Clóvis Campêlo
Sou daqueles que ainda gostam de consultar o dicionário. Mesmo em tempos de google e wikipédia, que nada mais são do que dicionários transvestidos de modernidade. O dicionário é uma das bússolas do escritor e dos aprendizes de poeta. Assim, folheio o meu velho aurélio, companheiro de décadas, em busca da palavra uivo, a qual ele assim define: voz lamentosa de diversos animais quando parecem chorar, grito agudo.
A palavra, eu a encontrei no texto Aos Pariceiros dos Anos 80 (um uivo recifense) do livro Poemas Diversos, do poeta pernambucano Valmir Jordão. Desnecessário dizer que a primeira correlação feita por mim foi com o poema O Uivo, de Allen Gisberg. Pois se o uivo americano dos anos 50 serviu (e ainda serve) como roteiro para se compreender a cultura beat em confronto com o reacionarismo americano daqueles anos, o longo poema de Valmir Jordão traça um perfil completo dos poetas marginais recifenses dos anos 80 e da sua “contracultura” em confronto com a obtusidade da província naquelas eras.
Não o conheci naquela época, porém. Dele me aproximei no começo dos anos 90, quando eu integrava a direção do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco e ele fazia parte de um pelotão de militantes voluntários, sempre a postos em busca de uma revolução que nunca veio. Para mim, rapaz de boa família, respeitador e politicamente correto, ele representava a força caótica do lúmpen, que precisava ser canalizada para a transformação social final. Como de poeta e de louco, ele sempre teve um pouco, atraia-me e me assustava ao mesmo tempo.
De lá para cá, mudei eu, mudou o movimento sindical, que se profissionalizou e deixou o voluntarismo de lado, e talvez também tenha mudado o poeta. Assim, o reencontro no Paço Alfândega, no Recife, de livros em punho, vendendo-os num corpo-a-corpo ingrato. Essa é e sempre foi a sua vida: escrever, militar, permitir-se a resistência. Editar seus livros e vendê-los sempre me pareceu uma tarefa árdua e interminável, um trabalho de Sísifo, mas que aparentemente lhe alimenta a resistência física e ideológica. Seus poemas são recheados desse material questionador e crítico, que traz nas entrelinhas uma nova e inviável proposta cósmica. Instigante e quixotesco.
Em alguns poemas mais recentes, entretanto, mostra-se o poeta mais ameno e, de certo modo, mais romântico. Poema para Clara, por exemplo, é um deles. Não só pela forma arcaica do soneto por ele utilizada, mas por algumas construções frasais inéditas e pelas metáforas diferenciadas. Criativamente, o poeta inquieta-se mais uma vez e sem perder a essência da sua verve, permite-se caminhar por caminhos mais suaves emocionalmente.
No hai-kai Da História, essa minha desconfiança inicial confirma-se nos versos novos da mudança: “revolução? esqueça / chega de afiar guilhotinas / e perder a cabeça.”
Em outro hai-kai, Dos Poetas, a confirmação do insighting e da disposição para talvez seguir caminhos inusitados ditados pela nova consciência: “poesia? é questão de fé / torna-se um Sidarta / ou um São Tomé.”
Os seus textos confirmam: o bardo sobreviveu a si mesmo e às suas convicções ideológicas. Aguardemos, assim, quais serão os novos rumos do poeta kami-quase.
A palavra, eu a encontrei no texto Aos Pariceiros dos Anos 80 (um uivo recifense) do livro Poemas Diversos, do poeta pernambucano Valmir Jordão. Desnecessário dizer que a primeira correlação feita por mim foi com o poema O Uivo, de Allen Gisberg. Pois se o uivo americano dos anos 50 serviu (e ainda serve) como roteiro para se compreender a cultura beat em confronto com o reacionarismo americano daqueles anos, o longo poema de Valmir Jordão traça um perfil completo dos poetas marginais recifenses dos anos 80 e da sua “contracultura” em confronto com a obtusidade da província naquelas eras.
Não o conheci naquela época, porém. Dele me aproximei no começo dos anos 90, quando eu integrava a direção do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco e ele fazia parte de um pelotão de militantes voluntários, sempre a postos em busca de uma revolução que nunca veio. Para mim, rapaz de boa família, respeitador e politicamente correto, ele representava a força caótica do lúmpen, que precisava ser canalizada para a transformação social final. Como de poeta e de louco, ele sempre teve um pouco, atraia-me e me assustava ao mesmo tempo.
De lá para cá, mudei eu, mudou o movimento sindical, que se profissionalizou e deixou o voluntarismo de lado, e talvez também tenha mudado o poeta. Assim, o reencontro no Paço Alfândega, no Recife, de livros em punho, vendendo-os num corpo-a-corpo ingrato. Essa é e sempre foi a sua vida: escrever, militar, permitir-se a resistência. Editar seus livros e vendê-los sempre me pareceu uma tarefa árdua e interminável, um trabalho de Sísifo, mas que aparentemente lhe alimenta a resistência física e ideológica. Seus poemas são recheados desse material questionador e crítico, que traz nas entrelinhas uma nova e inviável proposta cósmica. Instigante e quixotesco.
Em alguns poemas mais recentes, entretanto, mostra-se o poeta mais ameno e, de certo modo, mais romântico. Poema para Clara, por exemplo, é um deles. Não só pela forma arcaica do soneto por ele utilizada, mas por algumas construções frasais inéditas e pelas metáforas diferenciadas. Criativamente, o poeta inquieta-se mais uma vez e sem perder a essência da sua verve, permite-se caminhar por caminhos mais suaves emocionalmente.
No hai-kai Da História, essa minha desconfiança inicial confirma-se nos versos novos da mudança: “revolução? esqueça / chega de afiar guilhotinas / e perder a cabeça.”
Em outro hai-kai, Dos Poetas, a confirmação do insighting e da disposição para talvez seguir caminhos inusitados ditados pela nova consciência: “poesia? é questão de fé / torna-se um Sidarta / ou um São Tomé.”
Os seus textos confirmam: o bardo sobreviveu a si mesmo e às suas convicções ideológicas. Aguardemos, assim, quais serão os novos rumos do poeta kami-quase.
Recife, 2014
Um comentário:
Obrigado poeta Clóvis Campelo, por seu desprendimento e generosidade. Carpe diem!
Valmir Jordão
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