quinta-feira, 29 de março de 2012

No Recife Antigo


Fotografia de Alexandre Gondim

NO RECIFE ANTIGO

Clóvis Campêlo

Em pleno Recife Antigo,
cheio de tempo e idade,
despiu-se o poeta amigo
mostrando sua sujidade

e ainda pleno de vida,
cantava canção contida.

Desculpou-se alegre e embora
rumasse para o futuro,
esperava a toda hora

o grande salto no escuro
que se anunciava agora.

Recife, 2006


- Publicado no livro Antologia 2007 dos Poetas Independentes, Recife, Editora do Livro Rápido, 2007, página 41.

quarta-feira, 28 de março de 2012

O nosso segundo hino



Matias da Rocha

O NOSSO SEGUNDO HINO

Clóvis Campêlo

Do mesmo modo que a música “Aquarela do Brasil”, do compositor mineiro Ary Barroso, é considerada por muitos como o nosso segundo Hino Nacional, considero o frevo “Vassourinhas”, de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos, como o segundo hino do estado de Pernambuco.
Consta que a música foi composta pela dupla em janeiro de 1909 e vendida ao Clube Vassourinhas por três mil réis em novembro do ano seguinte.
A história é confirmada pelo pesquisador Evandro Rabelo em texto postado no site da Fundação Joaquim Nabuco. Afirma o pesquisador que na sede do Clube Vassourinhas foi encontrado por ele um recibo datado de 18 de novembro de 1910, no valor acima citado, assinado pelos autores da música. Do mesmo modo, ainda segundo Rabelo, no 2º Cartório de Registro Especial de Títulos e Documentos, consta outro documento, assinado por Joana Batista, em 1949, onde declara que a marcha foi composta por ela e Matias da Rocha no dia 6 de janeiro de 1909, no arrabalde de Beberibe, em um mocambo de frente a estação do Porto da Madeira.
Joana Batista Ramos faleceu em 1952, na sua casa no bairro do Zumbi, aos 74 anos de idade. Um ano antes, porém, em 1951, quando o Clube Vassourinhas foi ao Rio de Janeiro participar com êxito do carnaval carioca, ela cantou a marcha famosa devidamente orquestrada.
Sendo uma das músicas mais gravadas e executadas em toda a história da música popular pernambucana, “Vassourinhas”, no entanto, é questionada por alguns estudiosos do assunto, no que tange à simplicidade da sua estrutura melódica, já que o frevo-de-rua exige virtuosismo e um amplo conhecimento musical por parte dos seus compositores.
Entretanto, em 1956, ao lado da Orquestra Mocambo, regida pelo maestro Nélson Ferreira, Félix Lins de Albuquerque, mais conhecido como Felinho, com seu clarinete, introduziu variações tão brilhantes na música que praticamente a recriou, tornando-se por isso reconhecido e admirado.
Assim como Nélson Ferreira, Felinho nasceu na cidade de Bonito, no agreste pernambucano, no dia 14 de dezembro de 1895, e faleceu no Recife, em 9 de janeiro de 1980, deixando uma vasta obra musical.
No que tange a Matias da Rocha pouco se sabe sobre a sua biografia, além de que tenha sido um dos fundadores do Clube Vassourinhas, em 1889. Segundo o texto de Evandro Rabelo supra citado, era elegante, negro, afilado, maestro, tocador de violão, primo de Joana Batista Ramos e autor de outras músicas que não tiveram a felicidade de serem perpetuadas. Ambos eram alfabetizados, já que assinaram o recibo de venda do frevo famoso.

Recife, 2011


terça-feira, 27 de março de 2012

Nem Freud explica



NEM FREUD EXPLICA

Clóvis Campêlo

Estranha explicação arranjou a revista Veja, na sua edição do dia 26 de outubro próximo passado, para o fenômeno de público apresentado pelo Santa Cruz na Série D do Campeonato Brasileiro deste ano.
Só para se ter uma ideia, até aquela data, a Série A tinha uma média de público de 13.219 pessoas, enquanto na Série B essa média baixava para 5.610. Na Série D, onde a torcida coral desfilava a sua paixão pelo clube, a média era de 2.286 espectadores por jogo. Muito acima disso, o clube pernambucano ostentava uma média de 38.836 apaixonados torcedores, catorze vezes acima da média da sua série. Um fenômeno que passou a merecer uma atenção especial não só da imprensa esportiva brasileira como da imprensa esportiva mundial. Incompreensível para a revista, portanto, que um clube como o Santinha, perdido nos “grotões” do Nordeste pudesse ter mais público em seus jogos do que o Cotinthias, em São Paulo, ou o Flamengo, no Rio de Janeiro.
Segundo a revista, é sociologuês barato querem atribuir às origens populares do clube a paixão exacerbada da sua torcida, já que hoje existem em suas fileiras torcedores de todas as camadas sociais. Segundo ela, é preferível beber da sociologia em busca de uma melhor explicação para o fenômeno. Valeu-se, para isso, das explicações do psicólogo mineiro Jacques Akerman, um estudioso do comportamento de torcidas de futebol. Segundo o psicólogo mineiro, uai, trata-se de um caso claro de masoquismo, que, afirma, tanto do ponto de vista individual como coletivo, seria uma forma de prazer. Afirma ainda, na sua condição de discípulo de Freud, que o apego da torcida a um clube, mesmo em seus piores momentos, encaixa-se na categoria psicológica do pertencismo, ostentando o discreto charme do eterno derrotado benquisto.
Considerando que de 2005 a 2010, o Santa Cruz só fez despencar no cenário desportivo brasileiro, a matéria faz até um paralelo entre a torcida coral e a torcida do Corinthias, que durante 23 anos, de 1954 a 1977, não viu o clube conquistar um título importante e se autodenominava sofredora.
Pertencismo ou não, masoquismo ou não, a teoria não chegou a abalar a paixão de Renato Boca-de-Caçapa, cachaceiro, filósofo e torcedor convicto da Cobra Coral. Ao tomar conhecimento da insólita teoria, em plena segunda-feira, na orla de Brasília Teimosa, entre um gole e outro daquela loura suada que desce suave e redonda, argumentou com desdém: “Pergunta a esse psicólogo de merda por que é que o Íbis, o pior time do mundo, e que até hoje não ganhou nem um campeonato de porrinha, não tem uma grande torcida. Ele e Freud que me desculpem, mas se essa teoria estivesse correta, o Mais Querido e o Clube das Multidões seria o Pássaro Preto de Santo Amaro, o clube da TSAP, e não o Santinha. Manda ele se lascar que eu vou é tomar mais uma”.

