sábado, 7 de junho de 2014

A Lei da Palmada


A LEI DA PALMADA

Clóvis Campêlo

Diz o dito popular que de boas intenções o inferno anda cheio. E se a voz do povo é a voz de Deus, Ele, o Todo Poderoso, mais do que ninguém, deve saber que isso é verdade verdadeira.
Além do mais, até que o ponto o Estado deve interferir na relação familiar e na educação dos filhos pelos pais? A chamada Lei da Palmada, que oficialmente se chamará Lei Menino Bernardo, em homenagem ao neto do senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Brasileiro, que acompanhou a votação da lei no colo da apresentadora Xuxa Meneghel, foi aprovada pelo Senado.
Ninguém de bom senso vai concordar de que a violência física é uma boa educadora. Se assim o fosse, a Febem já teria formado verdadeiros cidadãos, em vez de aprofundar os seus internos no caminho do crime e da exclusão social. E, se entre o nosso aparato legislativo, já temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, para que se criar uma lei ainda mais restrita e pontual?
Por si só, a lei já é polêmica. Torna-se ainda mais discutível por incluir no rol dos seus possíveis atingidos os médicos, professores e agentes públicos que tomarem conhecimentos das violências praticadas pelos pais contra os filhos e não as denunciar às autoridades competentes. Estes poderão ser punidos com multas que atingem até o valor de 20 salários mínimos (mais de 15 mil reais). Os pais contraventores, entre outras coisas, deverão ser encaminhados para programas especiais de proteção à família e a cursos de orientação, além de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. A eles, não caberá nenhuma punição pecuniária.
Se, como se dizia antigamente, a família é a célula mater da sociedade, a violência exercitada no seu interior reflete apenas a violência reinante no ambiente social em que vivemos. E para esse mal, já existe o remédio legal adequado, muito embora ele não atinja e não modifique as suas possíveis origens. Para se modificar a relação familiar, seria necessário modificar-se a relação social, educar o homem para vida comunitária e para o respeito ao seu semelhante. E isso, efetivamente, não combina com as pretensões individualistas atuais, que nos educa para a eficiência na esperteza e na ganância do trato com o outro.
Aonde todo esse aparato repressivo e de intervenção do Estado na relação social e familiar vai nos levar, eu não sei. Mas, com alguma certeza, não será ao equilíbrio e a uma condição de evolução humana.
Quanto mais dura e lei, maior a necessidade da burla e da criação de mecanismos enganatórios. Numa sociedade onde se reflita a satisfação das necessidades sociais e a satisfação das necessidades pessoais do cidadão, cada vez menos será necessária a intervenção regulatória estatal.
Por isso, como dizia aquele antigo comercial televisivo, dura lex sed lex, no cabelo só gumex!

Recife, junho 2014

5 comentários:

Cristina Capristano disse...

Olá, Clovis
Se concordamos que a violência não educa, e que a violência reinante na sociedade também é responsável pela violência na família, a lei então se torna necessária. Concordo com vc que a lei por si só não vai resolver o problema, porém que outra forma mais avançada e democrática teríamos de regulação social do que as leis, no atual momento histórico?
Entendo que o fato de o estado brasileiro ter sido sempre autoritário, não quer dizer que não precisamos de leis. E mais ainda das que regulem a violência dos mais fortes contra os mais fracos. E a violência dos adultos contra as crianças é um destes casos, sem esquecer que a violência institucional contra as crianças, (da escola, dos reformatórios, etc., e não só no Brasil), tb sempre foram exercidas a partir da autoridade do pátrio poder.
No meu entender, as reflexões sobre a lei e a responsabilização dos agentes institucionais é um passo importante na mudança, para, no sentido que vc escreveu, ser "cada vez menos será necessária a intervenção regulatória estatal."

Aristóteles Coelho Pinheiro disse...

Xuxa, a rainha dos baixinhos, a rainha dos altinhos e de suas fantasias.
Ela bem representa toda esta encenação.
O Estado aos poucos, vai fechando todo o controle em cima do cidadão.
Esta Lei é inútil, mas, perigosa. Qualquer repreensão mais exaltada do pai sobre o filho, está passível de punição. Os casos chocantes de agressão e de assassinato de menores que a mídia explora a exaustão, desvirtua o entendimento dos fatos e deixa o Estado ficar bem a vontade pra criar as aberrações que bem entenda.
Acho que o Estado e seus legisladores precisam de umas boas palmadas!
Em tempo.
Acho que a Lei Menino Bernardo é em homenagem ao garoto assassinado a mando do pai, médico gaúcho. (Escolha, aliás, bastante imprópria para batizar uma lei que quer punir apenas excessos na educação doméstica, o que nada tem em comum com um assassinato frio e bárbaro)

Glória Braga Horta disse...

Eão sei pra que essa lei se já existe o Estatuto da Criança e do Adolescente que, entre outros direitos à criança e ao adolescente, diz:
“Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

Walter Silva disse...

Lei por lei - no caso ordinária - o acervo nacional está cheio delas. Basta saber que o Estado conta hoje, no poder legislativo, com um número em torno de
oitenta mil leis ordínárias. Sim... isto mesmo. A questão não é conceber apenas leis.
É construir uma sociedade que se possa auto-gerir. Difícil lá isso é, mas não
impossível. Dessas oitenta mil leis ordinárias, quantas são realmente aplicadas em sua
inteireza? Uma lei reflete também o tonus cultural. E qual é o reboco de nossa cultura?
O Estado luta para proteger o indivíduo criando o mínimo possível de arranhões no
tecido social. Os juízes enlouquecem para aplicar leis frouxas, inconsistentes e de
difícil aplicabilidade. Parece que neste país as leis são feitas em quantidade mas pecam
em qualidade que as levem a ser bem aplicadas.
Será então, no caso, mais uma lei? Eu particularmente creio que se educa
com exemplos. Pergunta-se: o legislador, ele mesmo, tem idoneidade e probidade
suficientes que sirvam de exemplo? ou conceber leis independe do caráter do legislador?
Que bom se fosse a conduta social regida pelo consuetudinário!
Debatamos mais pra se ver aonde se pode chegar.

Berenice disse...

E preocupante o processo de judicializacao na família. Não podemos esquecer que o direito e linear - autor e reu - e o funcionamento da familia e circular abrangendo inclusive geracoes e
sistemas de relacoes articulados. Assim teremos mais leis, mais processos jurídicos e confusões . E sabido que no mundo de hoje procura-se alternativas ao processo jurídico , como a mediação , penas alternativas.