terça-feira, 20 de junho de 2017

O Cinema Atlântico


O CINEMA ATLÂNTICO

Clóvis Campêlo

Quem, como eu, tenta se habilitar a ser um pesquisar ligeiro e pouco profundo, corre o risco de surpreender-se de forma negativa com a ausência de informações virtuais sobre o objeto pesquisado. Muito embora tenhamos hoje à nossa disposição um grande manancial de informações, seja no google, na wikipédia ou em diversos blogs e sites de pertinazes pesquisadores, em determinados momentos esbarramos na ausência quase total de dados e informações. Sinto isso aqui e agora, ao pesquisar sobre o extinto Cinema Atlântico, do Pina.
Do fundo da memória, extraio apenas que o cinema marcou a minha infância e adolescência, com os filmes fantásticos de Cantiflas, Hércules, Macistes; as chanchadas da Atlantida, com Oscarito, Grande Otelo, Ankito e vários outros; os filmes de Drácula, com Cristopher Lee, etc, etc, etc.
Na grande rede, encontro um quase nada de informações sobre o cinema. Apenas no site da Universidade Federal de Pernambuco, sob o título de “Conheça a história do Recife através dos seus teatros”, descubro o seguinte: “Teatro Barreto Júnior - Localizado no bairro do Pina, foi o primeiro teatro da Zona Sul da cidade, que recebeu o nome do ator José do Rego Barreto Júnior. O espaço é resquício do Cine-Atlântico, que resistiu às demolições e fechamentos pelos quais passaram muitos cinemas do Recife no início da década de 80. A fachada ainda é mesma de seu estilo original, preservado até 1985, quando foram iniciadas as obras de restauração”.
Nem mesmo no site da Fundaj, em um bom artigo escrito por Lúcia Gaspar sobre os cinemas antigos do Recife, encontro referência ao Cinema Atlântico do Pina.
Volto à memória e relembro que do final dos anos 50 até 1971, fiz do Cinema Atlântico o meu lugar preferido para a apreciação da chamada sétima arte, com a sua programação popular e voltada para o público da classe média e do povão, que predominava no bairro naquela época.
O cinema era localizado em um prédio simples, sem muito luxo, com entradas e bilheterias pela Rua Conselheiro Aguiar e saídas pela Rua Estudante Jeremias Bastos, antiga Travessa Herculano Bandeira. Aos domingos, antes das matinês, a criançada trocava gibis na calçada principal.
Durante um certo tempo, a segurança e o policiamento do local foram feitos pela Polícia Mirim, composta principalmente de jovens e adolescentes requisitados nas comunidades mais carentes do próprio bairro. Geralmente eram pessoas conhecidas e que participavam conosco das peladas na praia do Pina. Lembro especificamente de Pinduca, um desses policiais mirins que morava numa rua próxima à nossa. Era irmão de Jorge Gabiru, um cara bom de bola que chegou a se profissionalizar e jogar em Portugal. Ganhou dinheiro e gastou tudo. Hoje sobrevive como cambista nos estádios do Recife. Costumo sempre encontrá-lo, em dias de jogos do Santa Cruz, trabalhando no Estádio do Arruda. Pinduca, hoje já falecido, tinha o dom de escrever paródias picantes feitas em cima de grandes sucessos da MPB. Uma figura e tanto. Pois bem, aos domingos, durante as matinês no Cinema Atlântico, era comum vê-lo vestido com a sua farda verde oliva tentando por um pouco de ordem naquela bagunça juvenil, uma missão quase impossível.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Vicente Celestino, a Voz Orgulho do Brasil