Recife, novembro de 2011


segunda-feira, 26 de março de 2012

Na onda do marketing



NA ONDA DO MARKETING

Clóvis Campêlo

O meu amigo Renato Boca-de-Caçapa, o filósofo do povo, sempre tem razão. E tudo indica que ele acertou mais uma vez. Falo dessa pendenga entre os irmãos “sertanejos” Zéze de Camargo e Luciano. Desde o início que o ilustre pensador movido à álcool afirmou com convicção de que essa briga nada mais era do que uma estratégia de marketing. Deu certo. Em menos de uma semana, a dupla se fez presente em todos os “grandes” programas da televisão brasileira. E o que é melhor: publicidade de graça. Ninguém merece.
Nos meus devaneios dominicais diante da máquina de fazer doido, terminei voltando no tempo e lembrando da falsa notícia inventada pelo falecido Carlos Imperial, no final dos anos 60, sobre Luiz Gonzaga. O velho Lua andava por baixo na mídia, ofuscado pela novidade das guitarras da Jovem Guarda, e para colocá-lo novamente em evidência, Imperial lançou a notícia de os Beatles iriam gravar a música Asa Branca. Na época, os Fab Four haviam acabado de lançar o álbum Abbey Road e a notícia estourou como uma bomba na imprensa nacional. Só na revista Veja, foi feita uma matéria de quatro páginas falando sobre o assunto e abordando a carreira musical de Luiz Gonzaga, a sensibilidade dos Beatles, a fusão da música pop com o baião, etc. A invenção rendeu bons dividendos ao Rei do Baião que durante algumas semanas ocupou um espaço privilegiado na mídia.
Os próprios Beatles, aliás, eram mestres na arte de divulgar os seus trabalhos assim. Na capa do disco Abbey Road, acima citado, aparecem os quatro músicos atravessando a rua, com Paul McCartney de terno e descalço (na Inglaterra, os mortos são enterrados assim) e com um fusca, ao fundo, onde se lia a placa IF 28. Ou seja, uma alusão à suposta morte de Paul, que, se estivesse vivo estaria com a idade de 28 anos. Uma estratégia inteligente e uma história que hoje todo mundo conhece.
No disco Sargent Peppers, os meninos de Liverpool aparecem com roupas psicodélicas coloridas e flores nas mãos, participando do enterro dos “velhos” Beatles de terninhos comportados e cabelos bem cortados, ao lado de grandes figuras do cinema, das artes e dos esportes, admiradas pelos quatro. Nem é preciso dizer que o disco traz o renascimento musical do grupo, com a consolidação de novas propostas já esboçadas em discos anteriores. Mais uma jogada publicitária de de mestres.
Mas, infelizmente, Zezé de Camargo e Luciano não são os Beatles e não trazem, muito menos, na sua bagagem musical, a perspectiva de uma mudança significativa. O fato novo se esgotará em si mesmo, até que seja necessária uma nova jogada de marketing em busca da atenção da mídia e da emotividade do seu público consumidor. Ideias curtas, música pobre e ruim.
Será que nós merecemos isso?

