Clóvis Campêlo
Já faz tempo que os muros de Londres foram pichados com a frase famosa.
Em 1966, eu ainda morava no Pina, pescando, jogando bola e acompanhando a trajetória dos Beatles e dos Brecheiros, os ted boys que incomodavam o bucolismo e a lentidão do bairro. A juventude era bela, poderia até me arriscar. Porém, se os Beatles revolucionaram o mundo, a revolução dos Brecheiros logo acabou, afundada nas drogas, na ilicitude e nas ruas do Pina.
E olhe que quase tudo nos parecia ser tão lógico. Hoje, dos Beatles, apenas dois sobrevivem. Os Brecheiros, morreram todos. O último, talvez, tenha sido Marco Bobão, morto quando o bairro já começava a se transformar, remodelado pela especulação imobiliária e pela engenharia das largas avenidas, que espantou terreiros de macumba, afoxés e maracatus, gafieiras, pescadores e o lúmpen proletariado que lhe era habitual. Ali conviviam o mundo pop de então, trazido pelo rádio, televisão e cinema, e a cultura popular dos excluídos e marginalizados. O Pina era um caldeirão cultural que fervia e cheirava mal.
A classe média, que admirava os Beatles e temia a ousadia dos Brecheiros, porém, não só sobreviveu como aumentou o seu espectro e se consolidou. Os tempos começavam a mudar. Enquanto os Beatles cantavam All You need os love, os Brecheiros olhavam escondidos as moças de família da classe média pinense tomando banho ou vestindo seus pijamas e camisolas para dormirem. Eu, nunca tive essa coragem, embora tivesse a vontade. Afinal, as filhas da classe média daquela época já eram belas e apetitosas. Hoje, são todas respeitáveis e loiras senhoras, embora algumas ainda mantenham um certo e discreto charme.
Mas, onde entraria Eric Clapton nisso tudo? Em 1966, London City teve os seus muros pichados por jovens enlouquecidos pela maconha e pelos acordes das guitarras de Clapton. Para eles, Deus era Clapton (ou vice-versa). Clapton tinha então vinte anos de idade, e dominava a cena pop inglesa tocando com os Beatles e os Rolling Stones, entre outros. Nas horas vagas, compunha músicas para a esposa do amigo fiel e traído. O nosso “Deus” ainda tinha as gônadas funcionais e atrevidas. O futuro absorveria e absolveria o ato. A música pop ganhava outros clássicos musicais para lhe alimentar a saga de lucros e todos viveriam felizes para todo o sempre. Para que fomentar sacrilégios inúteis?
Hoje, vejo no blog Sonoridades, do reacionário e careta Estadão, que aos 71 anos de idade, Clapton sofre de neuropatia, doença que geralmente acomete diabéticos e hipertensos. E tudo começou com inexplicáveis dores nas costas. A doença é incurável e provoca danos irreparáveis no sistema nervoso. Como diria Lupicínio, não há nervos de aços que resistam e estejam imunes a tantos adjetivos.
A realidade é que Clapton (ou God) envelheceu e está doente. E do mesmo modo que o tempo levou o vento dos anos 60, carregando os sons e as ousadias daquela época, também se prepara para passar a limpo o que veio depois e o que hoje existe e persiste. Inexorável tempo, mestre de todas as criações e de toda a destruição da vida.
Em 1966, eu ainda morava no Pina, pescando, jogando bola e acompanhando a trajetória dos Beatles e dos Brecheiros, os ted boys que incomodavam o bucolismo e a lentidão do bairro. A juventude era bela, poderia até me arriscar. Porém, se os Beatles revolucionaram o mundo, a revolução dos Brecheiros logo acabou, afundada nas drogas, na ilicitude e nas ruas do Pina.
E olhe que quase tudo nos parecia ser tão lógico. Hoje, dos Beatles, apenas dois sobrevivem. Os Brecheiros, morreram todos. O último, talvez, tenha sido Marco Bobão, morto quando o bairro já começava a se transformar, remodelado pela especulação imobiliária e pela engenharia das largas avenidas, que espantou terreiros de macumba, afoxés e maracatus, gafieiras, pescadores e o lúmpen proletariado que lhe era habitual. Ali conviviam o mundo pop de então, trazido pelo rádio, televisão e cinema, e a cultura popular dos excluídos e marginalizados. O Pina era um caldeirão cultural que fervia e cheirava mal.
A classe média, que admirava os Beatles e temia a ousadia dos Brecheiros, porém, não só sobreviveu como aumentou o seu espectro e se consolidou. Os tempos começavam a mudar. Enquanto os Beatles cantavam All You need os love, os Brecheiros olhavam escondidos as moças de família da classe média pinense tomando banho ou vestindo seus pijamas e camisolas para dormirem. Eu, nunca tive essa coragem, embora tivesse a vontade. Afinal, as filhas da classe média daquela época já eram belas e apetitosas. Hoje, são todas respeitáveis e loiras senhoras, embora algumas ainda mantenham um certo e discreto charme.
Mas, onde entraria Eric Clapton nisso tudo? Em 1966, London City teve os seus muros pichados por jovens enlouquecidos pela maconha e pelos acordes das guitarras de Clapton. Para eles, Deus era Clapton (ou vice-versa). Clapton tinha então vinte anos de idade, e dominava a cena pop inglesa tocando com os Beatles e os Rolling Stones, entre outros. Nas horas vagas, compunha músicas para a esposa do amigo fiel e traído. O nosso “Deus” ainda tinha as gônadas funcionais e atrevidas. O futuro absorveria e absolveria o ato. A música pop ganhava outros clássicos musicais para lhe alimentar a saga de lucros e todos viveriam felizes para todo o sempre. Para que fomentar sacrilégios inúteis?
Hoje, vejo no blog Sonoridades, do reacionário e careta Estadão, que aos 71 anos de idade, Clapton sofre de neuropatia, doença que geralmente acomete diabéticos e hipertensos. E tudo começou com inexplicáveis dores nas costas. A doença é incurável e provoca danos irreparáveis no sistema nervoso. Como diria Lupicínio, não há nervos de aços que resistam e estejam imunes a tantos adjetivos.
A realidade é que Clapton (ou God) envelheceu e está doente. E do mesmo modo que o tempo levou o vento dos anos 60, carregando os sons e as ousadias daquela época, também se prepara para passar a limpo o que veio depois e o que hoje existe e persiste. Inexorável tempo, mestre de todas as criações e de toda a destruição da vida.
Recife, outubro 2016
- Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018.
6 comentários:
Pina, Recife; Clapton, Londres. Nunca fomos tão universais quanto nos anos 60. Hoje, por mais globOlizados que sejamos, nunca fomos tão corriqueiramente locais. Belíssimo trecho, caro Campêlo. Abraços.
Comentei lá no Face:"Parabéns, Clóvis Campêlo. Taí um filão as er mais explorado". E acerscento aqui: se possível, publique em letras maiores.
A maioria de nós é míope.
Abraço
Muito bem, Clóvis! Mais um textão de alto nível!
Cada um tem o deus q merece.
Eu tenho dois. O meu transitório neste momento é Ian Gillan
... e por falar nisso, me vem a declaração do russo astronauta: "Estive lá no espaço sideral e não vi deus"; a outra é de JOHN LENNON: "Somos mais famosos do que Jesus Cristo". No anexo, há uma forma pessoal de ver o messias. Espero apreciem. (ou não)
abraço, WS
Que lindo, Clóvis! E que triste...
Postar um comentário