sábado, 21 de abril de 2012

From me to you



FROM ME TO YOU

Clóvis Campêlo

Foi uma longa e sinuosa caminhada, mas aqui estamos nós prestes a nos encontrarmos no futuro. E tu te aproximas do local do encontro com a intensidade de um meteoro gigante, alterando o sistema vigente e estabelecendo novas condições de equilíbrio e sobrevivência.
Mas, valeu a pena a espera por 40 anos. Ainda me lembro daquela jovem tarde de verão, nos anos 60, no Pina, quando o meu primo Zeca Campêlo me apresentou a ti e a teus companheiros. Pirei. Aquele som era demais, repletos de novidades que sacudiram e chacoalharam com a minha cabeça de menino suburbano. A revolução chegara e ninguém mais a ela ficaria impune ou imune.
De nada mais adiantaram os merengues que escutávamos na sede da Troça Carnavalesca Tubarão ou os frevos-canções do bloco Banhistas do Pina. Muito menos os boleros de Bienvenido Granda ou os samba-canções de Adelino Moreira. Havia uma coisa nova, muito nova e quente, partindo do norte com força vital pra chegar ao sul. Era melhor não reagir e deixar essa coisa acontecer.
Confesso, porém, que, na dicotomia existente entre os fans do Fab Four Forever, sempre me coloquei no grupo oposto aos que te admiravam. Achava-te careta e reacionário, simplesmente ridículo com a honraria, a medalha e o título de sir,concedidos pela Rainha Elizabeth ao grupo. Lennon, o beatle militante e politicamente correto, já a havia devolvido por não concordar com o envolvimento da Inglaterra na Guerra do Vietnam. Tu, assim como George e Ringo, a mantinhas como um trofeu bizarro (para mim). Contestar era preciso, meu velho!
Mas o tempo passa, a vida muda, evolui e toma outros rumos. E enquanto o guerreiro Lennon morria no campo de batalha vítima de “bala amiga”, tu sobrevivestes e mantivestes acesa a chama da idolatria.
Hoje, eu te vejo como um cara simples e bem resolvido, sem nenhum sentimento de culpa por ser rico e bonito. Fiquei surpreso ao ver na televisão a tua jovialidade nas chamadas para os shows do Recife. Um menino feliz de quase 70 anos de idade.
Quando em outra matéria te perguntaram como conseguias manter o mesmo nível de atividade com quase 70 anos de idade, respondestes que fazias aquilo com a naturalidade e a simplicidade de quem toma um copo de água. Ou seja, uma pessoa bem definida e que gosta do que faz. Um privilegiado.
Finalmente, no recomposição por mim do teu perfil psicológico, percebi que, acima de tudo, a tua realização pessoal e teu equilíbrio emocional apoiavam-se na vivência familiar nos tempos de Liverpool: no Natal, o pai ao piano, com a família ao redor, cantando velhas canções de época, canções essas resgatadas em discos recentes. Lennon nunca soube o que era isso, abandonado pelo pai e pela mãe ainda menino pequeno e criado pela tia Mimi.
Para o primeiro, resgatar o tempo bom era necessário. Para o segundo, só restariam as mudanças e os rigores da revolução para punir a sociedade hipócrita. Por isso, a junção perfeita da dupla compondo e contrapondo um ao outro as suas visões complementares.
Por isso, eu te reverenciou hoje e amanhã, velho Maca.
Com carinho, from me to you.

Recife, 2012


8 comentários:

Alberto Oliveira disse...

Clóvis, que texto é esse, cara...?
Estou novamente de frente a um Escritor... como o é Urariano Mota, meu irmão e amigo...
PARABÉNS!!!

Paulo Lisker disse...

Como sempre, belo depoimento.
Abraço.

pernambuco disse...

Belíssimo!

Dalva Agne Lynch disse...

Muito bom. Muito bom MESMO.

Júlio Vila Nova disse...

Clóvis, gostei muito do seu texto "From me to You" (também acho uma beleza aquele poema que tem um verso que diz algo como "a revolução nós a a fizemos no assoalho do estúdio", ou algo parecido, perdoe-me pela falha de memória). É incrível a força dessa música, que eu comecei a ouvir pelos 7, 8 anos de idade (década de 1970). Lembro que havia um programa na Rádio Olinda, aos sábados (ou domingos) que tocava Beatles e Jovem Guarda, e eu vivia com o radinho de pilha colado ao ouvido. Depois da morte de John, comecei eu mesmo a comprar os discos, me lembro da maravilha que foi ouvir pela primira vez "Strawberry Fiels Forever", para mim a gravação perfeita de uma linda canção. Enfim, isso é um papo longo, qualquer dia quem sabe possamos tê-lo, de preferência com uma cerveja (por falar nisso: parei ontem naquele Bar Maxambomba, onde era a antiga estação dos bondes, no Carmo, Olinda, e fui atendido por um garçom que é a cara do Noel Rosa, impressionante). Para encurtar a conversa sobre os Fab Four, envio pra você uma foto da banda cover (dublagem mesmo) que inventei na 8ª série, na minha querida escola Gov. Carlos de Lima Cavalcanti, em Casa Amarela. Bons tempos, muito bons...
Abraço e parabéns pelos seus escritos, que estou sempre acompanhando.
Mais tarde estarei lá, no mundão, lindamente iluminado por um ar liverpooliano e pela aura genial de Sir McCartney. Vou para a arquibancada inferior/gramado, com a camisa do Santa Cruz, é claro!

Urariano Mota disse...

Eu venho de uma geração, classe e ideologia que me fizeram resistente aos Beatles.
Pra meu castigo, quase todos os meus amigos gostam. O meu filho também, e eu aqui
na minha combalida resistência.
Mas ao ver agora à tarde a minha mulher explicar o roteiro para o estádio do Arruda,
e mencionar, e repetir "estrada velha de Água Fria", "Rua das Moças, Zeferino Agra, Água Fria",
o estandarte do meu peito caiu. Um cara dos beatles cantando em Água Fria, tenha paciência...
O texto de Clóvis é da hora, bom e inserido no contexto.
Abraço

Anônimo disse...

Muito bom!

Cecilia

Eliane Triska disse...

Paul merece tuas boas palavras.
Fui vê-lo aqui em Porto Alegre.
É uma pessoa especial (tranquilo...)
Bjs