Recife, novembro 2011


domingo, 25 de março de 2012

Arraes em dois tempos



Fotografia de Clóvis Campêlo/1994


Fotografia de Clóvis Campêlo/1998

ARRAES EM DOIS TEMPOS

Clóvis Campêlo

Quatro anos separam as duas fotografias acima.
A primeira foi feita em 1994, no Pátio do Carmo, quando do comício de encerramento da campanha de Miguel Arraes para o Governo do Estado. Pela legenda do Partido Socialista Brasileiro, Arraes se elegeria governador com 1.262.417 votos, derrotando Gustavo Krause, do PFL, que teve 759.786 votos. Arraes, que parecia imbatível, tornava-se governador de Pernambuco pela terceira vez.
Os senadores eleitos foram Carlos Wilson, então no PSDB, e Roberto Freire, do PPS. O primeiro renunciaria ao mandato em janeiro de 2003, para assumir a presidência da Infraero. O segundo, foi candidato a vice-presidente da República, em 1998, na chapa de Ciro Gomes.
A segundo fotografia foi feita na Ponte Princesa Isabel, em 1998, quando Arraes tentava se eleger governador do Estado pela quarta vez. Desgastado pela escândalo dos precatórios, teve apenas 744.280 votos, sofrendo uma fragorosa derrota para Jarbas Vasconcelos, que teve a votação expressiva de 1.809.792 votos. Com a sua campanha vitoriosa, Jarbas Vasconcelos arrastou José Jorge, do PFL, para o Senado. Tudo indicava que o mito Arraes chegava ao fim.
Consta também que Jarbas e seus novos aliados da direita haviam estabelecido um pacto para governar o Estado de Pernambuco e o Recife por no mínimo 20 anos. Vale lembrar que em 1996 Roberto Magalhães havia vencido as eleições municipais para a Prefeitura do Recife, criando as condições adequadas para a ascensão de Jarbas e a queda de Arraes.
No entanto, a vitória surpreendente de João Paulo de Lima e Silva, em 2000, derrotando Magalhães que buscava a reeleição e estabelecendo pela primeira vez um governo petista no Recife, mostrou que esse projeto tinha fôlego curto e trouxe de volta ao cenário político as propostas da esquerda pernambucana, que, desde então, mantem-se no poder tanto no âmbito estadual quanto municipal.
Lembro que após a vitória de João Paulo aqui no Recife, no segundo turno das eleições municipais de 2000, quando todos os seus eleitores se reuniram na praça do Marco Zero para comemorar o feito, entre as bandeiras vermelhas do PT e do PCdoB, tremulava a bandeira azul da campanha de Arraes, em 1998. No meio do povo do Recife, no meio da poeira levantada pela vitória que ninguém de sã consciência esperava no início da campanha, o mito e a esperança estavam de volta.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Imaginação


Desenho de Gil Vicente
-
IMAGINAÇÃO

Clóvis Campêlo

Numa atitude de coragem,
atirei no presidente
(na vitrola, Bob Marley
atirava no xerife).

Neste sangrento cenário,
entre heróis e patifes,
as balas do imaginário
alimentavam meu rifle.

-
Como você mesmo sabe,
não sou malandro malvado
e, como Kid Morengueira,
hoje estou regenerado.

Porém, se a autoridade
declina do seu papel
de acabar com a impunidade
mando-lhe pro beleléu.
-

E não tenho piedade
dessa gente sem moral
pois o povo brasileiro
merece um grande final.
-

Acordei sobressaltado,
findando a revolução
pois o combate travado
fora na imaginação.


Recife, 1995


segunda-feira, 19 de março de 2012

Esculturas francesas


Fotografia de Clóvis Campêlo/2008

ESCULTURAS FRANCESAS

Clóvis Campêlo

O Recife é a segunda cidade brasileira com maior número de esculturas de ferro trazidas da França. A primeira cidade do Brasil com maior número de peças de ferro francesas é o Rio de Janeiro.
Entre as peças recifenses identificadas como tal constam dois jarrõesna Praça do Derby, As quatro esculturas da Ponte Maurício de Nassau, o leão do Sport Clube do Recife, nove divindades da Praça da República, quatro luminárias e e duas outras peças próximas ao Teatro de Santa Isabel, o Cristo da Capela do Cemitério de Santo Amaro, duas peças no Colégio Municipal Pedro Augusto e sete esculturas localizadas no Museu do Estado.
Além destas, existem ainda peças localizadas em jardins particulares, residências engenhos.
O Museu do Estado de Pernambuco possui uma cópia do catálogo de peças criadas pela Societé Anonyme des Hautes-Fourneaux & Fonderies du Val-D'Osne, no qual constam as esculturas trazidas da França para o Brasil. O livro original, de 1720, foi adquirido pela Associação Francesa Para Preservação do Patrimônio Metalúrgico (ASPM) em um leilão realizado em Paris. O livro traz o nome dos escultores e das peças.
O Val-D'Osne é uma região do Nordeste da França, rica em fundições, onde o Brasil comprava as esculturas.

