domingo, 15 de janeiro de 2012

De onde vem o baião?



DE ONDE VEM O BAIÃO?

Clóvis Campêlo

Em tempos de bandas de baião eletrônico, caberia repetirmos a pergunta do poeta: de onde vem o baião? Vem de baixo, do barro, do chão?
Segundo o estudioso da música popular brasileira, José Ramos Tinhorão, tão ridicularizado pelos intelectuais cariocas do finado O Pasquim, nos anos 70, o baião teve a sua origem em um tipo de batida de viola chamado exatamente de "baião".
Assim sendo, ainda segundo Tinhorão, o baião nasceu provavelmente de uma forma especial dos violeiros da zona rural do Nordeste tocarem lundus, que por lá chegaram com o nome de "baiano". De "baiano" à "baião" foi um pulo de vários acordes e notas. O pesquisador reforça a sua opinião ao lembrar de um depoimento prestado pelo compositor e sanfoneiro Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, à revista Veja, em 15 de março de 1972: "Quando toquei o baião para ele (Humberto Teixeira), saiu a idéia de um novo gênero. Mas o baião já existia como coisa do folclore. Eu tirei do bojo da viola do cantador, quando faz o tempero para entrar na cantoria e dá aquela batida, aquela cadência no bojo da viola. A palavra também já existia. Uns dizem que vem do baiano, outros que vem de baía grande. Daí o baiano que saiu cantando pelo sertão deixou lá a batida e os cantadores do Nordeste ficaram com a cadência. O que não existia era uma música que caracterizasse o baião como ritmo. Era uma coisa que se falava: "Dá um baião aí..." Tinha só o tempero, que era o prelúdio da cantoria. É aquilo que o cantador faz, quando começa a pontilhar a viola, esperando a inspiração".
Para reforçar a sua opinião, o pesquisador cita ainda a folclorista Marisa Lira, em um artigo intitulado "Baião I", da série Brasil Sonoro, publicado no jornal Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 1º de março de 1958, onde ela afirma: "O baião é de um modo geral o ritmo da viola sertaneja. Tanto que no Ceará, Pernambuco e Paraíba, tocar baião significa marar na viola o ritmo alegre e contagiante com que se acompanham os cantadores nos improvisos, desafios e pelejas". Ou seja, Tinhorão confronta opiniões de duas fontes distintas, ambas abalizadas, e confirma a coincidência de informações.
Seguindo essa linha de raciocínio e procurando chegar às condições que propiciaram a aceitação do baião no meio urbano brasileiro, Tinhorão destaca ainda a contribuição dada a esse processo evolutivo pelo maestro cearense Lauro Maia. Precocemente falecido em 1950, aos 37 anos de idade, ele percebeu a riqueza melódica desse manacial da música nordestina, criando um ritmo chamado de "balanceio", que já não era mais o ponteio das violas, embora dela aproveitasse o ritmo, e nem era ainda o baião estilizado da forma como o organizaram Gonzagão e Humberto Teixeira.
Portanto, o baião surgiu como um desdobramento da batida dos violeiros nordestinos tocadores de lundus, passando pelo balanceio do cearense Lauro Maia e desaguando em um cenário urbano repleto da mesmice dos boleros e dos sambas-canção abolerados. Nessa época, a MPB ainda incipiente estava estagnada.
Em 1946, Gonzagão e Humberto Teixeira lançaram a música intitulada "Baião", onde, segundo Tinhorão, "o novo gênero se apresentava, de maneira muito feliz, com uma letra em que, além de acentuar essa novidade, ainda revelava claramente o seu próposito de servir com ritmo de dança".
Assim, enquanto o samba se amolengava desde meados da década de 1940, segundo o musicólogo Cruz Cordeiro, também citado por Tinhorão, sendo mais bolero, blue, tango, qualquer outra coisa, menos samba brasileiro, o baião ganhava popularidade rapidamente, pela vitalidade do seu ritmo, e conquistava o Brasil e o exterior.

FONTE: TINHORÃO, José Ramos, Pequena História da Música Popular, Editora Vozes, Petrópolis, 1974, pag. 209/217.

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, domingo, 06.06.2010, Opinião, pág. 11.

- Postagem revisada em 28/01/2018

Um comentário:

Valdez Cavalcanti disse...

O batuque do lundu chegou com os bantos, trazido diretamente de África. O batuque deu azo à dança das senzalas, solta, individual, quase cômica, arremedo de comédia com umbigadas. Daí pra baiano e para o choro das violas sertanejas, com pequenas variações de Estado para Estado. E como Gonzaga disse, aproveitou-lhe a batida.