VICENTE CELESTINO, A VOZ ORGULHO DO BRASIL

Clóvis Campêlo

Talvez as gerações brasileiras mais novas já não saibam quem foi Vicente Celestino. Afinal, muitos afirmam que somos uma nação sem memória. Pode ser, embora se considerarmos a memória como alguma coisa utilitária, talvez encontremos justificativas para esse esquecimento.
Por isso, não nos custa nada reativar essas lembranças e trazer de volta informações ainda hoje necessária para que possamos conhecer melhor a história e as influência e desdobramentos da nossa música popular.
Filho de italianos da Calábria, Vicente Celestino nasceu no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa, ainda no século 19, em 12 de setembro de 1894. Trazia, assim, na sua formação musical todos os componentes e valores reinantes naquela época, e que marcariam de forma inexequível as suas composições.
A sua voz grave de tenor, por muito tempo, e numa época em que o rádio ainda não havia sido implantado no Brasile formado ídolos e moldando preferência, impôs-se como grande cantor e grande compositor. Aos poucos, porém, depois, foi sendo preterido em nome de cantores e compositores que se utilizavam de uma linguagem mais moderna e ao gosto popular do início do século passado. Por isso, na época, a incompreensão de alguns, e, hoje, o grande esquecimento.
O cantor Orlando Silva chegou a chamá-lo de bebê chorão do rádio, por conta do sentimentalismo exacerbado repetidamente cantados por ele: chorar a traição da mulher amada, sofrer masoquistamente por amor, afogar irracionalmente as mágoas na bebida...
É claro que a afirmativa maldosa encontrava uma explicação: vinte anos mais jovem do que Vicente Celestino e sob a proteção de nada mais nada menos do que Francisco Alves, Orlando Silva alcançava o sucesso quando Celestino já decaía no gosto do povo e da crítica. Como afirma o texto de Marco Aurélio Carvalho e Marcos Leite, no site Todas as Vozes, da EBC, a voz grave ainda era ótima, mas Celestino começava a ser rejeitado pelo Teatro Municipal.
Por isso, quando Caetano Veloso, no disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses, lançado em julho de 1968, gravou a canção Coração Materno, com um arranjo fantástico do maestro Rogério Duprat, todos pensaram que se tratava de mais uma chacota, o que logo foi contradito pelo compositor baiano, que afirmou tratar-se de uma homenagem.
Ironicamente, Vicente Celestino morreu em São Paulo, no Hotel Normandie, em agosto de 1968, quando se preparava para participar de uma gravação em sua homenagem, na gafieira Pérola Negra, ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil, a qual seria apresentada em um programa televisivo. Seus restos mortais foram enterrados no Rio de Janeiro, no Cemitério de São João Batista, sob os aplausos do público, depois de ser velado na Câmara Municipal por uma multidão de admiradores.
Segundo a insuperável Wikipédia, “começou cantando para conhecidos e era fã de Enrico Caruso. Antes do teatro cantava muito em festas, serenatas e chopes-cantantes. Estreou profissionalmente cantando a valsa Flor do Mal no teatro São José e fez muito sucesso e, também, entrou no seu primeiro disco vendendo milhares de cópias em 1915 na Odeon (Casa Edison).
Em 1920 montou uma companhia de operetas, mas sem nunca deixar o carnavalesco de lado, emplacando sucessos como Urubu Subiu. Rapidamente, depois de oportunidade no teatro, alcançou renome. Formou companhias de revistas e operetas com atrizes-cantoras, primeiro com Laís Areda e depois com Carmen Dora. As excursões pelo Brasil renderam-lhe muito dinheiro e só fizeram aumentar sua popularidade. Nos anos 20, reinava absoluto como ídolo da canção. Vicente Celestino teve uma das mais longas carreiras entre os cantores brasileiros”.
Ainda segundo a Wikipédia, “Vicente Celestino, que tocava violão e piano, foi o compositor inspirado de muitas das suas criações. Duas delas dariam o tema, mais tarde, para dois filmes de enorme público: O Ébrio (1946), que foi transformada em filme por sua esposa, e Coração Materno (1951). Neles Vicente foi dirigido por sua mulher Gilda Abreu (1904 - 1979), cantora, escritora, atriz e cineasta. No total, gravou em 78 RPM cerca de 137 discos com 265 músicas, mais dez compactos e 31 LPs, nestes também incluídas reedições dos 78 RPM”.
Finalmente, diz a Wikipédia: “Seu eterno arrebatamento, paixão e inigualável voz de tenor, fizeram com que o povo o elegesse como A Voz Orgulho do Brasil”.

