terça-feira, 6 de maio de 2014

Absurdo Futebol Clube


ABSURDO FUTEBOL CLUBE

Clóvis Campêlo

Embora diante dos absurdos do mundo o poeta tenha dito que nada mais justificaria o uso do sinal de exclamação, todos nós nos assombramos e emitimos interjeições de espanto com a morte trágica do torcedor ao final do jogo entre o Santa Cruz e o Paraná. Que impulso estranho e fatal o teria levado a sair de casa no intervalo de uma partida que não envolvia o clube do seu coração para um encontro com a morte, em uma noite de chuva intensa na cidade do Recife?
Segundo a imprensa, como recomendou a polícia, a torcida do Santa Cruz foi a primeira ao deixar o estádio ao término da partida. Só meia hora depois é que a torcida do adversário visitante foi liberada. Mesmo assim, algum espírito maligno ousou se ocultar em um dos banheiros do estádio para praticar o ato assassino. Como explicar essa sanha mortífera em um simples jogo de um campeonato brasileiro da Série B? São indagações interrogativas que insistem em nos inquietar a mente.
Se o Estatuto do Torcedor fosse mesmo levado à sério, o Estádio do Arruda (e talvez nenhum outro do Estado, com exceção da Arena Pernambuco) não teria condições de ser liberado para nenhuma competição. Mas, tanto no campeonatos estadual, regional e no brasileiro foi vistoriado pela entidades competentes e liberado para receber o público. Isso nos leva ao entendimento de que os interesses políticos e comerciais prevalecem diante das questões que garantam a segurança dos torcedores.
Uma falsa questão e que serviu apenas para causar impacto midiático e impressionar foi a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Não se bebe nos estádios, mas bebe-se nos seus entornos, muito embora não me pareça que essa seja a causa dos desvarios. Pois se a bebida, que é uma droga permitida e que rende lucros e renda aos clubes e ao Estado não é permitida, a maconha e talvez outras drogas até mais perigosas são consumidas livremente nas arquibancadas. Não vejo nenhuma atitude coibitiva ou mesmo de represália em relação a esse uso. Com certeza, o louco sanguinário que arremessou o vaso do alto das arquibancadas para atingir as pessoas que estavam na rua, não podia estar em seu estado normal de lucidez.
O futebol hoje está inserido no contexto da indústria do entretenimento. Muito dinheiro rola diante de eventos que mexem com o equilíbrio emocional dos torcedores. A própria Copa do Mundo é um evento de bilhões de dólares que não pode ser interrompida ou prejudicada por fatores extrínsecos. A paixão clubística, em muitos momentos, é estimulada de forma irracional e irresponsável. Todos sabem da força social e econômica que o futebol representada no mundo atual. No entanto, transformar tudo isso em mais um motivo para estimular-se a violência é absurdo.
As pessoas que estão na minha faixa etária, lembram com saudade dos tempos em que podíamos frequentar os estádios sem a necessidade de dividir-se as torcidas. É preciso que se faça uma análise sincero e profunda para ver a partir de onde houve a transformação maligna que transformou o esporte bretão em um campo de guerra e de mortes.

Recife, 2014

6 comentários:

Luiz Sá disse...

UMA VERGONHA ESSE ATO. CADEIA NELES. NAO SAO TORCIDAS SAO GANGUES, MARGINAIS. LEI DURA EM TODOS.

Gilvando Paiva disse...

Muito bom, Clóvis. Parabéns pelo comentário.

José de Oliveira Ramos disse...

Clóvis: meu companheiro fubânico, muito boa a sua matéria. Infelizmente, muitos que dirigem o nosso futebol não tem acesso ao que escrevemos aqui. De 1967 até 2012 estive envolvido com o esporte e mais tempo com o futebol. De 1967 até 1987, com o futebol, como Árbitro ligado ao quadro da Federação Cearense e Federação Carioca. Sou um mero desconhecido porque, no Brasil, quem é correto é jogado para escanteio. Para ser conhecido tem que estar na panelinha, participar de sacanagens ou oferecendo merreca para cronistas.
Como costumo dizer que a violência urbana começa em casa – porque os pais, hoje, temem os filhos e as leis engendradas para esse fim – digo, também, que grande parte dos problemas da violência no futebol começa dentro das quatro linhas. Os árbitros não punem mais ninguém – nem, especificamente, aos que merecem ser punidos. Dias desses, vi na televisão, um conterrâneo de vocês, equivocadamente apelidado de “Reizinho”, depois de chegar ao Vasco da Gama voltando de Paris, onde, afirmam, existe evolução e muita educação, literalmente “colocar o dedo em riste” nas fuças do Árbitro, reclamando algo. E tudo ficou daquele jeito mesmo. Du-vi-d-o-dó que ele fizesse aquilo com Sebastião Rufino, com Manoel Amaro de Lima, com Wilson Carlos dos Santos ou, comigo. Quebrava-lhe o dedo antes de expulsá-lo.
O Árbitro, de acordo com o que preconizam as 17 regras, tem inteiro domínio sobre tudo do jogo (estádio, jogador, diretor, torcedor e principalmente policiamento) 24 horas e 48 horas depois da efetivação da partida para a qual foi escalado como “única” autoridade. Mas, isso não se vê mais nos estádios. As outras decorrências já ficam a cargo das autoridades policiais que são verdadeiros babacas. A sociedade também. Os advogados, idem. O que aconteceu com aqueles torcedores corintianos que “mataram” um adolescente fora do País? Estão soltos, aprontando em todos os jogos e, pasme, “com a segurança da Polícia”!
A primeira coisa que dizem de um merdinha desses que jogou o sanitário no outro e acabou matando-o, é que ele é “doente”! Doente um cacete”! Doente porque não matou nenhum parente de autoridade. Infelizmente, tem sido assim!