Recife, 2008


sábado, 17 de março de 2012

Todos os blues



TODOS OS BLUES

Clóvis Campêlo

Confesso que já descobri o blues eletrificado e entrando na maioridade, no final dos anos 60. E o primeiro bluseiro que me chamou a atenção e atingiu os meus ouvidos foi o albino Johnny Winter, o sivuca do blues. Gostava daquela guitarra lisérgica, com solos nervosos e ácidos, muito barulho. Aliás, em uma das suas frases mais marcantes ele diz exatamente isso, que todo blues deve ser sujo e barulhento. Ou seja, uma música de contestação cultural e comercial. Nada de concessões. Hoje, setentão e quase cego, Johnny ainda faz a cabeça de muita gente pelo mundo a fora, muito embora a sua música e o estilo de tocar tenha se tornado menos agressivo e mais melódico. Talvez a maturidade já esteja chegando para ele.
Depois, surgiu na minha frente um furacão chamado Jimi Hendrix. Se Winter era avassalador, Hendrix era (e ainda é) completamente revolucionário, levando o ouvinte a refazer todo o seu entendimento do que era o roque, o blues, o modo de se tocar uma guitarra elétrica. Seduzido por ele, eu sempre quis mais. Com Hendrix, não havia pedras no caminhos. Tocando, arriscava-se sempre em saltos mortais para cair sempre de pé, no local certo, na hora certa. Uma porrada nos nossos ouvidos numa hora em que o rock ameçava se institucionalizar.
Lembro que nos anos 80 fiz o “sacrifício” de levar o meu filho mais novo, Gabriel, na época ainda criança, ao Cinema São Luiz, no centro do Recife, para assistir ao filme He-Man. Gostei do filme e pirei mais ainda na sequência em que o herói enfrenta o Esqueleto numa loja de discos ao som de Purple Haze, de Hendrix. Inesquecível.
Depois descobri Muddy Waters, Howlin Wolf e o blues de Chicago. Um som intermediário e de transição entre os bluseiros mais antigos e tradicionais.
Daí para Robert Johnson foi um pulo, ajudado pela versão fantástica que os Rolling Stones deram a sua música Love it Vain, no disco Sticky Fingers. O som de Johnson já define o blues de três acordes que marcaria as gerações posteriores de bluseiros urbanos americanos e ingleses.
O mergulho final nesse processo de resgate e de conhecimento do blues mais antigo e tradicional veio com a ajuda dos amigos Osman Frazão e Bartolomeu Lima, com os quais, durante alguns meses, apresentei na Rádio Universitária AM do Recife o programa Boa Noite Blues.
Lá, nas noites das sextas-feiras, colocávamos no ar o som de bluseiros ancestrais, como Charley Patton, com o seu som monocórdio e retilíneo, que em muitos momentos nos lembravam os sons dos violeiros que circulam pelas feiras livres do sertão nordestino.
O blues mudou, modernizou-se e conquistou uma nova clientela, inclusive entre os jovens da ascendente classe média brasileira, com novas bandas, como o Blues Etílico e a Uptown Blues Band, que se arriscam a fazer fusões musicais inusitadas e belas.

Recife, outubro/2011


quarta-feira, 14 de março de 2012

Os erros do meu português ruim



OS ERROS DO MEU PORTUGUÊS RUIM

Clóvis Campêlo

Já se disse que a mão que afaga é a mesma que apedreja.
E é a verdade mais verdadeira.
Não pensem, porém, que haja alguma contradição nisso.
É tudo uma questão de crença.
Apenas.
Sorrimos e beijamos quando nos identificamos com o outro e tentamos destruí-lo quando achamos que as suas idéias e ideais podem ameaçar a nossa síntese ideológica, arduamente construída e mantida, sabe lá Deus, com quantas contradições e dissimulações.
Mas, graças ao Todo Poderoso, somos humanos e isso faz parte do contexto dos humanos.
Já pensou como seria chato sermos um poço de coerências e certezas cartesianas?
Eu mesmo não me suportaria!
E muito menos suportaria o outro.
Esse jogo enganatório faz parte do relacionamento humano.
Poetas, ou não, somos fingidores.
Só assim o mundo torna-se suportável.
E brincamos de esconder dos outros as nossas imperfeições do mesmo modo que procuramos descobrir neles os pontos fracos e meter o dedo nas feridas.
Fazer sangrar!
Isso diminui a nossa sensação de impotência e nos torna maiores, gigantes perante nós mesmos.
O sofrimento alheio nos redime, nos faz crescer.
Tudo isso porque somos humanos e filhos de Deus.
Tudo ao mesmo tempo agora!
Realmente, a vida é bela.
Como é belo o sonho, as utopias, as possibilidades do que não se realizou (ainda!).
É isso o que nos alimenta, o que sacia a nossa fome de novidades.
É esse o unguento preferido para as nossas próprias feridas.
É assim, tomando os outros como medida, que nos sentimos nós mesmos, que temos a dimensão da nossa grandeza e da nossa pequenez.
A vida é bela por que é ilusória e transitória.
O tempo é quem nos trai, reduz, elimina.
E quanto a isso não há o que se fazer!

Recife, 2008


- Publicado no livro Antologia 2010 dos Poetas Independentes. Recife, Edição dos Autores, 2010, páginas 47/48.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Engenho e arte



ENGENHO E ARTE


Clóvis Campêlo

Quero morrer no fim da vida
qual chama suave que se apaga
ao sopro de uma brisa vaga,
final transmutação contida.

Qual brasa que afinal esfria,
viga que cede sem açoite,
naturalmente como a noite
substitui a luz do dia.

Naturalmente como a água,
que sempre nos mares deságua,
em vapor para o alto parte,

quero morrer no fim da vida.
E pra ser breve a despedida
me dê a vida engenho e arte.

