uma “briga surda” pela liderança do grupo.
Consta, inclusive, que o disco, gravado na época do LP, havia sido dividido de uma maneira que cada lado contemplasse um dos músicos. Assim, o lado A, que ia de "Come Together" a "I Want You", foi feito para agradar a Lennon. É uma coleção de faixas individuais, enquanto que o lado B (para agradar a McCartney) contém uma longa coletânea de curtas composições que seguem sem interrupção. A sequência de juntar músicas inacabadas criadas por McCartney e Lennon em um enorme pout-pourri foi ideia de Paul, constituindo-se numa espécie de ópera dentro do disco. Lennon, porém, não gostava muito disso. Queria voltar ao velho e bom rock'n'roll dos tempo de Hamburgo.
Segundo os entendidos da música pop, porém, apesar foi no álbum Abbey Road, o último gravado pelo grupo, que George Harrison se firmou como um compositor de primeira linha. Após anos vivendo sob a sombra de John Lennon e McCartney, ele finalmente emplacou dois grandes sucessos com este álbum: "Here Comes the Sun" e "Something". Ambas as canções foram regravadas incessantemente ao longo dos anos, sendo que Something chegou a ser apontada pela revista Time como "a melhor música do disco" e como a segunda música mais interpretada no mundo, atrás somente de "Yesterday", também dos Beatles.
Voltando a fotografia da capa, porém, a fotografia escolhida conteria supostas "pistas"indicando que Paul estava morto: Paul está descalço (segundo ele, aquele dia fazia muito calor, e ele não estava aguentando ficar com nada nos pés), fora de passo com os outros, está de olhos fechados, tem o cigarro na mão direita, apesar de ser canhoto, e a placa do fusca, em inglês, "beetle", estacionado é "LMW" referindo se as iniciais de "Linda McCartney Widow" ou "Linda McCartney Viúva" e abaixo o "281F", supostamente referindo-se ao fato de que McCartney teria 28 anos se (if em inglês) estivesse vivo. Um contra-argumento é que Paul tinha somente 27 anos no momento da publicação de Abbey Road, embora alguns interpretem isso como ele teria um dia 28 anos se ele estivesse vivo.) Os quatro Beatles na capa, segundo o mito do "Paul está morto", representariam o Padre (John, cabelos compridos e barba, vestido de branco), o responsável pelo funeral (Ringo, em um terno preto), o Cadáver (Paul, em um terno, mas descalço - como um corpo em um caixão), e o coveiro (George, em jeans e uma camisa de trabalho denim). Além disso há um outro carro estacionado, de cor preta, de um modelo usado para funerais e eles andam em direção a um cemitério próximo a Abbey Road. Notem também que atrás do Paul tem um carro como se estivesse passado pelo mesmo lugar que ele está. Outra suposta pista seria que na contra-capa do álbum, ao lado esquerdo da palavra Beatles, haveria 8 pontos formando o número 3 (sendo então "3 Beatles"). O homem de pé na calçada, à direita, é Paul Cole, um turista dos EUA que só se deu conta que estava sendo fotografado quando viu a capa do álbum meses depois.
Nunca, amigos, beatlemaníacos ou não, uma fotografia foi tão badalada ou inserida de interpretações como essa. Acredito que nem mesmo o velho Iain, teria tido a intenção de provocar tanta celeuma ao clicar na sua máquina fotográfica. Mas, com ela, o grupo inglês encerrava a sua revolucionária carreira na música pop.
Acho inacreditável que, 46 anos depois, isso tudo ainda cause interesse e rebuliço. Ou serei eu que não consigo enxergar nada mais além dos Beatles?

