sábado, 20 de abril de 2013

O diário público de Anne Souza











O DIÁRIO PÚBLICO DE ANNE SOUZA

Clóvis Campêlo

Descobri Anne Souza no Recife Antigo, durante o carnaval deste ano, quando andava eu com um frevo no pé, uma câmera na mão e muitas ideias possíveis na cabeça.
Aliás, não é de hoje que ando a observar as paredes do velho bairro onde a cidade nasceu. Elas servem para que artistas anônimos exerçam a sua arte e executem os seus trabalhos de grafitagem. Tenho vários deles fotografados e catalogados, muitos identificados apenas pelas características dos traços e da composição dos desenhos. São pintados diretamente sobre as paredes nuas e cruas e sofrem constantes intervenções que vão aos poucos acrescentando a eles novos detalhes ou modificando significativamente o resultado final. Uma espécie de arte coletiva e transgressora.
Com os desenhos de Anne Souza, não foi diferente. Desenhados sobre papel e colados nas paredes, geralmente no tamanho A4, de fevereiro para cá, muitos deles foram parcialmente rasgados ou riscados e tiveram a base escurecida pelo tempo e pela exposição ao sol. No meu modo de entender, ficaram até mais bonitos.
Retratam sempre o rosto da mesma mulher, na maioria das vezes de perfil, como nos desenhos egípcios. Vez por outra ela surge de corpo inteiro, nua ou em forma de uma sereia. Vez por outra também contracena com uma figura masculina, formando composições de uma simetria pós barroca. Em pouquíssimos desenhos a figura masculina aparece sozinha ou aparecem outras composições que não sejam figurativas e referentes ao sexo feminino.
Os desenhos estão colados em paredes de ruas escolhidas, formando uma espécie de via sacra profanizada.
Não sei quem é a Anne Souza que assina os pequenos quadros. O seu traço é simples e sugestivo e as figuras sempre estão em destaque em um fundo neutro. O seu diário é público e sem segredos ou disfarçatez, disponível a todos os olhos e espíritos abertos que andem pelo bairro velho da cidade misturando as visões do ontem com o presente.

Recife, 2013

4 comentários:

Tania França disse...

Clovis, que descoberta tão maravilhosa! Só olhos de fotografopoeta para ver a delicadeza desses desenhos que deveriam ser preservados para sempre! Talvez seja essa sua missão, meu amigo, através do seu delicado olhar fotográfico! Parabéns!

Urda Alice Klueger disse...

Que lindo, Clóvis!

Joaquim Macêdo Júnior disse...

Rapaz, Clóvis. Sensacional. Por que não põe para a gente ver em álbum no FB.
Fiquei encantado.
Ainda estão lá???

Viviane de Souza disse...

Caro, Clóvis Campêlo, meus sinceros parabéns pela publicação. Também não tinha ouvido falar sobre Anne Souza (pode até ser alguém do sexo oposto). Estou pra lá de encantada com os desenhos. Amei, mesmo! Amanhã estarei por lá e com toda a certeza procurarei pelas obras em papel A4.