Recife, 1991


sábado, 10 de março de 2012

O Palácio da Boa Vista


Pintura de Eduardo Camões / Instituto Ricardo Brennand
-
O PALÁCIO DA BOA VISTA

Clóvis Campêlo

O Palácio da Boa Vista (Schoonzit, em holandês) foi construído por Maurício de Nassau, em 1643, no Recife, e era destinado ao seu repouso e lazer. Ficava situado às magens do rio Capibaribe, na Ilha de Antônio de Vaz, atual bairro de Santo Antônio, no local onde hoje se encontra o Convento do Carmo. O nome Boa Vista foi colocado por Nassau devido à bela paisagem que podia ser contemplada de qualquer ponto do palácio.
Voltado para o poente, o edifício possuía características da arquitetura portuguesa, com linhas horizontais predominantes, telhados baixos de quatro águas e pequenas janelas quadradas. A influência holandesa se fazia notar nos quatro bastiões com telhados afunilados e na flecha do torreão com bandeira.
No centro do edifício, na parte de trás, erguia-se outro prédio, também quadrado, com dois pavimentos e três janelas em cada um deles. Entre as janelas, havia a inscrição "Ano 1643" ao lado do escudo com as armas holandesas.
Diante do portão, foi construída a segunda ponte da Cidade Maurícia, a primitiva ponte da Boa Vista.
Após a expulsão dos holandeses, em 1654, a Câmara do Senado de Olinda doou o edifício aos religiosos carmelitas, que ali fundaram um hospício com uma capela e posteriormente fundaram o seu convento.


Recife, 2012


quinta-feira, 8 de março de 2012

Da mulher a luta fica!


Fotografia de Clóvis Campêlo/1994

DA MULHER A LUTA FICA!

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher

Clóvis Campêlo

Da mulher a luta fica,
fica o exemplo e a história,
ficam momentos de glória
e tudo o que se predica.

A coragem e a beleza,
fica o instinto materno
que faz o Homem eterno
diante da Natureza.

Da mulher fica a ternura,
a eterna perseverança
que mantém a esperança
acesa na criatura.

Fica a firmeza do olhar
na clareza do seu tino,
a certeza do destino,
do caminho a caminhar.

Da mulher fica o segredo,
a face oculta da lua,
e em torno dela flutua
o homem com seu enredo.

Recife, 2007


quarta-feira, 7 de março de 2012

Na feira com Proust


NA FEIRA COM PROUST

Clóvis Campêlo

Não existe nada mais nordestino do que o verde da cana-de-açúcar ilustrando e adoçando os campos da zona da mata pernambucana. Essa visão sempre me invadiu as retinas desde a mais tenra idade. Como já disse o poeta, parafraseando os quatro cavaleiros do após calipso, “sugar fields forever”!
A monocultura da cana, aliás, alimentou toda uma cultura literária baseada na sua organização produtiva, social e econômica. Somos o povo do açúcar, com tudo de bom e de ruim que isso possa ter nos trazido. Da casa grande à senzala, passando pela mansão de Apipucos e pelas delícias do famosíssimo licor de pitanga. Saravá!
Lembro com carinho do meu avô paterno, seu Zeca, de manhã bem cedo, comendo o seu ovo frito com açúcar. Lembro também da minha mãe, dona Teresa, que gostava de comer carne guizada desfiada com açúcar. Lembro dos bolos de rolo das tias, do bolo formigado de dona Carmelita, a minha avó materna. Lembro até do falecido senador e governador biônico de Pernambuco Nilo Coelho, no qual nunca votei, gordo e bonachão, já diabético, no fim da vida, desfiando as orientações médicas e se deliciando com o sorvete de manga da Fri-sabor, sorveteria quase cinquentenária e tradicional do Recife. Enfim, cresci desejando e comendo açúcar como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Equivocadamente, ou não, a felicidade sempre me pareceu branca e doce como o açúcar.
Para mim, portanto, tornou-se uma tradição, sempre que possível, nas manhãs alegres e iluminadas dos sábados, ir à feira do Cordeiro, bairro situado na zona oeste do Recife, onde moro há mais de vinte anos, e tomar um caldo de cana com limão e bolo bacia. Verdadeiro maná dos céus. Ir ao Mercado de São José e não tomar um caldo de cana com bolo bacia? Nem pensar! Visitar a Feira de Caruaru e não degustar a delícia divina? Nunca!
Mas, o que teria o tão distante Marcel Proust a ver com tudo isso?
Nem eu mesmo saberia responder, caros amigos, se não me tivesse chegado às mãos, através do poeta José Rodrigues Correia Filho, uma edição antiga e bem editada da infelicidade proustiana contada no livro “Em busca do tempo perdido”.
As famosas “madeleines”, bolo pequeno e tradicional da região de Lorraine, no nordeste da França, apreciadas com devoção pelo pequeno e angustiado personagem proustiano, nada mais são do que os apetitosos bolinhos bacia que devoro com caldo de cana, nas feiras do Recife, com satisfação, nos dias iluminados de sábado.
Nesses dias, Proust sempre esteve comigo e nem eu mesmo sabia.
Saravá!


Recife, 2010

- Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018

terça-feira, 6 de março de 2012

O anjo que morava em mim



O ANJO QUE MORAVA EM MIM

Clóvis Campêlo

O anjo que morava em mim
despediu-se e foi embora,
pois tudo tem sua hora
e tudo tem o seu fim.

Ainda o vi vacilante
dobrando a primeira esquina,
montado por sobre a crina
do cavalo rocinante.

Levantava altaneira
a espada da justiça,
a qual cortava linguiça
nos dias que ia à feira.

O anjo que morava em mim,
com toda a sua utopia,
foi tristeza e alegria,
histórias de folhetim.

Fez revoluções inúteis,
construiu muitas quimeras,
transformou gato em panteras;
em verdades, coisas fúteis.

