TIRO AO ÁLVARO
Clóvis Campêlo
Boca-de-Caçapa e Rubinato já haviam me alertado sobre aquele espaço: “Cai fora, rapaz! Sai desse imprensado! Aquilo ali não é lugar pra tu, esquerdista tupiniquim, impregnado do marxismo barato do além-mar! Ali, existe uma saudade draculiana do sangue derramado no passado!”
E eles, como sempre, tinham razão. Fui eu que não acreditei. E por não acreditar, expus-me à sanha reacionária. À vezes, não me suporto por isso. Por essa incapacidade de ver antecipadamente a inutilidade das coisas, por achar que boa vontade e caldo de galinha sempre vão fazer bem a todos e resolver os problemas que por acaso venham a surgir. Em um mundo marcado pela falta de amistosidade, ainda acredito nisso. E, por acreditar, termino por me expor desnecessariamente.
Mas, não é exatamente a opinião diversa que me desagrada.Com ela, dentro dos limites da civilidade e da boa educação, consigo conviver e dialogar numa boa. O que agride mesmo são os subterfúgios de pessoas que não tendo a coragem de mostrar a cara, escondem-se atrás de pseudônimos ou nomes falsos para expor a sua visão capenga do mundo. Uma covardia. Afinal, retrógrados todos tem o direito de ser. Sacanagem é não se mostrar e apelar para a segurança do disfarce.
Mas, afinal o que teria um samba composto em 1960 pelo compositor e cantor Adoniran Barbosa a ver com tudo isso? Nada, absolutamente nada! Apenas o título, que me lembrou uma saraivada de balas de filme americano. Um verdadeiro tiro ao álvaro. Eu o alvo fui eu.
Na singeleza da sua música, diz o poeta que “teu olhar mata mais que bala de carabina, que veneno estricnina, que peixeira de baiano, que atropelamento de automóvel, que bala de revólver. Tábua de tiro ao alvo, não tem mais onde furar”.
Sai daquele recinto por livre e espontânea iniciativa, com a determinação e o jogo de corpo de um Kid Morengueira. Disposto a cantar uma ode para mim mesmo. Não em nome do ódio, mas em nome da esperança derradeira de que ainda existem pessoas de bem no mundo e de que dias melhores ainda virão. Havia muita fumaça no ar. Fumaça de chumbo grosso e de artilharia pesada. Cavaleiro solitário, não estava mais a fim daquilo, daquele enfrentamento desigual, daquela covardia anônima e institucionalizada. Permanecer seria aceitar a desigualdade. Seria implicitamente aceitar a sacanagem da desigualdade. Caí fora. Fi-lo porque qui-lo. Como diz a filosofia popular, antes só do que mal acompanhado.
Aqui fora, percebo que o mundo é bem maior do que aquilo tudo. Percebo que só preciso das minhas próprias pernas para percorrê-lo e conquistá-lo. E, mesmo que não chegue a Lugar Nenhum é para lá que eu vou agora. Lá, como em Pasárgada, também sou amigo do Rei. Longe é um lugar que não existe. Tenho dito e repetido.
Recife, setembro de 2014
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