sábado, 27 de abril de 2013

O Galo da Madrugada dos 500 anos








Fotografias de Clóvis Campêlo/2000

O GALO DA MADRUGADA DOS 500 ANOS

Clóvis Campêlo

Todo mundo sabe que, no Recife, o sábado de Zé Pereira transformou-se no sábado do Galo da Madrugada.
A coisa começou timidamente, em 1978, na Rua Padre Floriano, no bairro de São José, quando Enéas Freire criou o clube de máscaras e alegorias que se transformaria em um dos itens mais referenciados do carnaval pernambucano. Diga-se de passagem, aliás, referenciado e reverenciado. Naquele mesmo ano, ao lado de 17 outros pioneiros, o Galo desfilou pela primeira vez nas ruas de São José.
Em 1995, o Galo da Madrugada foi oficialmente considerado pelo Guinness Book - o livro dos recordes - como o maior bloco de carnaval do mundo.
De lá para cá, o Galo só fez crescer. Segundo estimativas, neste ano de 2013 o Galo teria arrastado 2,5 milhões de pessoas pelas ruas do Recife, para alegrias de uns e tristezas e críticas de outros.
Para alguns, o Galo da Madrugada atual modificou de forma negativa o carnaval do Recife, deixando de lado a sua proposta original e se transformando num carnaval empresarial e que imita, na sua forma, o carnaval da Bahia. As ruas fechadas para a construção de camarotes, excluiria os foliões do trajeto do bloco, privilegiando quem tem condições de pagar por um camarote e assistir o desfile.
Para nós, que o acompanhamos a algum tempo, não restam dúvidas de que o clube hoje está inserido na indústria do entretenimento, transformando-se em fonte de lucro para os que o fazem e esquecendo da importância da participação popular, que, hoje, limita-se a ocupar as ruas periféricas do bairro de São José.
No entanto, apesar de toda essa discussão, o Galo permanece fazendo o carnaval do Recife e servindo de referência mundial. A cada ano, aparece com uma indumentária nova ou com alguma outra novidade que chame a atenção de todos.
No ano 2000, quando comemorava-se os 500 anos da descoberta do Brasil, o Galo da Madrugada, cujas cores oficiais são azul, branco, amarelo, vermelho e verde, vestiu-se com as cores da bandeira brasileira e integrou-se aos festejos comemorativos, colorindo a cidade de verde, amarelo, azul e branco.

sábado, 20 de abril de 2013

O diário público de Anne Souza











O DIÁRIO PÚBLICO DE ANNE SOUZA

Clóvis Campêlo

Descobri Anne Souza no Recife Antigo, durante o carnaval deste ano, quando andava eu com um frevo no pé, uma câmera na mão e muitas ideias possíveis na cabeça.
Aliás, não é de hoje que ando a observar as paredes do velho bairro onde a cidade nasceu. Elas servem para que artistas anônimos exerçam a sua arte e executem os seus trabalhos de grafitagem. Tenho vários deles fotografados e catalogados, muitos identificados apenas pelas características dos traços e da composição dos desenhos. São pintados diretamente sobre as paredes nuas e cruas e sofrem constantes intervenções que vão aos poucos acrescentando a eles novos detalhes ou modificando significativamente o resultado final. Uma espécie de arte coletiva e transgressora.
Com os desenhos de Anne Souza, não foi diferente. Desenhados sobre papel e colados nas paredes, geralmente no tamanho A4, de fevereiro para cá, muitos deles foram parcialmente rasgados ou riscados e tiveram a base escurecida pelo tempo e pela exposição ao sol. No meu modo de entender, ficaram até mais bonitos.
Retratam sempre o rosto da mesma mulher, na maioria das vezes de perfil, como nos desenhos egípcios. Vez por outra ela surge de corpo inteiro, nua ou em forma de uma sereia. Vez por outra também contracena com uma figura masculina, formando composições de uma simetria pós barroca. Em pouquíssimos desenhos a figura masculina aparece sozinha ou aparecem outras composições que não sejam figurativas e referentes ao sexo feminino.
Os desenhos estão colados em paredes de ruas escolhidas, formando uma espécie de via sacra profanizada.
Não sei quem é a Anne Souza que assina os pequenos quadros. O seu traço é simples e sugestivo e as figuras sempre estão em destaque em um fundo neutro. O seu diário é público e sem segredos ou disfarçatez, disponível a todos os olhos e espíritos abertos que andem pelo bairro velho da cidade misturando as visões do ontem com o presente.

