segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A voz de um cantor


A VOZ DE UM CANTOR

Clóvis Campêlo

Tudo em Aristides Guimarães nos acalma. Inclusive os blues. Aristides não tem pressa. Nunca teve. Aristides é zen. Talvez por isso tenha se mantido tão jovial ao longo do tempo. Talvez por isso, só tenha lançado o seu primeiro disco em 2006.
Essa espera, porém, não nos trouxe desvantagens. Pelo contrário. O seu trabalho é um trabalho de quem nunca fez concessões ao sistema; de quem nunca se preocupou em atender aos anseios, nem sempre escrupulosos, da mídia. É um trabalho limpo.
Essa atitude transparece já na primeira música, Branca de Rendas, onde, cercado de ventos, o artista se permite ajeitar as pastilhas de plástico colorido de uma pulseira encontrada nas areias da praia de Pitimbu.
Essa mesma ausência de pressa diante da vida o leva a observar, da janela de casa, as luzes coloridas dos semáforos e o silêncio da noite, em De Madrugada.
Esperar, aliás, é um dos verbos mais conjugados nas letras das composições. Esperar a passagem do sol, da chuva, de um amor duvidoso (Passageiro do Sol). A espera, inclusive, demonstra a passividade zen do indivíduo-observador diante da vida. Aqui, o verbo não significa ação. Significa tolerância, quietude e equilíbrio.
Em entrevista ao Programa Sopa Diário da TV Universitária, em 22/3/2006, quando do lançamento do seu CD, Aristides comparou-se ao compositor Cartola, na arte de esperar, que só veio a gravar o primeiro disco aos 70 anos de idade.
Eu iria mais longe nessa comparação. As músicas de Cartola sempre nos falam do momento posterior aos conflitos emocionais vividos pelo poeta quando o horizonte já se mostra novamente promissor e radiante.
Em Aristides, vamos encontrar a mesma atitude: é sempre latente o prazer de olhar o ambiente e os objetos ao seu redor (a cidade parada de madrugada, a chuva invadindo o chão da casa, a lua flutuando acima do prédio). Nesse cenário, Aristides movimenta-se com cuidado, com cautela, embora absolutamente à vontade, para que não se quebre o encanto e o equilíbrio destes instantes mágicos do poeta consigo mesmo. Até mesmo a ausência da pessoa amada é cantada com esperanças de realizações futuras.
O único momento evidentemente nostálgico do disco vamos encontrar em Acalma um Blues. Mas, aí não é a "voz" de Aristides que se manifesta e sim a do parceiro Geraldo Maia.
Ilude-se, porém, quem acha que, na sua passividade zen, o compositor é apenas intuitivo e não tem um "norte" na elaboração das suas músicas. Embora não faça concessões, Aristides usa com desenvoltura todas as opções disponíveis na hora de compor ("gosto de samba, rock, funk, de maracatu e blues"). Isso fica claro em A Linha da Raiz.
Para finalizar, gostaríamos de falar sobre a música Você Roubou os Meus Segredos, remanescente dos tempos do Laboratório de Sons Estranhos (LSE). Despida da roupagem pop daquela época, ganhou um excelente arranjo de Fernando Barreto, com direito a metais em surdina e tudo o mais.
Por tudo isso, Aristides Guimarães elaborou um disco com pretensões de tornar-se cult.
Quem experimentou, viu!


PS.: Texto escrito em 2006 quando do lançamento do CD do cantor e compositor e postado originalmente no blog Inútil Paisagem.

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