domingo, 29 de abril de 2012

Mestre Ariano e o sonho socialista - Parte III

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MESTRE ARIANO E O SONHO SOCIALISTA - Parte III

Wedja Gouveia e Clóvis Campêlo

SindPress - Qual o modelo de cultura que o senhor defende num projeto democrático-popular?


Ariano - Veja bem, sou muito definido como escritor mas isso não quer dizer que tenha um só modelo para se fazer arte. As pessoas normalmente pensam que só acho legítimo o tipo de arte de que gosto. Não é isso, não. Ele só é legítimo para mim. Mas existem muitas outras maneiras que os outros artistas podem pensar. Uma pessoa que está defendendo um modelo cultural para o país é uma coisa. Outra coisa é o sujeito que está pensando em como fazer a sua obra. Agora quando digo que para mim a cultura brasileira tem que se basear no tronco original que é a cultura negra e a cultura indígena, as pessoas perguntam se sou contra a cultura estrangeira. Isso não tem sentido. O que eu sou contra é que eles queiram uniformizar a gente. Assim, não vou pregar uma uniformização à minha maneira. O que me deixa indignado são os meios de comunicação de massa querendo que todo mundo cante de um jeito, todo mundo pinte de um jeito, todo mundo pense de um jeito, todo mundo se vista de um jeito. Eles querem botar um modelo e espalhar para o mundo todo como se aquilo fosse um modelo de excelência e modernidade. Então, tudo o que é nosso fica ultrapassado e aí reajo violentamente contra isso. Agora, quanto à cultura dos outros países, eu não tenho nada contra. O que eu teria, por exemplo, contra os grandes autores da cultura universal? Agora, contra Michael Jackson eu tenho. Querer que o Brasil, a juventude brasileira, tenha um modelo daquele eu não posso aceitar. Apresentar, como eu vi quando Madonna esteve aqui, que a juventude brasileira está ansiosa para seguir o estilo Madonna de ser e de viver... Não me parece que aquilo seja um modelo tão excelente para a nossa juventude. Querem vulgarizar a nossa juventude e isso eu não posso aceitar. Nivelam por baixo e querem que a nossa juventude se paute por aí. Então é contra isso que eu sou. Agora se todo mundo se vestisse e escrevesse como eu, ficava uma monotonia horrorosa. O que eu digo é que minha maneira de ser é legítima e ninguém venha me chamar de ultrapassado. Há pouco tempo eu fui a São Paulo e uma pessoa disse a mim, falando sobre alguém que como eu se baseia no popular para fazer o seu trabalho de criação, que o ponto de partida dele é muito frágil, porque o popular é muito frágil. Eu olhei para essa pessoa e disse: o que eu faço pode ser ruim, mas não é porque a cultura popular seja frágil, é porque eu não presto. Baseado no popular, eu vou citar um caso só: Cervantes, que se baseou no popular da sua época, no nacional, no que era espanhol e até local, fez uma obra como "Dom Quixote". Não é um ponto de partida que torna frágil ou vulnerável um escritor. É se ele não presta mesmo. Cervantes, Moliere e Sheakspeare se basearam no popular e por isso são frágeis? No campo musical, Villa Lobos, Bella Bartoc e Stravinsky também se basearam na cultura popular dos seus respectivos países. Se estes grandes foram assim, não me venham com esse argumento. Eu disse à pessoa com quem eu estava falando que este alguém de que você fala pode ser ruim por ele mesmo, mas não pelo fato de se basear no popular.

SindPress - Como é que o senhor vê o fato da grande imprensa mostrar Cuba como decadente, mesmo sabendo que, apesar da crise, o país tem um sistema de saúde exemplar e que o analfabetismo foi erradicado? Como o senhor veria a experiência cubana e que perspectiva teria ela hoje para superar esta crise?

