sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O Padre José


O PADRE JOSÉ

Clóvis Campêlo

Vou começar essa história em media res, como se dizia antigamente. Ou seja, do meio pro fim.
Foi no balcão da Farmácia Homeopática Sabino Pinho, na Rua das Águas Verdes, no bairro do São José, no Recife, que eu conheci seu Machado, em meados dos anos 80. Já passando dos 70 anos, era um homem cordial que atendia a todos com distinção. Só o vi enraivecido uma vez. Foi quando lhe perguntei sobre o seu parentesco com o Padre José, do Pina. O homem transfigurou-se para falar daquele meio irmão (por parte de pai) que durante toda a vida insistira em lhe chamar de bastardo e de não lhe querer aproximação alguma. Conservador e elitista, o padre morreu sem reconhecer o filho que seu pai tivera fora do casamento. Morrera sem perdoar o irmão por uma culpa que não lhe cabia.
Pois bem, foi esse padre infeliz e maniqueísta que celebrou a minha primeira comunhão, em 1962. Durante anos reinou na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, onde, depois de morto, foi homenageado pelo fieis com um busto na parede externa da igreja. Confesso que nunca entendi isso direito. Não era um homem bom. Uma vez, ainda menino, vi-o paralisar uma missa para expulsar a ponta-pés um cachorro vira-lata que inadvertidamente entrara na igreja. Contra ele também corriam histórias de pedofilia. Dizem que gostava de atrair para a casa paroquial, que ficava ao lado da igreja, na Avenida Herculano Bandeira, com barras de chocolate, os meninos ainda impúberes. Lá tentava seduzi-los. Se essas histórias nunca foram comprovadas, também nunca foram desmentidas. Diferentemente do Crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz, esse foi o crime do Padre José.
Até hoje, não lembro de nenhum ato ou fato bonificador que o pároco tenha feito em nome da gente daquele bairro. Em plena ditadura militar, os anos que passou à frente daquele rebanho serviu apenas para impingir-lhes o medo do pecado e do fogo dos infernos. Nenhum senso crítico exercitou-lhes, muito embora na garagem da casa paroquial funcionasse uma pequena escola onde a professorinha Glória fazia as vezes de alfabetizadora.
Quando morreu, foi substituído na igreja pelos padres oblatos, americanos que já comandavam a igreja de Brasília Teimosa. Esses eram mais liberais e haviam aprendido os questionamentos da teologia da libertação, liderados pelo padre Jaime.
Os oblatos, aliás, chegaram a Brasília Teimosa, no início dos anos 60, com a missão de catequizar o gentio daquela favela que começava a se formar. Logo perceberam que deveriam estar ao lado do povo na luta pela ocupação e posse daquelas terras. Passaram a ser respeitados e admirados por conta dessa postura solidária e de enfrentamento com o poder constituído.
Logo, outras áreas do bairro do Pina, como as comunidades do Bode e do Encanta Moça, passaram a ter ao seu lado os evangelizadores com uma visão mais modernizada e atuante em relação aos problemas diários e constantes da população mais pobre. Além do céu, a felicidade na terra também era um direito daquele povo. E isso, o padre José nunca os ensinara!

Recife, 2014

2 comentários:

Jorge Macedo disse...

Amigo Clóvis: Conheci pessoalmente seu Machado da Sabino Pinho. No final da década de 70, o meu filho mais velho, nos seus primeiros anos de vida, tinha um problema seríssimo na garganta que o pediatra dele, apesar de competente, não conseguia descobrir um remédio para curá-lo. Residindo na Rua Antonio Henrique, entre a Padre Floriano e a Rua das Calçadas, resolvi com minha esposa levá-o para o Sr. Machado. Ele passou 03 frascos pequenos com preparados diferentes para que ele tomasse 02 gotinhas de 02 em 02 horas de cada um. Alguns meses depois ele ficou totalmente curado. Retornamos com ele ao médico e levamos os frascos com as gotinhas. Ele olhou, examinou com toda a atenção os líquidos contidos nas embalagens e nos disse: "-Confesso que não tenho a mínima ideia do que se trata, mas, deu certo e continuem usando as gotinhas!" E lembrando outra figura famosa do bairro de São Jose, não poderia deixar de citar o farmacêutico da Drogaria Globo, o Sr. Ovídio que era o nosso médico de plantão, sempre pronto para atender a sua clientela! Bons tempos!

Clóvis Campêlo disse...

Podes crer, Jorge. Curei o meu filho mais novo de uma asma alérgica com os remédios da Sabino Pinho. Depois que seu Machado morreu, fiquei amigo de Lula, o último descendente dos Sabino Pinho, o qual já está passando a farmácia para a filha mais velha, que é farmacêutica. A sabino Pinho é uma das nossas tradições. Se não me falha a memória, é a farmácia homeopática mais antiga da América Latina. Abraços