terça-feira, 22 de setembro de 2015

A lua e eu


Fotografia de Clóvis Campêlo / 2015

A LUA E EU

Clóvis Campêlo

Conta o poeta Marcus Accioly que uma noite, parou embaixo de uma árvore desfolhada e ao olhar para cima teve uma surpresa. Na noite estrelada, a árvore parecia acesa pelas estrelas que brilhavam no firmamento. Inspirado pela bela visão, fez um poema sobre o assunto. Ao fazer a fotografia acima, essa história me veio à lembrança.
Accioly foi meu professor no curso de letras da Universidade Federal de Pernambuco, e embora o assunto sugira um poema de intenso romantismo, não acredito que tenha sido o caso, já que o bardo se considerava e é considerado como um “poeta épico”, se levarmos em conta aquela tradicional divisão entre épicos e românticos.
Voltando à fotografia, embora ela não nos mostre estrelas, traz uma lua minguante no céu azul do final da tarde, entre os galhos de uma árvore igualmente morta. Uma meia lua inteira e que ainda não se mostrava como o sorriso do gato de Alice no País das Maravilhas.
Tenho com a lua uma instável relação de admiração e medo. Quando menino, escutava abismado as conversas dos adultos sobre a influência lunar nas marés e sobra o seu poder sobre os desequilibrados mental, que em noite de lua cheia, perdiam-se na intranquilidade trazida pelo seu campo magnético. Tinha medo de enlouquecer e me transformar em mais um “súdito da lua”.
Mas também tive com ela a coincidência de vê-la conquistada pelos homens da Nasa, na mesma noite em que eu conquistava a garota mais interessante do bairro. Se a relação lunar com seus conquistadores não foi das mais agitadas e angustiantes, o mesmo eu não poderia dizer do meu amor incompreendido.
Para os astronautas americanos, talvez a lua fosse apenas o começo de uma grande escalada rumo a destinos mais distantes e difíceis. Para mim, no entanto, aquela era uma conquista intensamente desejada, e a necessidade de mantê-la a qualquer custo, trazia-me angústias e ansiedades.
Assim como a lua, supunha eu que havia uma face oculta nela, na minha amada, que eu, na minha insegurança juvenil, não conseguia decifrar. Isso me causava transtornos maiores do que os superados por Amstrong e companheiros para descer com o módulo lunar na superfície do nosso satélite. Como era difícil aterrizar naquele coração! A tarefa épica da conquista da lua, parecia mínima diante da minha façanha romântica.
Mas, como diz o poeta, tudo passou como tudo tem que passar. E hoje, vejo-me aqui a tentar justificar os pixels da minha máquina fotográfica digital com um texto qualquer que fale da lua e das suas impressões sobre mim.
E, se a conquista da lua pelos intrépidos rapazes americanos continua a ser de grande importância para a humanidade, como querem me fazer acreditar até hoje, aquele grande amor que me dizimou as forças, transformou-se em quase nada, numa lembrança longínqua e até mesmo inadequada. Como diz a massa ignara, nada como um dia atrás do outro e uma noite (de lua cheia) no meio para atrapalhar.

Recife, setembro 2015


9 comentários:

Cristina Henriques disse...

A lua sempre me influenciou.Quando eu ainda menstruava então...era uma 'tragédia' a força dela. Amo a força que ela tem,fascina.A minha avó recomendava não operar dizia da força dela nas marés e fluxos liquidos(rio e nossas 'regras').Fico diferente na lua cheia ou crescente,para melhor

Rosa Pena disse...

Excelente! Você passou todos os seus sentimentos lunares e eles são tão parecidos com os meus. “Tenho com a lua uma instável relação de admiração e medo. “..eu também! “tive com ela a coincidência de vê-la conquistada pelos homens da Nasa, na mesma noite em que eu conquistava a garota mais interessante do bairro”,,, o amor esse eterno rival da razão! Como era difícil aterrissar naquele coração! “ aplausos! “nada como um dia atrás do outro e uma noite (de lua cheia) no meio para atrapalhar.”....................maravilha querido.. amei! Inspiradíssimo e afiadíssimo..Beijos e beijos/rosa

Tania França disse...

Bacana demais sua crônica! Fiz a maior viagem nas minhas loucuras lunares!!! 💝

herculano disse...

Feliz de ter vindo até aqui e mais ainda pela bela leitura que tua crônica encerra. Grande e fraterno abraço, Herculano

Anco Márcio Tenório Vieira disse...

Sua crônica é muito boa. Compartilho, inclusive, alguns dos seus medos de infância, como o da influência da lua sobre os loucos. Tinha medo que os loucos ficassem furiosos e que eu próprio surtasse. Ainda bem que nada de muito grave aconteceu. Estou dentro da loucura tolerável. abraço e muito obrigado pela gentileza.

Violante Pimentel disse...

Parabéns pelo belíssimo texto, poeta e escritor Clóvis Campêlo! A sua admiração e temor pela lua, com seus mistérios, e força magnética assustadora, podem mesmo ser comparados à inquietação e insegurança de uma grande paixão da juventude, com a incerteza do amanhã. A força da lua, que, de acordo com a ficção, pode até transformar pessoas em lobisomens, antigamente, amedrontava as crianças. As coisas que julgamos inatingíveis nos dão medo.
Do texto, entendi que o céu, visto pelo poeta Marcus Aciolly, estava cheio de estrelas e sem lua. Era noite. A árvore era iluminada pelas estrelas que brilhavam no firmamento.
Ao contrário, a sua fotografia mostra um céu azul de final de tarde, ainda sem estrelas, mas com uma meia lua branca na amplidão. Como se fosse um teto sobre a árvore seca fotografada, essa imagem despertou lembranças de um passado muito bonito. De repente, lembrei-me da composição de Chiquinha Gonzaga, com letra de autor desconhecido, "Lua Branca". Adorei a crônica!

Unknown disse...

Opa! Clóvis Campelo, meus parabéns pela belíssima crônica... a lua tem seus encantos e desencantos... querido, sou muito grata pela sua amizade.

Unknown disse...

Opa! Clóvis Campelo, meus parabéns pela belíssima crônica... a lua tem seus encantos e desencantos... querido, sou muito grata pela sua amizade.

Unknown disse...

Querido amigo Clóvis, que delícia ler sua crônica. A lua, sempre a lua a trazer nostalgia. Excelente caminhada você fez com seu texto sobre ela, mesmo sem pisá-la... A foto é simplesmente maravilhosa. Grande abraço meu amigo.