quarta-feira, 9 de julho de 2014

O arfante peito meu


O ARFANTE PEITO MEU

Clóvis Campêlo

Nascido depois, amigos, não fui testemunha da decisão entre Brasil e Uruguai, em 1950. Toda a informação que tenho hoje sobre aquela tragédia, obtive através da imprensa falada, escrita e fotografada. Tudo em preto e branco, como permitia a tecnologia da época. A bola de Ghiggia entrando, a cara desolada de Barbosa, o choro desconsolado das arquibancadas. Tudo variando do branco da camisa que vestia a seleção brasileira no dia fatal ao preto das sombras que assolaram o Maracanã. Mesmo assim, até ontem, esse fantasma me assombrava.
É claro que a partir de 1958, quando em tons amarelos ganhamos nossa primeira copa do mundo, a coisa se transformou e a eterna dor da derrota no Maracanã transformou-se em ímpetos de alegria e orgulho. A seleção brasileira passou a ser a pátria de chuteiras, redimindo-nos dentro de campo e elevando bem alto a nossa auto-estima. Aquele era um país que ia para a frente dentro e fora de campo, dizia o Gauss da época.
É bem verdade que entre os jogadores brasileiros que participaram da Copa em 1950, alguns sobreviveram à catástrofe, como Nílton Santos, que se tornaria bicampeão mundial, em 1958 e 1962, e seria considerado o maior lateral esquerdo de todos os tempos no futebol mundial. O próprio Barbosa, embora não tenha mais voltado à seleção brasileira, também teve uma longa carreira, após o Maracanaço, chegando, inclusive, a defender o glorioso Santa Cruz, no final dos anos 50, quando foi supercampeão pernambucano pela equipe coral. A maioria, porém, ficou definitivamente marcada pelo fracasso daquela decisão. No final, tudo aquilo conseguido durante o torneio, toda a bela campanha, foi reduzido à nada com a derrota.
Ontem, amigos, ao vivo e à cores, a situação repetiu-se para nós, com o agravante de uma goleada inesperada. Por mais que estivéssemos mal na competição, com uma equipe desentrosada e sem um esquema tático definido e eficiente, ninguém esperaria uma derrota por 7x1 para a Alemanha. Em dez minutos, ainda na primeira etapa, a máquina germânica nos impôs cinco tentos, sem que a nossa seleção conseguisse esboçar qualquer reação possível. Descuido, desatenção e desânimo, assim poderíamos definir a questão. Assim, na derrota achapante, diluiu-se o sonho do hexa. Assim, na capital mineira, mostrou-se para nós um horizonte nada belo. A síndrome do fracasso em terras brasileiras voltou a nos assolar. Fomos atropelados por uma seleção que prima pela atenção e repetição sistemática de jogadas bem ensaiadas. A criatividade brasileira, tão mal executada nesta Copa, caiu definitivamente por terra diante do mecanicismo alemão.
Resta-nos agora por em prática o senso de responsabilidade que ainda nos resta e nos prepararmos para enfrentar o perdedor do jogo de hoje, entre Holanda e Argentina, no próximo sábado, em São Paulo.
A vitória talvez sirva para aquietar o arfante peito meu.

Recife, 2014

3 comentários:

Aristóteles Coelho Pinheiro disse...

Não sei o q tem o torcedor brasileiro pra ter um excesso de confiança entranhado e sempre menosprezar o adversário, seja lá quem for. Quando menos espera quebra a cara. A Alemanha, uma equipe aplicada, não se prepara há oito anos em vão. Dona de grande equilíbrio emocional está pronta para superar qualquer adversidade e mesmo sem a criatividade individual, são surpreendentes no trabalho coletivo.
O torcedor brasileiro se não quiser mais se decepcionar e aprender a superar os tropeços, que aprenda então a respeitar o adversário e pare de pensar que no futebol é sempre imbatível...ou vai continuar amargando surpresas desagradáveis.
Uma só observação: o jogo pelo 3º lugar será em Brasília e não em SP.

Alberto Oliveira disse...

Belíssimo artigo. Peço autorização para publicar, Clóvis.

Clóvis Campêlo disse...

Fique à vontade, amigo.