terça-feira, 13 de junho de 2017

A Primeira Comunhão


A PRIMEIRA COMUNHÃO

Clóvis Campêlo

Naquela época, a Primeira Comunhão não era apenas uma festa familiar. Era uma festa comunitária. Toda a vizinhança participava. Lembro da nossa casa no Pina bem cheia, repleta de amigos, parentes e vizinhos. Um freje, no bom sentido, já que naquela dia especial nem eu nem meus irmãos, Carlinhos e Mana, poderíamos prevaricar. Nem em pensamentos. E, confesso, não era fácil manter essa retidão de pensamento e comportamento. Tudo conspirava contra.
Estávamos todos vestidos de branco, simbolizando a pureza das nossas almas. O sacramento se daria à tarde, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, sob a batuta do Padre José, ao lado dos outros alunos do Instituto Dantas, escola que promovia o evento cristão. A festa propriamente dita seria depois, em casa, ao voltarmos da igreja. Comida e bebida, à vontade. Mas aí já estaríamos aceitos fazendo parte definitivamente da comunidade da Igreja Católica Apostólica Romana.
A Primeira Comunhão é uma celebração da Igreja Católica, onde os participantes recebem pela primeira vez o Corpo e o Sangue de Cristo em forma de pão e vinho. Para receber a Primeira Eucaristia, como também é chamada a celebração, deve o cristão saber e compreender alguns princípios e fundamentos da Igreja, como os 10 Mandamentos, os Mandamentos da Madre Igreja, suas principais orações, e os 7 sacramentos. Antes do rito religioso, o participante deve se confessar, livrando-se assim dos pecados e faltas graves cometidos.
Segundo a Wikipédia: “a Eucaristia é " o próprio sacrifício do Corpo e do Sangue do Senhor Jesus, que Ele instituiu para perpetuar o sacrifício da cruz no decorrer dos séculos até ao seu regresso, confiando assim à sua Igreja o memorial da sua Morte e Ressurreição. É o sinal da unidade, o vínculo da caridade, o banquete pascal, em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da vida eterna." (n. 271). A palavra hóstia, em latim, quer dizer vítima, que entre os hebreus, era o cordeiro, sem culpa, imolado em sacrifício a Deus”. Ou seja, exista na cerimônia toda um simbologia que deve ser entendida, pratica e respeitada pelo participante.
Não era fácil para nós, eu e meus irmãos, seguirmos tudo isso ao pé da letra. Meu pai e minha mãe não eram de frequentar a igreja e nem nos obrigavam a isso. Mas havia um misto de respeito e temor que nos fazia ir adiante sem nada questionar. Para nós, era melhor e mais seguro estar ao lado de Deus, Jesus Cristo e todos os anjos do que vagarmos indefesos e solitários sob as tentações do demônio. E além do mais, todos os nossos colegas e amigos da escola estavam ao nosso lado naquele momento e isso fazia com que nos sentíssemos seguros e protegidos. Restaria-nos depois, ao longo da vida, mantermos essa chama acesa e vibrante. Intuitivamente, sabíamos que não seria nada fácil, pois são muitas as tentações e os perigos dessa vida.
A festa em casa, ao voltarmos da igreja, foi plena e vibrante. Aos poucos, porém,a casa foi esvaziando e a família ficando sozinha. Nossas roupas brancas e nossos livrinhos foram guardados e ainda hoje se encontram entre os objetos deixados por dona Tereza, minha mãe, quando faleceu.
À noite, sozinho, quando me deitei e tentei conciliar o sono, percebi que teria pela frente uma longa caminhada a percorrer, e que nessa caminhada estaria para sempre dividido entre a virtude da retidão da crença religiosa e as tentações do mundo dos homens.


