quarta-feira, 5 de outubro de 2016

No mesmo lugar


NO MESMO LUGAR

Clóvis Campêlo

Dizia Chico Science (por que não Chico Ciência, pergunto eu repetindo a xenofobia do mestre armorial?) que “um passo atrás e já não estamos mais no mesmo lugar”. É verdade. A afirmação contrária, também. Apenas, nem sempre é possível o passo à frente. E como vivemos em um sistema que sugere a evolução em linha reta, numa sequência direta de eventos e acontecimentos, saltar de banda pode nos parecer, às vezes, um recuo vergonhoso.
Caranguejos ou não, atolados na lama ou não, temos a responsabilidade de ter cérebros. Não para justificativas a terceiros, mas por uma questão de sobrevivência. Difícil, porém, é manter a coerência na hora do recuo, dizer não à debandada fácil e frouxa. Isso deve ficar para os ratos. Aos homens de bem, deve ser dado o direito a uma trégua, um recondicionamento, um reencontro consigo mesmo e com os seus ideais. Afinal, nadar contra a corrente da mesmice e dos valores consolidados, não é fácil, embora acredite necessário. A mudança sempre passa por aí.
Todos querem apenas segurança e repetições. Não nos cabe julgar, se é justo ou não. Cada um deve saber das suas idiossincrasias. Cada um deve saber a dor e a delícia de se ser o que é. Afinal, vale a pena repetir o poeta, a pimenta malagueta do planeta?
O problema é que essa vontade de ser feliz pode acabar nos matando. Toda ousadia será castigada? Ou será mesmo necessário provar o remédio amargo da eterna repetição dos papéis sociais e antropológicos? Neste admirável mundo atual, até a tristeza deve ter seus dias contados (está no script!).
Nas florestas tropicais ou nas selvas de pedras, somos os responsáveis por nós mesmo. E talvez não tenhamos uma segunda chance de sobrevivência. Nas estatísticas, somos apenas números insignificantes. Ilude-se quem quiser. A insignificância coletiva confunde-se com o sonho da importância da personalidade própria e individualista. Acabamos por adentrar na perigosa zona do personalismo inútil e tolo.
Talvez caiba aqui a autocrítica do maniqueísmo ideológico. Afinal, quem não está comigo está contra mim. Se não nos afinamos no campo das ideias, muito menos nos afinaremos nos campos das ações e das estratégias. Caminhos em sentidos e direções contrários. Nada de interseções. Alimentamos conjuntos vazios. Somos caminhantes soturnos e solitários buscando a anulação mútua e atendendo aos interesses do sistema. Tudo em nome das possibilidades. A mais pura tolice, embora eu mesmo não consiga deixar de pensar assim.
Assumo bem assumidamente esse modo estúpido e inevitável de pensar. Afinal, a estupidez também remove montanhas e eu nem mesmo sou Maomé. São Tomé, talvez. Preciso ver para crer. E crendo, ajo. E agindo, evoluo ou recuo. Assim é a vida, até que a morte nos separe. Até que aprendamos a separar o joio do trigo e metamorfoseá-lo no pão, aproveitando o ácido glutâmico que dizem ser o ácido da inteligência. Sem brometo de potássio e sem doses excessivas de fermento. Apenas a massa manufaturada e pronta para o consumo que alimenta a vida.
Até um dia, até talvez, até quem sabe!

Recife, outubro 2016

2 comentários:

Aristóteles Pinheiro disse...

Mas nunca pare de sonhar!

Aristóteles Coelho disse...

m primeiro: vc também é xenófobo, igual a A.S.?
Eu, estou sempre no mesmo lugar, nenhum passo atrás, nem à frente, e nem pros lados, feito o siri aí da foto (bela foto por sinal, dá pra escutar ele respirando), mas continuo sonhando. Sempre sonhando e acreditando.
Continuemos a lutar pelos nossos ideais, e de vez em qdo ignoremos as regras impostas. Ignoremos, também, principalmente, a sorte e o destino do nosso vizinho.
Walking and shitting, forgiveness, singing.