Auto-retrato
ABELARDO DA HORA
Clóvis Campêlo
São muitas as histórias
sobre Abelardo da Hora. Uma delas, a mim foi contada pelo jornalista
Ronildo Maia Leite, em 1991, quando o fotografei no seu apartamento,
na Rua Maestro Nelson Ferreira, na praia da Piedade, em Jaboatão dos
Guararapes. Contou Ronildo que em plena ditadura militar, Abelardo da
Hora pendurava-se de cabeça para baixo na ponte Duarte Coelho,
segurado pelos companheiros militantes, para pintar no parapeito da
ponte a palavra liberdade. Isso hoje, pode parecer bobagem, mas
naquele tempo exigia coragem e convicção política.
Umas outras histórias
sobre Abelardo, eu li no livro Dicionário Amoroso do Recife,
do escritor Urariano Mota. No livro, Abelardo é o verbete que o
abre. A primeira, refere-se ainda aos tempos sinistros da ditadura,
quando todo o Comitê Estadual do Partido Comunista, do qual o
escultor fazia parte, foi assassinado. Apenas Abelardo escapou, por
ser casado com a irmã de Augusto Lucena, então prefeito biônico do
Recife e homem de confiança dos militares golpistas. A segunda
história, mais amena e mais engraçada, embora de resultado
desfavorável para o artista, deu-se na casa do empresário Ricardo
Brennand, onde Abelardo, ainda adolescente, trabalhava e vivia. Todos
os dias, pela manhã, deparava-se com as filhas do mecenas saindo
para a escola. Impressionado com a beleza de uma delas, fez uma
escultura, por ele mesmo chamada de A torre dos meus sonhos,
onde dois cupidos brincavam com os cabelos de uma jovem em pé,
enquanto um rapaz com a sua fisionomia abraçava-se às pernas da
moça. O velho Brennand não gostou da ousadia e, por conta disso,
Abelardo da Hora terminou por deixar a casa do empresário.
As mulheres, inclusive,
sempre foram um tema predominante na arte do artista plástico. Basta
observar nos prédios residenciais do Recife a quantidade de figuras
femininas esculpidas pela arte de Abelardo.
Apenas uma vez fotografei
mestre Abelardo. A fotografia foi feita em 1992, no Museu da Imagem e
do Som de Pernambuco, na época dirigido por Celso Marconi, um
marxista devoto de Nossa Senhora da Conceição. Infelizmente, a
única fotografia de Abelardo da Hora feita por mim se extraviou.
Este texto foi por nós pensado exatamente para dilvulgá-la. Confesso
que estou pagando por minha falta de organização.
Durante anos passei
diariamente na porta da casa de Abelardo, na Rua do Sossego, e,
apesar da sua acessibilidade, nunca tive coragem de incomodá-lo no
recesso do lar para tentar fotografá-lo.
Alguns anos antes do seu
falecimento, quando lhe prestaram uma homenagem no carnaval do
Recife, cruzei com ele no Galo da Madrugada. Estava eufórico e
animado e essa foi mais uma boa oportunidade por mim perdida.
Abelardo da Hora nasceu na
cidade pernambucana de São Lourenço da Mata, em 31 de julho de
1924, e faleceu no Recife, em 23 de setembro de 2014.
Sobre a sua obra, assim se
coloca a Wikipédia: “A maneira de Abelardo da
Hora se expressar através da escultura é única e forte. Não é
superficial nem interessada em
ser fácil para o mercado absorver. Na escultura, como nos desenhos,
há nitidamente três vertentes que podem ser facilmente
identificadas: a preocupação de sempre alertar para o descaso com
relação aos menos favorecidos. São desenhos e esculturas
denunciadoras de um estado de coisas insuportável, tal a miséria em
que vive grande parte da população; o
elogio da força e riqueza dos que se reúnem em maracatus,
bumbas-meu-boi, frevos, etc., que nascem no interior nordestino e vêm
para as cidades grandes mostrando ritmo, cores, organização.
Fantasias ricas que encantam os centros urbanos. O artista traduz
isso em desenhos extraordinários e, o que é mais difícil, transpõe
para esculturas de concreto; a grande
riqueza do planeta resumida num flagrante exemplo através do corpo
feminino. Não é apenas a mulher que está viva, mas suas
esculturas. É toda a natureza que explode no artista”.
Como artista militante,
participou ainda nos anos 60 do memorável Movimento de Cultura
Popular (MCP), criado quando da gestão de Miguel Arraes de Alencar
como prefeito do Recife. Segundo texto de Lúcia Gaspar, publicado no
site da Fundaj: “O
Movimento de Cultura Popular do Recife foi extinto com
o golpe militar, em março de 1964. Dois tanques de guerra foram
estacionados no gramado da sua sede, no Sítio da Trindade. Toda a
documentação do Movimento foi queimada, obras de artes destruídas
e os profissionais envolvidos foram perseguidos e afastados dos seus
cargos”.
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