sexta-feira, 9 de junho de 2017

Mandrake e a nave aprisionada


MANDRAKE E A NAVE APRISIONADA

Clóvis Campêlo

Lee Falk nasceu em St. Louis, em 1911. Escritor e quadrinista, ao chegar em Nova York em 1936, aos 25 anos de idade, criou os personagens Fantasma e Mandrake, para apresentar ao King Features Syndicate. Mandrake logo ganhou as páginas coloridas dos suplementos dominicais, conquistando a cidade e o mundo.
Segundo a Wikipédia, Mandrake evocava a essência dos mágicos de vaudeville, que faziam espetáculos itinerantes pelo sul dos Estados Unidos, muito populares entre 1880 e 1920. As apresentações combinavam números de dança e acrobacias, música popular, encenações de operas e peças de teatro, adestramento de animais e todo tipo de “maravilhas exóticas de toda parte do mundo. Estes elementos marcaram a infância de Falk e se tornaram a matéria prima das aventuras do mágico e seu fiel companheiro, o nobre africano Lothar. O rosto do personagem, baseado no do próprio Falk, reunia todos os traços típicos do homem de aventuras exóticas que o cinema da época tinha se encarregado de mistificar: elegante, viril, enigmático, cavalheiresco e pronto para a ação”. Morando em Xanadú, numa propriedade fantástica no alto de uma colina, combatia os criminosos usando a hipnose como arma. Sua noiva, a princesa Narda de Cockaigne, fictício reino na Europa oriental, e seu companheiro inseparável, Lothar, gigante príncipe africano que abandonou sua tribo para acompanhar o mágico e surrar os bandidos com sua força, eram os personagens mais constantes nas histórias. Segundo a mesma fonte acima citada, Lothar, provavelmente, foi o primeiro personagem negro a surgir nas histórias em quadrinhos, mesmo que de uma forma caricata, usando roupas de pele e um chapéu típico turco.
Ainda segundo a Wikipédia, Mandrake era um ilusionista que se valia de uma impossível técnica de hipnose instantânea, aplicada com os olhos e gestos das mãos, e de poderes telepatas. Quando o narrador informava que ele executava seu gesto hipnótico, a arma do vilão se transformava em um buquê de rosas ou numa pomba. Na verdade, o personagem foi baseado em Leon Mandrake, um mágico que fazia performances no teatro pelos anos 20, usando uma cartola, capa de seda escarlate e um fino bigode. Estava criado o heroi que se impõe no mercado até os dias de hoje, sobrevivendo até mesmo a morte do seu criador, ocorrida em Nova York, no dia 13 de março de 1999. Falk faleceu no seu luxuoso apartamento em frente ao Central Park, vítima de um ataque cardíaco fulminante.
As histórias de Mandrake estrearam no Brasil na década de 30 do século passado, na revista Suplemento Juvenil. E assim como aconteceu com a maioria dos jovens americanos daquela década e das décadas seguintes, também marcou a vida dos jovens brasileiros, submetidos à imposição cultural que sempre marcou a nossa relação com Tio Sam.
Entre as muitas histórias por nós lidas, lembro particularmente de uma que narrava a aventura de uma nave alienígena presa em algum lugar gelatinoso do planeta Terra. A nave emite mensagens ameaçadoras de destruição do planeta, caso não seja rapidamente libertada da suposta armadilha. Desesperadas, as autoridades competentes, sempre capitaneados pela inteligência americana, tentam inutilmente localizá-la e provar que não existia da nossa parte nenhuma intenção bélica.
Nesse meio tempo, Mandrake aparece com um incômodo em um dos olhos. Algo muito pequeno lhe caíra em uma das conjuntivas e o incomodava bastante. Depois de algum tempo, resolve ir ao oftalmologista e descobre que o motivo do incômodo sentido era a pequeníssima nave alienígena. Retirada a nave do seu olho e finalmente libertada, chega a história a um final feliz.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Sentimento e solidão