Recife, 2013

sábado, 6 de abril de 2013

Subindo o Morro ou na cadência do samba


SUBINDO O MORRO OU NA CADÊNCIA DO SAMBA

Clóvis Campêlo

Em 2008, no Dia Internacional da Mulher, mais uma vez, lá fomos nós subir o Morro da Conceição.
Nós, que tantas vezes já subimos o Morro em ocasiões especiais, quando da festividades da Santa, dia 8 de dezembro, sempre nos emocionamos com a belíssima paisagem desfrutada e com o intenso calor humano ali reinante.
Lá, no Morro, Wilson já estava nos esperando.
A primeira parada foi na casa de José Belo da Silva, o Zé Belo, natural da cidade de Limoeiro, de onde saiu aos 6 anos de idade para fixar-se no Morro da Conceição. Na época da visita, aos 72 anos de idade, que, por coincidência, estavam sendo comemorados no dia da visita, Zé Belo, apesar dos cigarrinhos que ainda traga, demonstra uma boa saúde e uma memória privilegiada.
Falou-nos das tradições do Morro, como os clubes de futebol alí existentes e que eram respeitados em todo o Recife: Tabajara, Taquarani, Forte do Morro e Onze da Lira, todos já extintos, e do Maracatu Águia de Ouro, fundado em 1939, e atuante até hoje.
Disse-nos também dos clubes dançantes que ali havia e que eram mantidos por vereadores, como Rui Alves, Romildo Gomes e Roberval Lins. Inclusive, hoje, no prédio onde funcionava o clube recreativo e dançante mantido pelo vereador Rui Alves, está a sede da Escola de Samba Cultural Galeria do Ritmo.
Ainda segundo Zé Belo, além da Galeria do Ritmo, que está no Morro desde 1963, também existiram na comunidade outras escolas de samba como a Unidos do Dendê e a Leão do Norte, ambas já extintas.
Zé Belo nos falou ainda da Cova da Onça, bar famoso no Morro e que não mais existe, e do clube Acadêmico, onde até hoje a comunidade se diverte.
Ainda segundo Zé Belo,a estátua de N. Sª. da Conceição chegou ao Morro em 1904, vinda da França, e a Igreja foi construída em 1907. Segundo ele, houve muita dificuldade para levar a estátua até o seu pedestal, porque as ladeiras ainda não eram asfaltadas.
Contou-nos ainda, que em 1959 aconteceu uma tragédia na comemoração da festa da Padroeira do Morro. Às 4 horas da manhã, quando se iniciava a celebração da missa pelo Arcebispo do Recife, houve um curto-circuito nas gambiarras das barracas e nos brinquedos da quermesse, provocando uma correria entre as pessoas, que pensavam se tratar de tiros, e que resultou no falecimento de doze fiéis. Depois da tragédia, a parte profana da festa foi transferida para o campo do Ipiranga, na Avenida Norte.
Mesmo assim, as ruas e ladeiras do Morro, ainda segundo Zé Belo, só começaram a ser calçadas em 1960, na gestão do prefeito Pelópidas da Silveira.
Curtindo a oportunidade de um bom papo, disse-nos ainda que a água do Morro era fornecida por um chafariz e vinha bombeada da Rua do Motor. Antes, o pessoal ia buscar água num cacimbão que havia perto do campo do Ipiranga e cuja água era salobra e imprópria para o consumo humano. A água encanada só chegou ao Morro em 1963, depois de muita luta do Conselho de Moradores, destacando-se nessa batalha a figura de dona Odete Gomes de Almeida. Dona Odete, hoje já falecida, teve o seu trabalho reconhecido pela comunidade e pelos poderes públicos que deu o seu nome à praça que existe na frente da igreja.
Na Galeria do Ritmo, nossa segunda parada, fomos recebidos por Valdir Barros, presidente da Escola, e José Genival de Farias, o Amarão, diretor da Ala dos Compositores. Segundo Valdir, confirmando as informações de Zé Belo, a Escola de Samba, na verdade, foi fundada no Alto José do Pinho, onde uma roda de amigos se reunia embaixo de um pé de oiti para batucar um sambinha nas horas vagas. Dessa reunião ocasional, surgiu a idéia de fundar a escola de samba, a qual logo se transferiu para o Morro da Conceição, onde permanece até hoje. Hepta campeã do carnaval recifense de 1999 a 2006, a Escola de Samba Cultural Galeria do Ritmo, cujo lema é "Aqui se aprende a cantar, tocar e sambar", e de onde saíram astros da música popular pernambucana, como Paulo Márcio e a Banda Labaredas, hoje mantém uma escolinha de percussão para crianças a partir dos cinco anos de idade.
Esse trabalho educativo, que se alterna com a escola convencional, faz com que a criançada se mantenha ocupada durante todo o dia, mantendo-se afastada da rua, da violência e do tráfico de drogas, uma realidade contundente nas comunidades periféricas, como o Morro da Conceição. Além das atividades culturais, a meninada também recebe alimentação (leite e sopão).
O presidente Valdir nos contou ainda da falta de patrocínios para a Escola e da dificuldade de se fazer samba na terra do frevo.
Na época, a Escola estava fechando um contrato com a Prefeitura de Ipojuca, na Zona da Mata Sul do Estado, para fazer diversas apresentações na cidade como forma de arrecadar dinheiro para a agremiação se manter.
Desse contato interessantíssimo, regado a cervejas geladíssimas, surgiu o convite para participarmos do ensaio da Escola, no próximo dia 16.
Como já era 3 horas da tarde e ninguém é de ferro, fomos almoçar no Bar da Geralda, um dos restaurantes mais conceituados do Morro e que figura em diversas listas gastronômicas recifenses.
Geralda Cardoso da Silva é uma senhora simpática, de 47 anos, natural da cidade de Surubim, radicada no Morro há mais de vinte anos, e que nos serviu um cozido pernambucano pra poeta nenhum botar defeito.

Recife, 2008

segunda-feira, 1 de abril de 2013

O fruto


O FRUTO

Clóvis Campêlo

Que o teu fruto me alimente o corpo,
tua beleza me alimente o espírito;
que a tua pele me aqueça e acalme
e que eu possa sempre estar ao teu lado.

Que tudo seja doação sem sacrifício
e que os deuses entendam o clamor
da tua alma.

Que os teus olhos estejam sempre acesos
e percebam toda a minha felicidade.

Que sejas sempre a outra metade.