Recife, dezembro 2015

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Vida de cachorro


VIDA DE CACHORRO

Clóvis Campêlo

O meu amigo Renato Rodrigues reclama, com razão, que as ruas do bairro da Boa Viagem estão infestada de fezes de cachorro. Nem todos os cachorreiros tem a consciência de que devem limpar o cocô dos seus animais. E, como se não já bastassem os esgotos estourados, Boa Viagem é só excrementos.
Embora não crie nenhum desses bichos, todos os dias costumo passear com Romeu, o cachorro maltês de Pedro, o meu neto. Já criamos uma rotina que é por ele cumprida com muita alegria. Afinal, ninguém gosta de viver trancado o dia inteiro dentro de um apartamento.
Nesses passeios, Romeu satisfaz as suas necessidades diárias e se desestressa no contato com outros cães. É impressionante como cada vez mais as pessoas dividem a existência com esses animais, pequenos ou grandes e nem sempre dóceis. Existe hoje um verdadeiro comércio que gira em torno dessas criações. Produtos criados especificamente para o consumo dos cães, e que vão de rações, passam por biscoitos, roupas e até cervejas e refrigerantes. Também já estão no mercado planos de saúde e funerários para cães e outros animais, hospitais veterinários e lojas pet shop cada vez maiores e mais completas. Incrível e impressionante como o sistema sempre encontra novos guinchos para se expandir e lucrar.
Voltando a Romeu, porém, nem sempre esses passeios são amistosos e pacíficos. Algumas vezes, por razões que a própria razão desconhece, os animais se estranham e se agridem. Foi o que aconteceu no encontro entre Romeu e Jean Pierre, um cão da raça basset, no calçadão de Boa Viagem, que se engalfinharam numa briga feroz. Depois da rusga, a jovem senhora proprietária do cãozinho cuja raça é oriunda da França, o repreendeu com severidade. Não me pareceu, no entanto, que Jean Pierre tivesse compreendido a bronca, muito mais interessado que estava em continuar a briga com Romeu. Coisa de cachorros, imagino.
Já noutro dia, encontro com Paulo e seu cãozinho, John Lennon, esse sim, muito mais amistoso. Deram-se bem, ele e Romeu. E descubro que Paulo, assim como eu, também é beatlemaníaco. Estava com uma camiseta que fazia referência aos shows de Paul McCartney no Recife, em 2012. Como ambos fomos aos shows, conversamos sobre isso: a excelente qualidade dos músicos que acompanhavam o velho Maca naquela ocasião; o boa forma do velhinho roqueiro, após três horas de show sob o intenso calor recifense, com o qual, com certeza, ela não estaria acostumado; a sua presença de palco e a sua empatia com o público, numa demonstração evidente de que aquela é realmente é a sua praia. Descubro que Paulo mora na mesma rua em que eu moro, e percebo que aquela pode ser uma nova amizade que está se iniciando, alimentada pela paixão pelos Beatles e pelo amor aos nossos cachorros. Coisa de urbanóides, com certeza.
Em janeiro, eu e o cachorro vamos nos separar. Meu neto vai morar em João Pessoa e Romeu o acompanhará. Talvez eu venha a arrumar outro companheiro para os passeios diários. Gostaria que fosse um cão preto, talvez até um vira-latas. Vou chamá-lo de Tubarão.

Recife, dezembro 2015

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O arranha-céu da Pracinha do Diário




O ARRANHA-CÉU DA PRACINHA DO DIÁRIO

Clóvis Campêlo

Sobre a edificação, no seu blog, o falecido escritor Geraldo Pereira disse o seguinte: "Eu vi os primeiros prédios que foram levantados na cidade, impressionando os moradores todos. O Arranha-Céu da Pracinha chamou a atenção por anos a fio, até que se construiu na Aurora o Edifício Capibaribe, uma novidade para a classe média da época, bonita paisagem e acomodações confortáveis. Morava por lá o Dr. Edgar Altino, médico no Recife e figura respeitadíssima. A avenida Agamenon Magalhães foi feita sobre um mangue, rico em caranguejos, os quais ao primeiro trovão saiam das tocas. O meu avô – Bartolomeu Marques – morava na Rua Montevideu n° 77, em casa alugada, com dois quintais separados por um muro e um portão. Lá atrás havia outra entrada e eu fui várias vezes ao mangue caçar caranguejos".
Já Augusto Saboia, também no seu blog, escreveu: "O Arranha-céu da Pracinha é um exemplo de preservação em meio ao caos da linda Praça da Independência, centro nervoso do Recife, completamente degradada, suja, um descaso completo, uma pena, pois a mesma esta localizada na confluência de importantes avenidas de nossa cidade como a Guararapes e Dantas Barreto".
Aliás, na grande rede, sobre o edifício existem mais indagações do que informações. Já se falou que o prédio, que na década 60 foi "engolido" pelo Edf. Lar Brasileiro, construído ao seu lado, teria sido o primeiro com elevador feito no Recife. Não sei se a informação procede, já que outros edifícios contemporâneos a ele, como o prédio do Hotel Central, no bairro da Boa Vista, também possuem elevadores.
Enfim, transfiro as indagações minhas e alheias para quem possa ter condições de esclarece-las.

Recife, dezembro 2015