Memphis Slim, o criador de Blue and Lonesome

SENTIMENTO E SOLIDÃO

Clóvis Campêlo

Houve um tempo em que dona Cida, minha mulher, esmerava-se na cozinha em receitas fabulosas. Talvez levada pela máxima de que um homem também se prende pela boca e pela barriga. Depois, cansou e confessou: “Estou sem novas ideias. Vou voltar ao trivial”. O trivial, para ela, seria o velho feijão, arroz, legumes e um pouco de carne. Funcionou à contento. Todos ficaram satisfeitos e bem alimentados.
Acredito que isso foi o que aconteceu com os Rolling Stones. Depois de onze anos sem gravar em estúdio, no final do ano passado gravaram Blue & Lonesome, um disco sem músicas inéditas e com velhas canções de blues. O trivial. Também funcionou e todos ficaram satisfeitos e bem alimentados.
A música que dá nome ao disco foi composta por Memphis Slim, pianista, cantor e compositor negro americano, nascido em Memphis, no Tenessee, no dia 3 de setembro de 1915, e falecido em Paris aos 72 anos, em 24 de fevereiro de 1988, de insuficiência renal. Seus restos mortais estão enterrados na cidade em que nasceu.
Fico pensando que voltar ao trivial foi um golpe stoniano de mestre. Setentões e podres de rico ainda teriam algo de novo a dizer para o mundo de hoje? O longo hiato talvez traduza isso.Afinal o blues pode traduzir com perfeição sentimentos entendíveis por todas as gerações. E até mesmo transformar possíveis negatividades em expressões atualizadas de contemporânea alegria. Como nos diz Daniel Corrêa em texto publicado na revista Rolling Stones: “A voz de Jagger, desgastada pelo tempo, acaba mudando o sentido que as frases tinham. De sofridos relatos de amor, muitas delas soam como vivas canções de experiência. De como o tempo traz autoconhecimento”. Falado e dito.
Aliás, quem não gosta de blues bom sujeito não é. E é preciso reconhecer que o gênero, ao desembocar no cenário urbano moderno, em terras americanas e mundiais, ganhou novas conotações. De lamentos repetidos monocordicamente para expressões de extases, foi um pulo. As guitarras elétricas ajudaram nessa metarmorfose ambulante. O blues mudou. E mesmo as velhas canções de sentimento e solidão, podem soar com outros timbres. Quem escutar, verá!
Como dizia o finado John Winter, uma boa música de blues deve sempre ser suja e barulhenta. É claro que nessa afirmativa, ele se refere ao blues do seu tempo: eletrificado, gritado e sem requintes excessivos tecnológicos de gravação. Os Stones, com as suas guitarras primárias, também conseguem isso: Blues & Lonesome é um disco básico. Qualquer outra intervenção mais requintada, como a elegante guitarra de Eric Clapton em duas músicas, pode logo ser detectada. Como diz o mesmo Daniel Corrêa no texto acima citado: “Blue & Lonesome é disco essencial para se ouvir e guardar na coleção. O único problema é a sensação de já estar ouvindo essas canções na voz dos Stones desde sempre, não como se fosse uma novidade, e não ter aquele gostinho de imaginar como seria ouvir novas canções autorais dos Stones, como o ótimo single “Doom & Gloom”, de 2012”.
Ou mesmo como diz o co-produtor do disco, Don Was, em material publicitário: “Este álbum é um testemunho manifesto da pureza de seu amor por fazer música, e o blues é, para os Stones, o manancial de tudo o que eles fazem”. Mais uma vez, falado e dito.
Para mim, só nos resta escutá-los!

