Fotografia de Clóvis Campêlo/1993
TODOS OS CARNAVAIS
Clóvis Campêlo
Atrás de Vassourinhas só não vai quem já morreu. E como eu ainda estou vivo, estarei lá. Já comi o meu pão com brometo logo cedo, para induzir ao barato. O pão que o diabo não amassou. Agora só resta cair em campo e registrar a folia com a máquina e as retinas.
Pra falar a verdade, de folião só tenho o olhar e a vontade. Falta-me o folêgo, o resfolegar, o pique.
Na verdade, gosto de aprisionar o carnaval nas molduras das minhas fotografias, nas metáforas dos meus textos, nas imagens definitivas do passado entendido e dominado.
Mas, o carnaval não é apenas eu. O carnaval é todo um contexto, um pretexto para se quebrar o nexo e liberar os mais sinceros anseios, a mais patética alegria.
Na verdade, o carnaval é muito mais do que o baticum insistente das alfaias, dos tamborins, dos bumbos e taróis. O carnaval é a porta de entrada do éden, a quebra dos protocolos, um ensaio malamanhado da liberdade. O carnaval é tudo isso. Porém, só vim a perceber esse lado das coisas há algum tempo atrás.
Antes, aprisionado por sentimentos de culpa pequenos-burgueses, achava que o carnaval era o ópio do povo. E enquanto o povo ria na rua a sua alegria vadia, eu chorava pensando em como seria bom libertá-lo daquela alienação degradante. Alimentava o choro valendo-me de tudo: ditos bíblicos, dogmas marxistas, histerias freudianas.
No entanto, quiseram os deuses que eu sobrevivesse ao auto-flagelo e encarasse de frente a minha covardia diante da felicidade. Ser feliz só nos custa a tristeza, sussurrou-me um anjo escroto no dia em que me perdi de mim mesmo. E naquele caminho torto, troncho e trôpego, brilhou uma luz no fim do túnel, brilhou a estrela dalva sobre a minha cabeça frágil.
Um outro anjo safado, um chato de um querubim, executou uma música apressada em seu clarinete, uma música repleta de mínimas e semimínimas, e apresentou-se um outro cenário à minha mente conturbada. Enxergar tudo isso custou-me os olhos da cara e a escuridão da alma. Foi caro. Foi claro. Foi límpido.
Assim, livrei-me da canga e das cangalhas, dancei que nem uma guariba, cheguei em maracangalha. E lá, amigo dos rei e dos poetas, ensarilhei as armas e ensaiei o hino dos novos tempos.
Naquela terra mágica, subi e desci ladeiras, acompanhei galos, elefantes e pitombeiras, descansei na praça do jacaré, cercado de anjos cretinos, revolucionários, alegres e libertários.
E quando os meus pés cansados sentiram o calor das areias mornas da praia do carmo, percebi que a transformação se dera de maneira irrevogável, irresistível, irreversível, irretratável.
Despi-me dos pudores remanescentes e mergulhei no mar de tranquilidade que se formou no meu íntimo.
Pra falar a verdade, de folião só tenho o olhar e a vontade. Falta-me o folêgo, o resfolegar, o pique.
Na verdade, gosto de aprisionar o carnaval nas molduras das minhas fotografias, nas metáforas dos meus textos, nas imagens definitivas do passado entendido e dominado.
Mas, o carnaval não é apenas eu. O carnaval é todo um contexto, um pretexto para se quebrar o nexo e liberar os mais sinceros anseios, a mais patética alegria.
Na verdade, o carnaval é muito mais do que o baticum insistente das alfaias, dos tamborins, dos bumbos e taróis. O carnaval é a porta de entrada do éden, a quebra dos protocolos, um ensaio malamanhado da liberdade. O carnaval é tudo isso. Porém, só vim a perceber esse lado das coisas há algum tempo atrás.
Antes, aprisionado por sentimentos de culpa pequenos-burgueses, achava que o carnaval era o ópio do povo. E enquanto o povo ria na rua a sua alegria vadia, eu chorava pensando em como seria bom libertá-lo daquela alienação degradante. Alimentava o choro valendo-me de tudo: ditos bíblicos, dogmas marxistas, histerias freudianas.
No entanto, quiseram os deuses que eu sobrevivesse ao auto-flagelo e encarasse de frente a minha covardia diante da felicidade. Ser feliz só nos custa a tristeza, sussurrou-me um anjo escroto no dia em que me perdi de mim mesmo. E naquele caminho torto, troncho e trôpego, brilhou uma luz no fim do túnel, brilhou a estrela dalva sobre a minha cabeça frágil.
Um outro anjo safado, um chato de um querubim, executou uma música apressada em seu clarinete, uma música repleta de mínimas e semimínimas, e apresentou-se um outro cenário à minha mente conturbada. Enxergar tudo isso custou-me os olhos da cara e a escuridão da alma. Foi caro. Foi claro. Foi límpido.
Assim, livrei-me da canga e das cangalhas, dancei que nem uma guariba, cheguei em maracangalha. E lá, amigo dos rei e dos poetas, ensarilhei as armas e ensaiei o hino dos novos tempos.
Naquela terra mágica, subi e desci ladeiras, acompanhei galos, elefantes e pitombeiras, descansei na praça do jacaré, cercado de anjos cretinos, revolucionários, alegres e libertários.
E quando os meus pés cansados sentiram o calor das areias mornas da praia do carmo, percebi que a transformação se dera de maneira irrevogável, irresistível, irreversível, irretratável.
Despi-me dos pudores remanescentes e mergulhei no mar de tranquilidade que se formou no meu íntimo.
Recife, 2009
- Publicado no livro Antologia 2010 dos Poetas Independentes. Recife, Edição dos Autores, 2010, páginas 49/50.
2 comentários:
Maravilhoso texto esse, CLÓVIS. Tocou-me logo a mim, nascido num sábado de ZÉ PEREIRA.
abraço,
BEM BOLADO , É DE FAZER CHORAR, SOBRETUDO PARA QUEM AMA O FREVO( O RITMO MAIS LINDO DO MUNDO) , MAS NUNCA DANÇOU.
Postar um comentário