sábado, 26 de outubro de 2013

A batida da satisfação


A BATIDA DA SATISFAÇÃO

Clóvis Campêlo

Muitos poetas e compositores já confessaram ter passado por isso: acordar no meio da noite com uma ideia latejando na cabeça, anotá-la ou registrá-la em um gravador simples e retomar o processo criativo na lucidez do dia seguinte.
Assim também aconteceu com Keith Richards. Despertou na madrugada, com a frase “I can't get no satisfaction” lhe perturbando o juízo. Registrou a ideia e poucos dias depois, em parceria com Mick Jagger, estaria pronto um dos maiores sucessos da banda The Rolling Stones e uma das maiores músicas da história do rock'n'roll em todos os tempos. Isso aconteceu em 1965.
Quase 50 anos depois, assim como os Stones, a música ainda impressiona pelo vigor da melodia e pela atualidade crítica da letra. Tanto é assim, que na época do seu lançamento foi tocada inicialmente apenas em estações de rádio pirata por ser considerada sexualmente muito sugestiva e por ser percebida como um ataque ao status quo. Em compensação, “Satisfaction” hoje faz parte inclusive do acervo do Congresso norte-americano. Coisas desse mundo moderno em que vivemos.
A letra, escrita na sua maior parte por Mick Jagger, em que pese o sonho predestinado de Richards, aborda a incapacidade de um jovem em atingir o prazer sexual e toda ansiedade que lhe provoca a propaganda consumista do sistema, seja nas rádios ou nos canais de televisão (e nessa época, não existia ainda a internet e outras mídias mais modernas). Como diriam os velhos compositores dos Novos Baianos, o produssumo sempre queimou a bagagem.
Consta que a música foi gravada pela primeira vez em 10 de maio de 1965, com uma levada folk e Brian Jones tocando harmônica. Dois dias depois, os Stones a regravaram com Brian Jones ao violão e Keith Richard criando o solo distorcido que marcou definitivamente a música. Ainda não satisfeito com o resultado final, o guitarrista queria gravar outra versão, sendo convencido, porém, pelo restante do grupo a manter a segunda gravação que logo estouraria nas paradas de sucesso. Dizem os pesquisadores que o sucesso da música impulsionou as vendas da guitarra Gibson utilizada por Richards, esgotando todo o estoque disponível do instrumento até o final de 1965. Um estrondo.
Na versão final da música, porém, o que também nos impressiona é a bateria selvagem de Charlie Watts, baterista que integra o grupo desde 1963 e que participou de todos os discos da banda. Considerado pelos críticos como um dos maiores bateristas surgidos nos últimos 40 anos, Watts tem forte influência do jazz e é um dos mais antigos membros da banda, ao lado de Mick Jagger e Keith Richards.
Milionários e badalados, estes senhores sobreviveram ao tempo e hoje tocam por pura satisfação.

Recife, 2013

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