Deixou-me aliviado
de tanta melancolia
pois só esperava o dia
de curtir os meus pecados.

Recife, 2010


segunda-feira, 5 de março de 2012

A cidade do Recife



A cidade do Recife, nos anos 30, fotografada do Graf Zeppelin, e nos dias de hoje

A CIDADE DO RECIFE

Clóvis Campêlo

Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, no seu artigo Do Arrecife dos Navios à Capital de Pernambuco, em 1532, no Diário de Pero Lopes de Souza, uma minúscula povoação de mareantes e pescadores que viviam em torno da ermida de São Frei Pedro Gonçalves, por eles chamada de Copro Santo, já era citada como a Barra do Arrecife.
A carta foral de Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, datada de 12 de março de 1537, a menciona como a Ribeira do Mar dos Arrecifes dos Navios.
Em 14 de fevereiro de 1630, utilizando a maior esquadra que até então cruzara a linha do Equador, formada por 65 embarcações e 7.280 homens, ainda segundo as palavras do historiador pernambucano, os holandeses invadiram a capitania e nela permaneceram até janeiro de 1654.
O Recife já era então o porto de maior movimentação da América Portuguesa, escoando a riqueza da Capitania de Pernambuco, na época a mais promissora, inclusive o açúcar produzido por 121 engenhos.
Durante os 24 anos da dominação holandesa, o Recife deixou de ser a povoação acanhada do século XVI, passando a ser a capital do Brasil Holandês. Durante o governo do conde João Maurício de Nassau (1637-1644) foi tão grande o seu crescimento que chegou a suplantar a cidade de Olinda, então sede da capitania.
Durante o governo de Sebastião de Castro Caldas (1707-1710), através da carta régia de 19 de novembro de 1709, o Recife foi elevado à categoria de Vila, como o nome de Santo Antônio do Recife. No Largo do Corpo Santo, onde hoje fica o chamado Recife Antigo, foi erguido um pelourinho, símbolo do poder municipal, sendo escolhidos os primeiros vereadores da sua Câmara.
O Recife foi elevado à categoria de cidade pela Carta Imperial de 5 de dezembro de 1823. Em 15 de fevereiro de 1827, através de Resolução do Conselho Geral da Província passou a ser a capital de Pernambuco. Até então, a cidade era restrita aos atuais bairros do Recife Antigo, Santo Antônio e São José.
Ainda segundo Leonardo Dantas Silva, no artigo supra citado, ao longo do tempo, a cidade anexou ao seu território os bairros da Boa Vista, dos Afogados e do Poço da Panela, desmembrados de Olinda, as freguesias da Várzea e do Jaboatão e parte de São Lourenço da Mata.
O município do Recife possui hoje uma área de cerca de 221 km quadrados, estando localizada numa planície aluvional formada pelos rios Capibaribe, Beberibe, Jiquiá e Jaboatão. O seu centro urbano, cortado pelos rios Beberibe e Capibaribe, é constituído pelas ilhas do Recife Antigo, Santo Antônio e Boa Vista.
Segundo a Prefeitura da Cidade do Recife, na sua página na internet, a planície aluvional corresponde a 23,26% do território da cidade, sendo, entretanto, a sua maior parte composta pelos morros que a circundam (67,43%), sendo complementada por rios e alagados (9,31%).
A cidade tem ainda 8,6 quilômetros de litoral, formado pelas praias de Boa Viagem, do Pina e de Brasília Teimosa.
A cidade limita-se ao norte com Olinda e Paulista, ao sul com Jaboatão dos Guararapes, a oeste com São Lourenço da Mata e Camaragibe, e ao leste como Oceano Atlântico.

Recife, 2008


domingo, 4 de março de 2012

O CD homenagem



O CD HOMENAGEM


Clóvis Campêlo

No futebol pernambucano, não existe nenhum clube mais cantado e amado por artistas e compositores do que o Santa Cruz. De Capiba ao Maestro Forró, passando por Getúlio Cavalcanti, Irmãos Valença, Sebastião Rosendo, Walmir Chagas, Nando Cordel, Edy Carlos, Canibal, Bubuska Valença, Nélson Ferreira e muitos outros.
E esse amor e admiração sempre serviu como inspiração para o surgimento de muitas canções, hinos e declarações de amor musicadas.
Com Bráulio de Castro não foi diferente. O disco acima, o segundo lançado com músicas suas feitas em homenagem ao clube que ama, foi lançado no Recife neste mês de outubro e pode ser adquirido na sede do Santa Cruz, no bairro do Arruda, ou com o próprio Bráulio através do telefone (81) 30624626 ou do e-mail brauliodecastro@yahoo.com.br.
O CD tem 14 músicas, todas de autoria de Bráulio com vários parceiros, com exceção apenas da música "O papa taças", composta pelos Irmãos Valença.
Concebido e produzido por Bráulio de Castro, com direção musical e artística de Walmir Chagas, produção executiva de Ivan Júnior e Carlos Simeão, o disco foi produzido sob encomenda da Confraria Bacia D'Água e tem as seguintes músicas, entre cocos, frevos e sambas:

01 - SORRINDO A TOA (Bráulio de Castro), cantada por Bubuska Valença;
02 - BANDEIRA DO SANTA CRUZ (Bráulio de Castro - Paulo Elias), cantada por Walmir Chagas;
03 - NASCI SANTA CRUZ (Bráulio de Castro), cantada por Bubuska Valença;
04 - HISTÓRIA DE UM SUPER CAMPEÃO (Bráulio de Castro), cantada por Walmir Chagas;
05 - COBRINHA SAPECA (Bráulio de Castro), cantada pelo próprio Bráulio de Castro;
06 - É LÁ E LÔ (Bráulio de Castro), cantada por Walmir Chagas;
07 - O VENENO DA COBRA CORAL (Bráulio de Castro), cantada por Bráulio de Castro;
08 - BACALHAU DE GARANHUNS (Bráulio de Castro), cantada por Bráulio de Castro;
09 - O PAPA TAÇAS (Irmãos Valença), cantada por Edy Carlos;
10 - MESTRE TARÁ (Bráulio de Castro), cantada por Bráulio de Castro;
11 - A MINHA COBRA (Bráulio de Castro - Chiló), cantada por Walmir Chagas;
12 - VENEZA BRASILEIRA (Bráulio de Castro - J. Costa), cantada por Chico Nunes;
13 - A COBRA VAI FUMAR (Bráulio de Castro - Edy Carlos), cantada por Edy Carlos;
14 - PAPAI TRICOLOR (Fátima de Castro), cantada por Fátima de Castro.

É preciso que se atente que poucos compositores na história da música popular brasileira criaram tantas composições para um mesmo clube.
O disco ainda homenageia Bacalhau de Garanhuns, o maior torcedor do mundo, com uma música e com a fotografia da capa.
Imperdível!

Recife, outubro de 2011


sábado, 3 de março de 2012

De Bom Jardim a Olinda, com o Santinha no coração



Fotografias de Cida Machado/2011

DE BOM JARDIM A OLINDA, COM O SANTINHA NO CORAÇÃO

Clóvis Campêlo

Confesso que até algum tempo atrás era completamente ignorante em relação a Bráulio de Castro e suas músicas. Quem primeiro me chamou a atenção sobre ele foi Júlio Vila Nova. Depois, no CD “Dez Carnavais”, do Bloco Lírico Cordas e Retalhos, do qual Júlio é o presidente, descubro a música “O mais querido”, uma parceria dele com Fátima de Castro, sua mulher e prima legítima, e também compositora, cantora e instrumentista. É mole?
Mais adiante, nos contatos por mim mantidos para a produção do programa “Trem das Onze”, na Rádio Universitária AM do Recife, Walmir Chagas, o Velho Mangaba, presenteia-me com dois CDs seus, onde constam outras músicas compostas por Bráulio, entre elas o maracatu “Pátio do Terço” e o frevo-canção “Pernambucaneando”, pelas quais me apaixonei. A partir dali, ficou patente para mim todo o talento de Bráulio de Castro.
O melhor, porém, ainda estava por vir. Descubro que, assim como eu, Bráulio também é torcedor do Santa Cruz. Passamos a trocar figurinhas pela internet. Eu, enviando-lhe as matérias postadas no blog “Santa Cruz, a história e a glória”, e ele, comentando o material recebido. Depois de intenso vai-e-vem, proponho-lhe uma entrevista sobre o Santinha. Ele sugere que deixemos a entrevista para depois do jogo com o Treze de Campina Grande, no dia 16 de outubro, quando já teríamos definida a situação do Santa Cruz na Série D do Campeonato Brasileiro. O Santa se classifica para as semifinais da competição, nossos corações se acalmam e marcamos o encontro para o dia 22.
No dia marcado, às 10 horas, conforme o combinado, acompanhado de Cida Machado, chego na sua casa, numa rua aprazível do bairro de Casa Caiada, em Olinda, onde somos recebidos por ele e Fátima.
Para um entrevistador, não existe nada melhor do que um entrevistado falastrão. Descubro que Bráulio é assim. Puxa uma história atrás da outra – e olhe que são muitas! Nem mesmo precisei me utilizar das perguntas que tinha elaborado anteriormente.
Bráulio de Castro nasceu na cidade pernambucana de Bom Jardim, em 1942. Ainda menino, teve um sério problema de saúde que foi curado pelo leite de Francisca do Pezão, pedinte da cidade que lhe serviu de ama-de-leite.
Em 1949, veio para o Recife, acompanhando o avô paterno Ademário Gomes de Castro, indo morar no Largo São Luís, no bairro de Casa Amarela, naquele tempo já com uma grande população. Acostumado à tranqüilidade do interior, seu avô não se habituou com a agitação do lugar e, no ano seguinte, mudou-se para a Rua Ambrósio Machado, no bairro da Iputinga, bairro mais tranqüilo e onde havia muitos torcedores do Santa Cruz. Ilude-se, porém, quem pensa que a sua paixão pelo clube das três cores nasceu ali. Oriundo de uma família tricolor, ele já veio de Bom Jardim com a cabeça feita. Diz que, na verdade, curtiu duas infâncias felizes: no Recife, na casa do avô, tomando banho no rio Capibaribe, e nas férias, em Bom Jardim, onde tomava banho no rio Tracunhaém.
Em 1957, lembra da campanha feita pelo Santa Cruz para a contratação de Aldemar. O povo ia de bonde para a sede do clube, no bairro do Arruda, onde, aos pés de uma bandeira tricolor, depositava a sua contribuição para a contratação do craque. O Santinha formou uma grande equipe e foi supercampeão pernambucano de futebol, naquele ano.
Em 1964, homem feito, Bráulio ocupava o cargo de fiscal do Instituto Brasileiro do Café, quando, em abril, instala-se no País a ditadura militar. Dois meses depois, por conta da sua participação no movimento estudantil, é cassado do cargo que ocupava no IBC. Sem muitas oportunidades de trabalho no Recife, cinco anos depois, em 1969, resolve transferir-se para São Paulo. Chega à Terra da Garoa na mesma época da edição do famigerado Ato Institucional nº 5. Era um tempo difícil, de incertezas e de medos.
Mesmo assim, morou 22 anos em São Paulo, só retornando ao Recife no início dos anos 90.
Confessa que chegou na Paulicéia disposto a torcer pelo time do São Paulo, por conta da identificação com as cores do Santa Cruz. Mas logo se apaixonou pelo Corínthias e seu povão. Não teve mais jeito: tornou-se corintiano.
Em São Paulo conviveu com grandes nomes da MPB, como Lupicínio Rodrigues e Adoniran Barbosa, do qual, inclusive, chegou a ser parceiro, dedicando-lhe três composições, duas feitas quando o compositor já era falecido. Vários outros nomes da música popular brasileira também gravaram as suas músicas, como Francisco Petrônio, que gravou a sua composição “Borracha do Tempo”, único samba incluído no seleto repertório do cantor.
Hoje, tranquilamente instalado em Olinda, Bráulio continua compondo e torcendo pelo Santa Cruz. Por conta da hipertensão e com medo da violência das torcidas, dificilmente vai à campo. A sua paixão pelo clube coral, porém, não arrefece. Lançou há poucos dias um CD com quatorze composições, entre frevos, sambas e maracatus, interpretadas por ele mesmo, Fátima de Castro, Bubuska Valença, Walmir Chagas, Chico Nunes e Edy Carlos, dedicadas ao Mais Querido de Pernambuco e em comemoração à conquista do campeonato estadual deste ano. No disco ainda homenageia a Bacalhau de Garanhuns, a quem chama de maior torcedor do mundo.

