quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Textos, contextos e pretextos


Escultura do poeta João Cabral de Melo Neto no Recife

TEXTOS, CONTEXTOS E PRETEXTOS

Clóvis Campêlo

Dizem que o poeta João Cabral de Melo Neto, no final da vida, aborrecia-se quando vinha ao Recife por conta do número excessivo de poetas novatos a querer lhe mostrar seus textos. Como se já não lhe bastasse o séquito de puxa-sacos e falsos admiradores a querer desfrutar da sua intimidade. O poeta que voltava sempre em busca de paz e do tempo perdido (o Recife do seu tempo já lhe era um retrato pendurado na parede) não suportava os ruídos da modernidade recifenses a lhe açodar os ouvidos. Morreu, aliás, sem que nunca o deixassem em paz.
Penso nisso sempre que ouso enviar meus textos para outros poetas e escritores, críticos literários e amigos mais aguçados. Mas, para que nos serviria um texto se não fosse para ser lido e interpretado por outras almas e discernimentos? A inquietação de querer estabelecer um diálogo com o outro é legítima, do mesmo modo que também é legítima a recusa do outro em fazer qualquer leitura ou mesmo qualquer interpretação por mais superficial que seja de um texto com o qual não se identifique.
Escrever e fazer poemas não é fácil, camaradas. Pois, como dizia Mário de Andrade, há sempre uma gota de sangue em cada um deles. Ao poeta cabe escrever para expor a sua cosmovisão, para contrapor ao mundo real a sua proposta cósmica. Esse é o primeiro e, às vezes, angustiante momento. Encorpada a concepção, cabe ao poeta buscar identidades, tanto no sentido de dar autenticidade ao seu esboço quanto no sentido de compor agrupamentos.
Afinal, ao sonho solitário talvez só caiba o esquecimento. Como já disse outro poeta pernambucano, Carlos Pena Filho, é dos sonhos dos homens que se constrói o mundo. Complementando com ousadia, eu diria que é dos sonhos dos homens e da perspectiva de lucro do mercado com ele. Mas esse é um pequeno detalhe que cabe ao poeta resolver no seu íntimo e impedir que se transforme em empecilho ou transtorno para as suas pretensões de poeta.O poeta não tem o direito de apenas ser um nefelibata. Deve também domar o lado selvagem da vida.
Hoje, com o advento da internet e de outras mídias de massa temos vias bilaterais para expandir a informação. Já não somos mais passivos receptores a aguardar que nos bombardeiem em sentido único. Pode o poeta e escritor também emitir a sua mensagem. Pode optar por divulgar os seus textos apenas na grande rede, sem a necessidade de editar livros que na maioria das vezes não tem como escoar nem introduzir no mercado literário. Livros que custarão caro e que sem ter como serem distribuídos, com certeza, encalharão nas prateleiras de alguma estante doméstica, sem direito a público ou reconhecimento.
Escrever e fazer poemas não é fácil, camaradas. Ser uma referência para poetas e escritores iniciantes, também não. Que o diga o poeta João Cabral de Melo Neto. Ele tinha razão. Os mortos sempre tem razão. Viver e poetar é para quem pode!

Recife, outubro 2014

- Publicado no livro Crônicas Recifenses, Recife, Clube de Autores, 2018.

2 comentários:

Alcides Ferraz disse...

cabra bom de escrita.....es tu,CLOVIS
eu tento fazer nas imagens......o que tb vem a alma
abraços

Nelly Carvalho disse...

Adorei o texto!