quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Sobre quintais, passarinhos e cachorros


SOBRE QUINTAIS, PASSARINHOS E CACHORROS

Clóvis Campêlo

No Pina, tive uma infância que hoje não existe mais. A casa dos meus pais tinha um quintal onde proliferavam as árvores frutíferas. E com elas, vinha a passarinhada. Ao mesmo tempo, o nosso quintal confrontava-se com o terreno da Escola Estadual Landelino Rocha onde abundavam os pés de oiti da praia e oiti coró. Neles, em época de reprodução, várias espécies faziam seus ninhos.
Os papacapins, aves que na época não tinham muito valor, naquelas condições propícias, reproduziam-se pra valer. Tornavam-se mesmo uma praga, famintos, invadindo os nossos alçapões e comendo as iscas que utilizávamos para passarinhar. Meu pai gostava de criar passarinhos e tinha época que havia mais de 30 gaiolas para serem diariamente cuidadas. Como o velho acordava cedo e cedo saía para o trabalho na repartição pública onde dava expediente, a responsabilidade com as aves sobrava para mim e para o meu irmão Carlinhos. Revezavamo-nos diariamente nessa labuta que, apesar de tudo, era-nos bastante agradável. Naquele tempo, criar passarinhos em cativeiro era socialmente aceitável e não se configurava no “crime ecológico” de hoje.
Como no nosso quintal havia uma profusão de árvores frutíferas, também era grande a quantidade dos passarinhos comedores de futas, os chamados “passarinhos de molhado”. Desses, meu pai não gostava muito por sujarem em demasia as paredes de casa. Mesmo assim, eram comuns os sabiás, guriatãs, sanhassus, xexéus, concrizes, arapongas, com suas plumagens coloridas e seu cantos diferenciados. Entre os comedores de alpistes e painço, proliferavam os canários da terra, os curiós, patativas e caboclinhos, galos de campina, os já citados papa-capins, azulões, cravinas e bigodes.
Lembro com saudade desse tempo pela liberdade e pelo espaço que nós, enquanto crianças, tínhamos para brincar. Além de tudo, havia mais respeito e consideração entre os vizinhos e amigos. Vivíamos em uma comunidade que se tratava e agia como tal. A insegurança pública e os amigos do alheio ainda não nos assustavam tanto.
Um dia, acordo cedo e vejo o meu pai observando algo junto ao portão. Aproximei-me para ver o que era e ele me avisou: “Não chegue muito perto pois ela pode lhe morder”. Era uma cadela toda branca (logo tornou-se a famosa Branquinha) que havia parido um único cachorrinho malhado em preto e branco. Esse filhote cresceu, tornou-se um belíssimo vira-lata e ganhou o nome de Rex, por conta do seu porte imponente. Viveram conosco até o dia em que a família de desfez, com a separação dos meus pais. Hoje, não consigo mais lembrar que destino tiveram quando saímos daquela casa e, acompanhando minha mãe, fomos morar em um apartamento em Boa Viagem.
A partir daí, nosso estilo de vida mudou. Morar em apartamento exige novas atitudes e, assim, demos adeus aos quintais e passarinhos do Pina. Cachorros, ainda houve uma outra fêmea da raça pequinês, chamada Lili, que nos acompanhou durante alguns anos. Lili era mansa e dócil e terminou por ser levada por alguém com quem simpatizou. Deixamos o portão aberto e foi por ali que ela saiu para nunca mais voltar. Talvez tenha sofrido um pouco, pois cachorros são fiéis e não trocam de dono com tanta facilidade. Talvez tenha tido a sorte de encontrar alguém generoso e que a tratou com o carinho e o respeito que merecia.

Recife, fevereiro 2017

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