Sonia Regina disse...

Artigo irretocável.
Concordo com o Sr. Monsenhor José em tudo.
O que é uma torcida uniformizada senão um monte de gente que deve ter uma finalidade, um chefe, financiamento, estatuto e sei mais o que. Quem financia tudo isso? Tem carteirinha da entidade? Tem um cadastro? Por ultimo, quem poderia informar essas dúvidas?
Não foi um torcedor fanático que praticou a barbárie. O fanático xinga o juiz, os jogadores, até a mãe de todos eles. Quem vem cometendo todos esses desatinos são pessoas revoltadas com a vida, violentas e também covardes que necessitam de objetos perigosos e não seus próprios punhos, utilizados pelos brigões das antigas. Sr. Jose disse bem quando se refere a educação de casa, na falta quem deve tomar pulso é o Estado com regras e cumprimento das mesmas.
Desculpe a utopia, um Estado que não cumpre regras não pode exigir dos outros.

Mauro Pereira disse...

Caro Clóvis Campello, boa tarde.
Caro amigo, sempre fui um palmeirense fanático e assíduo frequentador dos estádios de futebol. Assisti até um Portuguesa e Botafogo(RJ) no Canindé. Não perdia uma das rodadas duplas do campeonato brasileiro. Vencido pelo temor, me afastei dos campos de futebol há mais de 20 anos.
Você lembra com muita propriedade do tempo em que não existia torcedor profissional e os estádios e seus entornos não eram uma área conflagrada.
Eu tive a oportunidade de assistir rodadas duplas, por exemplo, com os seguintes jogos, todos no Morumbi: PalmeirasxAmérica Mineiro e São PauloxGuarani; SantosxGrêmio e CorinthiansxCeará, e não me lembro de ter visto cenas de violência generalizada. No máximo, algumas escaramuças pontuais. Rodadas com esse formato nos dias de hoje, com certeza seria um convite à barbárie, você não acha?
Por detrás dessa violência insana que assola a sociedade brasileira, o futebol é só um de seus aspectos, está a desfragmentação da família, mas esse é um outro assunto.
Excelente texto. Parabéns!
PS: Zé Ramos matou a pau no seu comentário. Grande Zé!

José Trajano Chacon disse...

“Que impulso estranho e fatal o teria levado a sair de casa no intervalo de uma partida que não envolvia o clube do seu coração para um encontro com a morte, em uma noite de chuva intensa na cidade do Recife?”
Só faltou dizer que o falecido saiu de casa para ir bagunçar na casa dos outros. Não, essa não é a verdade. O rapaz era membro de torcida organizada, Jovem do Sport, e foi lá conhecer e tirar fotos da organizada do Paraná. A polícia colheu do seu celular várias imagens que comprovam isso.
Na saída ele estava junto da torcida paranaense, alvo do torcedor da Inferno Coral, ao ter seu celular apreendido pela polícia, onde foi constatada uma mensagem de comemoração pela morte: “matei um alemão”.
Enganou-se. Matou um torcedor da Jovem, torcida que também não é flor que cheire, e lascou com o Santa Cruz que deverá perder mais de 10 mandos de campo.
A lamentar, o imenso erro estratégico da polícia: era para tirar primeiro a torcida do Paraná e segurar os marginais do Santa Cruz no seu campo.
Liberados adiante, eles voltaram e agrediram com pedras os torcedores paranaenses com alguns membros da torcida Jovem do Sport no meio, embora com camisas do clube paranaense.
O Sr. já pensou no próximo encontro entre Santa Cruz e Paraná? E entre Sport e Santa Cruz?