terça-feira, 6 de junho de 2017

O cinquentão Sargento Pimenta


O CINQUENTÃO SARGENTO PIMENTA

Clóvis Campêlo

Lançado no Reino Unido no dia 26 de maio de 1967, o velho Sargento Pimenta completou cinquenta anos de vida bem vivida. No Brasil, não lembro a data do seu lançamento, mas foi um rebuliço tremendo. Estávamos em plena ditadura militar e os Beatles enveredavam pela psicodelia. Barato total.
Para mim, comprar o disco não foi fácil. Aos dezesseis anos de idade, ainda sem trabalhar e vivendo numa família em crise existencial e financeira, tive que me virar. Junta daqui e junta dali, chegamos ao patamar desejado. Conseguida a quantia necessária com uma pequena ajuda dos amigos, lá fomos nós para a Casa Rubi, na Rua do Sol, no centro antigo do Recife, às margens do Rio Capibaribe, comprar a preciosidade. Afinal, o nordestino é, antes de tudo, um forte.
Decepcionante foi chegar em casa e verificar que o alto-falante da minha pequena vitrola, havia estourado. Era a hora de mais uma vez exercitar a criatividade. Liguei a pequena caixa de som no alto-falante da televisão em preto e branco do meu pai, uma velha Müllard cansada de guerra, e funcionou. Logo o som estridente se espalharia pela sala. Extasiado, eu queria mais, Não me cansava de ouvir aquilo tudo, para desespero da velha Macionila, a nossa secretária, uma interiorana da cidade de Lagoa dos Gatos, que carinhosamente chamávamos de Lila. Reclamou da música estranha e pediu uma música de Vicente Celestino. Fui impiedoso. Aquela não seria a hora adequada para fazer concessões. Ela que tratasse de entender e gostar dos Beatles. Afinal,o LP gravado com todos os requintes da tecnologia de ponta e da criatividade da época estava sendo escutado naquela gambiarra funcional. Pra mim, ótimo!
Ali estava o oitavo LP da banda que revolucionava a música pop. O disco era conceitual e inovador, não só pelas músicas criadas, como pelas técnicas de gravação utilizadas pelo grupo e seus engenheiros. Não havia como ignorar tudo isso. Entre o mar e a maré, o Pina dos anos 60 estava antenado e ligado nas novidades do grupo. Hoje, no auge da maturidade cronológica mas ainda apaixonado por tudo o que os Beatles foram, são e serão, leio coisas engraçadas que foram escritas sobre o grupo e o disco, naquela época.
Por exemplo: “Sgt Peppers “reconcilia os ideais estéticos diametralmente opostos da música clássica e da psicodelia, angariando uma síntese psicoclássica das duas formas musicais”. Engraçadíssimo! Mas dá para entender? Quem disse isso foi um tal de Nahptali Wagner, para mim, um ilustre desconhecido, uma eminência parda, pegando carona no sucesso do momento.
Outra joinha: “Além de importante trabalho da psicodelia britânica, o disco de multigêneros incorpora diversas influências estilísticas, incluindo, vaudeville, circense, music hall, avant-garde, e música clássica ocidental e indiana”. Não sei quem falou isso, mas está lá na wikipédia. Era inteligência demais para a minha cabeça adolescente. E enquanto as galinhas cacarejavam no quintal, eu aumentava o volume pra curtir aquele rock'n'rool. A novidade vinha dar na praia do Pina. Graças a Deus e aos Fab Four. Naquele momento, a felicidade não era uma arma quente. A felicidade era poder olhar a cara aparentemente tranquila do Sargento Pimenta.
Je vous salue, meninos de Liverpool!

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Grafite, o último rei do Arruda


