LONGEVIDADE
Clóvis Campêlo
George Bernard Shaw morreu aos 94 anos de idade, no dia 2 de novembro de 1950. Treze meses depois, na cidade do Recife, no outro lado do Oceano Atlântico, eu nasci. Ou seja, nem contemporâneos fomos.
Mas, sempre me interessei por esse homem longevo, que lamentava a solidão da velhice e que evocava o socialismo com uma sinceridade quase comovente. Defensor intransigente da classe trabalhadora, sempre se colocou contra a sua exploração. Do mesmo modo, defendia direitos iguais para homens e mulheres, coisa impensável na sua época, e a socialização das propriedades produtivas. Um idealista, sem dúvida.
Dizia Shaw que o problema da vida longa era a ausência dos amigos já mortos e a sensação de solidão que disso advinha. Não se vive muito impunemente. Entre outras coisas, dizia: “As nossas escolas ensinam a moral feudal corrompida pelo comércio e oferecem como modelo de homens ilustres e que tiveram sucesso o militar conquistador, o barão ladrão e o explorador”.
Mas nem só de idealismos vivem os longevos. Dona Dita, a minha sogra, por exemplo, aos oitenta e cinco anos, manifesta uma simplória alegria em estar viva. Com a sua simplicidade ingênua, diz-se feliz na velhice e arremata: “Quem não quiser ficar velho que morra jovem”. Livre das doenças crônicas da terceira idade, como a hipertensão e a diabetes, ainda coloca a linha no fundo da agulha sem o uso dos óculos e curte uma cervejinha com moderação.
Tio Luisinho, outro macróbio da família, acaba de completar 99 anos de idade, comemorados com muita festa na cidade de Carolina, onde reside, situada no sul do Estado do Maranhão, às margens do rio Tocantins. Até algum tempo atrás, ainda se arriscava em passeios de bicicleta pela cidade pacata e bucólica.
Um outro tio da minha cara metade, o qual não lembro o nome agora, antecipou-se à família e mandou construir o esquife do seu funeral. Guardado em casa por longos anos, o caixão foi emprestado a vários amigos, antes de abrigar definitivamente o próprio dono. Ou seja, uma família cujos membros costumam viver muito.
Outro dia, ao comentar esse assunto com o amigo e escritor Urariano Mota, ele me recomendou: “Te cuida, Clóvis!”. Isso, num sábado pela manhã, no Mercado da Boa Vista, ao lado do poeta Miró da Muribeca e do amigo Joaquim, quando tudo conspirava contra a abstenção. Mas, contive-me e me comportei como deve se comportar um homem que ainda se recupera de um acidente vascular cerebral isquêmico. Experimentei apenas a gorda rabada servida pela simpática garçonete. Afinal, ninguém é de ferro!
Voltando a Shaw, era vegetariano e, quando lhe perguntavam o por que da sua jovialidade, respondia: “Aparento a idade que tenho. Os outros é que parecem ser mais velho. Mas, o que esperar de quem se alimenta com cadáveres?”.
Recife, agosto 2015
4 comentários:
Estimado Clóvis, saudações
Li e gostei da sua cronica sobre a "longevidade", excelente.
Um abraço para você e outro para o ilustre Urariano.
Da "Terra Santa", Israel.
Falou o longevo e longínquo Paulo Lisker, que já escreveu as mais deliciosas crônicas sobre a colônia judaica no bairro da Boa Vista.
Abs
Excelente crônica, Clóvis Campêlo! Gosto muito da frase de Bernard Shaw, que diz: "Quando o homem mata o tigre, é esporte...Quando o tigre mata o homem, é ferocidade..." Como é bom podermos conviver com nossos queridos velhos, vendo-os com saúde física e mental! Sua longevidade está garantida!!! Graças a Deus!!!
Pois é, caro amigo...
Eu diria que, feliz de quem chega a velhice. Mas a velhice dói, cala, inutiliza, cega... Estou perto, mas gosto de viver, e de conhecer todas as novidades, que este mundo nos oferece, apesar dos incômodos das dores articulares, que eu silencio com atividades físicas e outras, e também algum analgésico, qd necessário. Mas sou feliz assim.
Bjz
Postar um comentário