Recife, outubro de 2011


sexta-feira, 2 de março de 2012

Visões e simulacros



VISÕES E SIMULACROS

Clóvis Campêlo

Desde menino eu sei que os cães enxergam em preto e branco. Isso sempre me deixou precupado e temente de que, em uma outra encarnação, voltasse à Terra como cachorro, sem enxergar as cores do mundo, as matizes cromáticas que fazem a felicidade da propaganda consumista e a alegria e a ilusão do homem moderno. Eu mesmo não saberia viver sem isso. Seria humanamente impossível. Se com tantas cores o mundo ainda pode nos decepcionar, imagine em branco e preto...
Afinal, nós, humanos, como São Tomé, imaginamos que o mundo seja apenas aquilo que vemos, muito embora, hoje, já se saiba que a percepção visual do mundo, a cosmovisão, varia de espécie para espécie animal. O mundo é muito mais mais do que enxerga a nossa visão limitada e do que imagina a nossa vã filosofia racionalista.
Assim, os pássaros noturnos tem nas suas células visuais uma pigmentação diferenciada e terminais nervosos que os permitem enxergar o que nós, humanos, não podemos ver à noite. Para quem precisa da caça para sobreviver, isso é imprescindível.
Para quem não tem essa capacidade noturna, como o bicho homem, restou o consolo de descobrir o fogo, queimar óleo de baleia nos lampiões das cidades de ontem e inventar a luz elétrica. Clarear a noite, tornou-se imprescindível para as civilizações modernas. Com o advento da Revolução Industrial e a invenção de máquinas mirabolantes, verdadeiras parafernálias destrinchadoras da luz, vieram o cinema, a televisão, o computador, os tablets e outras coisas mais. Tudo isso, com todos os trocadilhos possíveis, tem custados os olhos da cara do homem moderno.
Essas mesmas máquinas mirabolantes, filhas da modernidade, permitiram ao bicho homem ampliar o acervo da sua memória visual. Já não basta enxergar o que existe diante dos olhos. Hoje, temos mecanicamente explicitados para nós o micro e o macrocosmos, conhecemos as órbitas dos planetas e dos életrons, fotografamos amebas e nebulosas, mergulhamos nos azuis dos céus e dos mares, sempre em busca de outras imagens, outras visões, outros paradigmas. Mais do que nunca, nos tempos modernos, o homem exercita a sua capacidade visual e traduz o mundo que o cerca e que às vezes ele não vê com os próprios olhos.
Tornamo-nos conceituais, regidos por imagens que os nossos olhos não captaram ao vivo mas que foram fornecidas às nossa retinas por máquinas inventadas por nós mesmos, as alavancas de Galileu. A viagem passou a ser mental, virtual. Não necessitamos mais de deslocamentos no espaço físico do mundo para conhecê-lo. Basta que ele venha até nós através dos seus simulacros e nós o decifraremos de forma adequada ou ilusória.
Fazer o que? Esse é o nosso tempo e o nosso mundo. Triste de quem renegar a sua época!


Recife, 2012