sábado, 25 de abril de 2015

Chega de Saudade





CHEGA DE SAUDADE

Clóvis Campêlo

Começo este texto pensando em homenagear aos mestres Vinícius de Moraes e Tom Jobim, que em meados dos anos 50 compuseram essa joia rara da MPB, a música “Chega de Saudade”.
A música foi gravada pela primeira vez em 1958, por Elizeth Cardoso, com arranjos do próprio Jobim e acompanhamento de João Gilberto ao violão. Elizeth não era exatamente uma cantora revolucionária da MPB. Não cantava em tom de bossa-nova. Mas teve o mérito de se fazer acompanhar pelo violão de João Gilberto, numa batida diferente e que depois seria a marca registrada do novo movimento musical.
Do ponto de vista melódico, a música também não apresenta muitas novidade, repetindo sequências muito utilizadas na MPB de então. Jobim talvez ainda não tivesse assimilado definitivamente a influência do jazz e da dissonância debussiana.
Poeticamente, a letra mostra o coloquialismo de Vinicius de Moraes, com os diminutivos que lhe são peculiares (peixinhos, beijinhos, etc.) e a tentativa de reconstruir uma situação emotiva que anteriormente fora compensatória ao poeta. “Chega de Saudade” não prega uma rutura reconstrutiva na sua letra, mas sim a recomposição de uma situação anterior positiva. A tristeza do poeta lhe serve como moleque de recado. Não nos fica claro, porém, se o poeta foi atendido por sua musa. Percebemos apenas a admissão, no condicional, da beleza da volta.
Assim, de revolucionário mesmo só a batida do violão de João Gilberto, antecipando a síncope bossa novista e nos alertando que naquele momento cultural brasileiro, reflexo de todo um contexto sócio-econômico reinante, haveria espaço para uma nova concepção musical. Nesse sentido, genial.
Há quem diga, porém, como o crítico José Ramos Tinhorão, por exemplo, que a Bossa Nova foi uma excrescência inadequado para o momento em que se deu. O falecido escritor Ariano Suassuna, respaldado pelo Movimento Armorial, também pensava assim. Pode até ter sido mesmo. Mas, acreditamos, que hoje não há mais espaço para esse tipo de contestação. A bossa nova se consolidou e desdobrou-se em influências definitivas para a música popular brasileira. Quem imaginaria a MPB atual se ela? A assimilação desses “estrangeirismos”, além de servir para modernizar a música brasileira, abriria espaços para outros movimentos musicais modernos como a Jovem Guarda e o Tropicalismo.
Do mesmo modo, a poesia coloquial de Vinícius de Moraes quebrava com o tom acadêmico e rebuscado que reinava nas letras das músicas dos anos 40 e 50, talvez influência da poesia arcádica e parnasiana de então. Simplificavam-se as letras e se enriqueciam as harmonias e as sequências melódicas. Na Bossa Nova era só isso o nosso baião. E não era pouco não.
Mas, do mesmo modo que abri essa crônica querendo homenagear os pais da Bossa Nova, pensava em escrevê-la também para falar de um amigo que tem o passado com referência. Aos 85 anos, diz que suas atenções estão todas no tempo que se foi, não ousando fazer planos futuristas que não poderá viver. Costuma dizer que se sente como se estivesse viajando olhando para trás, para o que se vai (ou se fica) e nunca para a frente, para o futuro. Talvez ele tenha razão. Mas esta será uma outra crônica que deixo adiada para o futuro.

Recife, abril 2015

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