Ariano - Olha, eu até mais longe do que vocês. Eu tenho sérias discordâncias com relação à Cuba. Agora, estão melhorando. Logo que o regime de lá ficou marxista, Fidel teve uma convivência muito difícil com as Igrejas, por exemplo. Eu já fui muito criticado pelos marxistas daqui por causa dessa discordância que eu reservava com relação ao estalinismo. Ficam espantados quando eu digo que o regime militar não era de todo mau e que o estalinismo também vai ter que ser muito bem estudado e vai se recuperar depois. Ele teve deturpações, campos de concentração, violência, brutalidade, inclusive contra os escritores, o que é algo que eu não posso perdoar. Mas uma coisa temos que reconhecer: não havia desemprego, algo que nenhum país do chamado Primeiro Mundo conseguiu até agora. Na União Soviética era assim, na Alemanha também e a previdência social era exemplar. Eu estou estranhando agora o pessoal da Alemanha Oriental, que antes ansiou pela entrada do consumismo capitalista, da social-democracia, estar chiando porque começou o desemprego e a falta de previdência social. E não tem mesmo não, porque é uma injunção do capitalismo. Você tem que ter desemprego para poder jogar com o excesso de mão-de-obra e poder baixar o salário. Se você não tiver a ameaça da substituição não pode manter o salário baixo. É por isso que eu digo que um regime baseado no lucro dá nisso tudinho. Outra coisa temos que reconhecer: Cuba erradicou o analfabetismo, coisa que nenhum país da América Latina conseguiu. Outra coisa que para mim não tem preço é a dignidade do país. Eu só queria que Deus me desse isso: acordar um dia e ver um governante brasileiro falando sem se agachar. Não é possível que eu morra sem ver isso, porque essa situação me dá um desgosto mortal. A primeira coisa, a meu ver, que o país deve ter é a dignidade. Sabemos que as dificuldades vividas por Cuba agora são causadas pela falta de ajuda da União Soviètica e pelo cerco que os EUA realizam sobre eles, o que é um absurdo. A arrogância do americano é algo que me deixa irritado. Eu não sei como é que se aceita uma coisa dessas. Já estão criando no mundo um ambiente que não considero natural. Na Guerra do Golfo, muita gente me dizia: como é que você está falando mal dos EUA nessa situação, se o Iraque invadiu o Kwait? Eu pergunto o que é que os EUA tem a ver com isso? E o Panamá? O que os EUA fizeram no Panamá? Não sei se vocês sabem, mas o Panamá é uma criação americana. O Panamá pertencia à Colômbia.Os EUA queriam abrir o canal e a Colômbia se recusou. Foram então ao general que comandava a região do Panamá e ofereceram apoio e armas para ele se proclamar independente. E foi o que ele fez. Depois, abriu o canal que os EUA queria. Agora o contrato do canal termina em 1999 e toda essa confusão que tem lá é por causa disso. Noriega, que foi criado pelos EUA, pertenceu a CIA. De repente, teve um estalo de patriotismo e resolveu denunciar. Na mesma hora, virou agente do narcotráfico e bandido. Os EUA derrubou o homem, botou outro no lugar e o pessoal acha isso perfeitamente normal porque Noriega era do narcotráfico. Eu pergunto por que é que ele não era do narcotráfico antes? E ainda mais: digamos que Noriega fosse um bandido. Não compete aos EUA tratar de quem é bandido ou não. E na Ilha de Granada, o que foi que houve? Os EUA invadiram uma ilha desse tamanhinho porque lá subiu ao poder um socialista, pelo voto. Eles foram lá e o derrubaram. O que estão fazendo com Cuba é um absurdo. Felizmente, assim como no caso do haiti, o governo brasileiro não apoia.

SindPress - O senhor já manifestou a sua posição crítica em relação ao Tropicalismo. Em relação, por exemplo, à Bossa Nova e à Jovem Guarda, como é que o senhor vê estes movimentos?

Ariano - O que eu não gosto da Bossa Nova é que eles mesmos declaram que partiram da música americana, o jazz. Não gosto exatamente por isso. Veja bem, do ponto de vista de onde eles partiram é melhor do que o Michael Jackson, mas não é tanto não. O grande músico brasileiro para mim é Villa Lobos. Ele não foi ouvir ninguém, não. Quando ouviu foi uma grande figura como Bach e aí estou de acordo. Não gosto disso não, mas eu não gostaria que vocês tomassem a Bossa Nova como exemplo da grande música popular urbana brasileira. Existem grandes músicos urbanos que não têm este posicionamento diante da música americana. Citaria, por exemplo, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Cartola, Candeia e outros. Aqui, no Recife, compositores de frevo de bloco como Capiba e Getúlio Cavalcanti. estes são grandes músicos brasileiros que não precisam se inclinar diante de ninguém para fazer a sua música. A minha posição é contra a Bossa Nova porque não havia a necessidade deles se inclinarem a um tipo de música que só faz nos descaracterizar. Pela Jovem Guarda, não tenho nenhum respeito. Era pior do que a Bossa Nova.

- Entrevista originalmente publicada no jornal SindPress nº 7, do Sindicato dos Previdenciários de Pernambuco, em dezembro/1994.

- Postagem revisada e atualizada em 03/01/2018

Um comentário:

Urariano Mota disse...

“... o que eu faço pode ser ruim, mas não é porque a cultura popular seja frágil, é porque eu não presto. Baseado no popular, eu vou citar um caso só: Cervantes, que se baseou no popular da sua época, no nacional, no que era espanhol e até local, fez uma obra como 'Dom Quixote'. Não é um ponto de partida que torna frágil ou vulnerável um escritor”.

Muito bem. Aplausos.

“O que eu não gosto da Bossa Nova é que eles mesmos declaram que partiram da música americana, o jazz. Não gosto exatamente por isso.”

Precisa dizer muito mal?

Há pouco, em resposta a uma mensagem respondi:
A nossa admiração por Ariano Suassuna passa por um filtro: devemos esquecer o seu reacionarismo estético, a sua pregação monarquista. E temos que aproveitar o amante do povo brasileiro, o teatrólogo, o extraordinário humorista nas falas públicas.

Ele é um dos homenageados em meu Dicionário Amoroso do Recife. Mas o nosso gostar não pode ser cego.


Abraços