segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Guerra e paz


GUERRA E PAZ

Clóvis Campêlo

Sou de paz em tempos de guerra e de guerra em tempos de paz. Evoluções me interessam. Mentiras sinceras, não. Talvez isso faça com que me sinta vivo no mar de insensatez que é a vida moderna.
Sempre que vejo imagens antigas do passado, fico pensando como a vida parecia ser mais fácil antigamente. Talvez esteja ficando velho demais para acompanhar a rapidez das mudanças atuais. Nem mesmo consigo entender o que fala meu neto mais velho, Pedro, quando se refere aos seus jogos e personagens virtuais. Percebo que hoje a maior parte das minhas referências estão no passado. Quando muito, consigo manejar o computador e escrever minhas mal traçadas linhas. Já me contento com isso.
Confesso que sempre almejei um mundo melhor, com mais justiça social e melhor distribuição de renda. Para mim, seria apenas uma questão de tempo para que isso acontecesse. Imaginava que um dia as pessoas perceberiam o equívoco dos seus credos e optariam por um mundo mais equânime.
Nos tempos do Jubrapi, no Pina, nos seminários promovidos pelos padres oblatos, o sociólogo Carlos Rocha afirmava que o socialismo seria uma consequência natural do capitalismo. Era esperar para ver. No mundo justo de Deus não deveria haver espaço para a fome, a exploração do homem pelo próprio homem, a injustiça. Eu tinha a impressão, naquela época, de que o próprio Deus estava empenhado no restabelecimento desse equilíbrio. Afinal, éramos todos irmãos (ou deveríamos sê-los). A divisão geopolítica do mundo sempre me pareceu um equívoco e ser remediado. Era só escolher o caminho e segui-lo. Haveria uma força tamanha a proteger os homens de boa vontade que se empenhassem nisso. Eu, na ingenuidade da minha adolescência, acreditava piamente nisso. Na maior parte da minha vida, direcionei os meus esforços e esperanças nesse sentido. Não me arrependo, mas poderia ter sido um pouco menos crédulo, mais pragmático e ter percebido que a vida, no futuro, especialmente a minha, quando as forças vitais começassem a fraquejar, necessitaria de uma melhor estrutura para se apoiar e sobreviver.
Hoje, percebo estarrecido que antigos amigos que dividiam conosco essas esperanças e crenças, mudaram de atitude e, não sei se por benefícios pessoais ou por degeneração de caráter, defendem ideias e políticas deletérias e facciosas. Como, para mim, toda relação humana deve se basear em fatos concretos comuns, não vejo como manter esses relacionamentos apenas baseado em pontos comuns do passado ou em considerações mortas e insustentáveis. Não consigo achar que a verdade possa ter dois lados. E dentro da visão maniqueísta de que quem não está comigo está contra mim, passo a vê-los, no mínimo, como antagonistas.
Se a minha pretensão ainda é encaminhar o mundo para o lado da justiça e da irmandade (mesmo que isso possa parecer cada vez mais impossível) não tenho como conviver ou perder tempo com equívocos e maus discernimentos.
Penso que hoje vivemos a educação para o egoísmo e a individualidade. Vivemos a bestialização das pessoas e a insensibilidade diante dos problemas do mundo e do outro. Deixar-se envolver e levar por isso, para mim, significa desistir de toda uma vida de lutas e de atitudes em busca do bem comum.

Recife, outubro 2016

3 comentários:

Antônio Leal Campos disse...



PREZADO CLÓVIS,


PARA PETULANTEMENTE NÃO DIZER QUE SÃO MEUS OS SEUS SENTIMENTOS EXPOSTOS NA CRÔNICA "GUERRA E PAZ",
DIGO QUE OS TORNEI MEUS.

É IMENSA MINHA DECEPÇÃO QUANTO AO IMENSO DESENCANTO EM QUE O MUNDO SE TRANSFORMOU.

O MAIS É UMA CRENÇA IRRACIONAL E LOUCA QUE O HOMEM POSSA UM DIA SER DE FATO SAPIENS
E NÃO "BURRENS",
COMO TEM SIDO ATÉ O PRESENTE E CADA DIA MAIS.


ABRAÇANTO

Pedro Du Bois disse...

Texto daqueles que gostaria de (eu) ter pensado. Assino embaixo do Abraçacanto. Abraços.

Luzilá Gonçalves Ferreira disse...

De acordo com Jomard. Mas tem gente que não é possível amar, como dizia o apóstolo Paulo: se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Tem gente que não dá, é esquecer. Bjs