domingo, 16 de junho de 2013

Frevo, por favor, qual é a tua?


Blocos Cordas e Retalhos
Fotografia de Clóvis Campêlo/2008

FREVO, POR FAVOR, QUAL É A TUA?

Clóvis Campêlo

Qual é a do frevo hoje?
Existe na música popular pernambucana atual vigor suficiente para enfrentar uma disputa de mercado?
Se existe, em que momento se deu essa transformação?
E até onde o frevo se situa dentro dessa metamorfose?
Caetano Veloso, em 1973, na sua fase pós-tropicalista, quando elogiava os lábios carnudos de Mick Jagger e usava bustiê, chegou a afirmar que o "novo" na MPB era o som do Quinteto Violado.
Para nós, tal afirmativa trazia, por parte do compositor baiano, o reconhecimento de que a música popular pernambucana adquiria, afinal, a maturidade necessária para incorporar, sem desprezar as suas raízes, elementos cosmopolitas que lhe permitiriam ocupar um lugar de destaque no disputadíssimo mercado nacional.
É bem verdade que depois de um primeiro disco antológico, o Quinteto Violado optou cada vez mais por um regionalismo repetitivo e estilizado (mais uma vez a indevida apropriação cultural da burguesia?), deixando de lado a fusão dos elementos locais e universais. Como consequência, regrediu e "crepusculou".
Essa fusão voltaria a se repetir com mais vigor ainda, na década de 1970, no trabalho de Alceu Valença, projetando-o nacional e internacionalmente e fazendo com que a sua música pudesse ser entendida tanto em Paris quanto em Santa Cruz do Capibaribe.
Hoje, quando o Velho Quiabo já demonstra sinais de esgotamento e exaustão da fórmula, tal fusão volta a se manifestar nos trabalhos do movimento mangue. Não é à toa, pois, que os mangueboys já ocupem determinados e cobiçados espaços.
No que diz respeito ao frevo, as reflexões e afirmativas acima poderão nos dar o tom e o ritmo (dançamos de acordo com a música?) adequados para que se estabeleça e fundamente uma discussão que extrapole o tolo sentimento bairrista (qual é a cor do som local?).
Se traçarmos uma linha que evolua da música folclórica, passando pela música popular, até chegarmos à música de consumo, vamos observar claramente que o frevo (que só ocupa um espaço na mídia durante o período carnavalesco) tem um pé na música folclórica e o outro na música popular. A chamada música baiana (que toca e tem mercado o ano inteiro) situa-se com um pé na música popular e o outro (sem nenhum constrangimento) na música de consumo.
Observamos, portanto, que a verdadeira questão extrapola o puro regionalismo para cair num problema mais amplo que é o "conflito" entre cultura popular e cultura de massa.
Cada vez mais, as populações dos grandes centros urbanos despem-se da sua herança cultural e afastam-se dos hábitos pragmáticos que orientavam a vida dos seus ancestrais e assumem "novos" valores, mais condizentes com as circunstâncias atuais.
Com o nosso povo e com a nossa cultura não é diferente.
Assim, é necessário que o frevo mude e se transforme porque a comunidade com a qual ele se identifica e na qual ele floresceu sob determinadas condições sociológicas, históricas e geográficas vem sofrendo um processo de transformação e assimilando valores menos provincianos e mais universais. Se mudou o retrato psicológico dessa gente, é necessário que o frevo, enquanto reflexo disso, também se altere sob o risco de caracterizar-se como uma peça de museu pura e inútil.
Afinal, a vida é feita de evoluções e mudanças.
Maestro, por favor, toque aquela Evocação!

Recife, 1994

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