Fotografia de Gabriel Campêlo

GRAFITE, O ÚLTIMO REI DO ARRUDA

Clóvis Campêlo

Como aconteceu com outros grandes jogadores que já passaram pelo Arruda, Grafite também deixou o seu nome gravado na história do Santa Cruz, Aliás, não só o seu nome, como também a sua imagem estampada nas paredes das arquibancadas corais, onde está desenhado como o último Rei do Arruda. Acompanhe a trajetória desse grande jogador e artilheiro e veja como ele foi importante no ressurgimento do Santinha na elite do futebol brasileiro..
Seu nome verdadeiro é Edinaldo Batista Libânio. Nasceu na cidade de Jundiaí, em São Paulo, no dia 2 de abril de 1979, no Ano Internacional da Criança.
Começou a sua carreira futebolística na Sociedade Esportiva Matonense, clube da cidade de Matão, que disputa as divisões inferiores do futebol paulista, fundado em 24 de maio de 1976, apenas três anos antes do nascimento do craque.
Em seguida, foi para Araraquara, defender a Ferroviária daquela cidade, clube mais antigo e tradicional do futebol paulista, criado em 1950. De Araraquara para o Recife, foi um pulo. Em 2001, chegava pela primeira vez às Repúblicas Independentes do Arruda para iniciar uma relação com o Santinha que se estenderia até os dias de hoje.
No Arruda, entre 2001 e 2002, disputou 22 jogos pela Cobra Coral, marcando apenas cinco gols, mas chamando a atenção pelas boas atuações e por sua frieza diante dos goleiros adversários na hora de finalizar.
Do Santa Cruz foi para o Grêmio Portalegrense, em 2002, onde disputou nove partidas sem marcar nenhum gol. Em 2003, foi contratado pelo Anyang Cheetaas, da Coreia do Sul, de onde, no segundo semestre veio para o Goiás, destacando-se no Campeonato Brasileiro daquele ano, marcando 12 gols em 20 jogos.
Em 2004, embalado pela boa fase no Goiás, foi para o São Paulo Futebol Clube, onde formou no ataque titular ao lado de Luís Fabiano, marcando 27 gols em 73 jogos. No São Paulo, em 2005, mesmo passando um bom tempo machucado, ajudou o clube e se tornar Campeão Brasileiro naquele ano, e Campeão Mundial de Clubes, participando dos jogos da semifinal e da final. Em função das suas boas atuações pelo tricolor paulista, foi convocado por Carlos Alberto Parreira para a Seleção Brasileira de Futebol, onde disputou quatro jogos, assinalando um gol contra a Guatemala, no jogo que marcou a despedida de Romário da seleção.
Em 2006, ganhou o mundo indo atuar na França, pelo Les Mans, onde em 51 jogos marcou 16 gols. Em 2007, foi o Wolfsburg, da Alemanha, onde em quatro anos e 131 jogos disputados, foi autor de 76 gols. Pelo clube alemão, conquistou, em 2009, o inédito título do Campeonato Alemão, sendo ainda o artilheiro da competição com 28 gols marcados e batendo o recorde de 53 gols de Gerd Müller e Uli Hoeneb, marcando 54 gols numa mesma temporada. Era a glória e a consagração definitiva do grande artilheiro na Europa.
Antes de voltar ao Santa Cruz, em 2015, ainda atuou pelo Al-Ahli Club, de Dubai, onde marcou 66 gols em 85 jogos, entre 2001 e 2014, e pelo Al-Sadd Sports Club, do Qatar, em 2015, onde jogou nove partidas, marcando um gol.
De volta ao Santa Cruz, foi recebido em grande estilo no Estádio do Arruda, onde chegou de helicóptero para delírio da torcida coral. Estreou contra o Botafogo carioca, no Campeonato Brasileiro da Série B, marcando de cabeça o gol da vitória e terminando a competição como vice-campeão, o que levou de volta o Santinha à Série A do Campeonato Brasileiro, em 2016.
Nesse mesmo ano, foi campeão da Copa do Nordeste e do Certame Estadual, realizando o sonho de conquistar títulos com a camisa coral, o que não havia acontecido antes. Ao todo, entre 2015 e 2016, participou de 71 jogos com a camisa coral e marcou gols, numa passagem brilhante e vitoriosa.
Ao sair do clube, em dezembro de 2016, rumo ao Atlético Paranaense, deixou nas redes sociais a seguinte mensagem de despedida:
"Queria agradecer a todos os jogadores, técnicos, diretores e especialmente funcionários, que são a base do nosso sucesso no dia a dia, por este um ano e meio de convívio, irmandade e lutas, porque sabemos que o dia a dia no Santa não é fácil. A saída não está sendo do jeito que imaginávamos que seria um dia, mas foi amigável, sem mágoas ou rancor de minha parte e vi que por parte do nosso 'Querido Presidente' Alírio Moraes também, em comum acordo decidimos que era melhor eu sair, sabemos das dificuldades que o clube vive administrativamente, vai ser melhor para ambos!"