quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

No tempo de Alaíde Drink's


Waldick Soriano era habituê na radiola de fichas

NO TEMPO DE ALAÍDE DRINK'S

Clóvis Campêlo

Para mim, naquela época, Alaíde Drink's era melhor do que o Mollin Rouge de Paris. Era um puteiro modesto, nos anos 60 e 70, situado na Rua do Jaú, no lusco fusco da Zona do Pina. Mas de gratas recordações.
Uma radiola de fichas, encravada em uma das paredes laterais, no segundo saguão, tocava de Waldick Soriano a Jimi Hendrix, passando por B. J. Thomas. Depois que já estávamos biritados,Fire, era a nossa música preferida. E aquilo ali pegava fogo mesmo. Para acalmar, nos intervalos, Rock'n'roll lulaby. Ou seja, sexo, álcool e rock'n'rool. Hoje, os três itens são quase incompatíveis. Ou seja: não se passa impunemente pelos anos.
A Rua do Jaú era conhecidíssima. Nela, a zona do Pina resplandecia. Começava pela boate Primavera, no início da rua, por trás de onde hoje se situa o edifício do JCPM. O seu letreiro azul em gás neon podia ser visto na avenida Antônio de Goes e funcionava como um chamariz. Era uma casa de nível médio, digamos assim.
Mais adiante, na esquina com a Rua Comendador Moraes, ficava a famosa Casa Branca, com mulheres selecionadíssimas e bem mais caras. Apesar da sua fachada discreta, era um ambiente mais sofisticado e de bom gosto. Nada de baixarias. Para nós, na sua grande maioria filhos de funcionários públicos da classe média, era praticamente inacessível.
Restava-nos, portanto, o ambiente descontraído de Alaide Drink's, onde, além de tudo, a radiola de ficha nos satisfazia as exigências musicais. Ali bebíamos, dançávamos e conversávamos com as mulheres quando não estavam no metiê. Ali comemorávamos os feitos e as datas festivas, como, por exemplo, a conquista do tri no México, pela seleção brasileira de futebol. Aliás, aquela festa foi inesquecível. A boate fervilhava repleta de gente e alegria. O ambiente não era refrigerado (naquele tempo, um luxo distante) e as bandeiras do Brasil se enrolavam nos ventiladores de teto. Éramos brasileiros, jovens e tricampeões mundiais de futebol. E em plena ditadura militar, permitíamo-nos ser felizes.
Tudo era muito simples, na boate. Um letreiro grande, pintado, mas sem iluminação, indicava aos transeuntes que ali funcionava, com toda dignidade, um puteiro. A rua, aliás, não era ocupada apenas pelos estabelecimentos da zona. Também haviam residências. Na maioria das vezes, a convivência era pacífica e ordeira. E, durante o dia, era comum encontrarmos com as raparigas na praia do Pina, onde gostavam de tomar banho nas piscinas naturais em frente ao Cassino Americano. Não lembro de que houvessem grandes discriminações, embora a tradicional família pinense fosse um tanto quanto rígida nos seus valores morais e sociais.
Naquele tempo, quando a juventude insistia em nos fazer felizes, a liberdade sexual (ou o sexo livre, como chamávamos) era um sonho distante. Para os rapazes, restavam a opção das empregadas domésticas, com sua liberdade sexual revolucionária, ou as profissionais da zona, que, no caso de Alaíde Drink's, a preços módicos, satisfaziam-nos.
A todas essas figuras importantes rendo as minhas sinceras homenagem.

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