terça-feira, 29 de maio de 2012

Microfone do Mercado de São José

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Os poetas Clóvis Campêlo e José Rodrigues Correia Filho conversam com Microfone
Foto de Cida Machado/2008
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MICROFONE DO MERCADO DE SÃO JOSÉ

Clóvis Campêlo
(com a colaboração de José Rodrigues Correia Filho)

MULHER PUDICA

Você é uma linda criatura,
cheia de compostura
e ainda não se casou.
Se você arranjar um namorado,
ele comerá trancado
o pão que o diabo amassou.

Você precisa dar um jeito em sua vida
isso de mulher sofrida
não é papo pra ninguém.
O miserável que mendigar seu amor
pagará alto valor,
ficará sem um vintém
de amor...

No Mercado de São José, no Recife, todo mundo conhece Microfone. A sua fama cresceu ainda mais quando, em 1995, participou do programa Brasil Legal, da Rede Globo, ao lado de Regina Casé. O que pouca gente sabe é que Microfone também é compositor. Entre as suas criações, estão samba-canções e marchinhas de carnaval. A sua inspiração vem sempre dos casos amorosos que teve ao longo dos seus 83 anos de vida, como a da letra acima, feita para uma mulher difícil que ele conheceu e pela qual se apaixonou sem ser correspondido, ou de fatos comuns acontecidos no cotidiano das pessoas e narrados pelas páginas policiais dos jornais, como o caso da mulher que matou o marido bêbado com a tampa do pinico de ágata.
Essa figura pequenina e impressionante por sua alegria e disposição para um bom papo, nasceu na praia de Ponta de Pedras, situada na cidade de Goiana, no litoral norte de Pernambuco, em 1925. Diz que até hoje não conhece a sede do município onde nasceu. Ainda menino, em 1936, veio com a família morar no bairro de São José, no Recife, ao lado Mercado, de onde nunca mais saiu.
Seu nome de batismo é Abdenágo de Souza Leite. Conta que nasceu em casa, em um parto normal assistido por parteira, como era comum naquela época. Diz que a sua mãe já se preparava para levantar da cama, quando a parteira avisou: "Fique deitada que ainda vem mais gente por aí". Dez minutos depois, nasceria Abdon de SouzaLeite, seu irmão gêmeo e companheiro até os dias de hoje. Depois que ficaram viúvos, Microfone e seu irmão voltaram a morar juntos, sempre no bairro de São José.
Do bairro, guarda as lembranças do tempo em que era eminentemente residencial. Do Mercado, lembra do movimento comercial intenso que havia quando as Docas do Recife ainda funcionavam e todas as compras dos navios que lá atracavam eram feitas ali. Hoje, reclama das mudanças ocorridas e principalmente do esvaziamento do bairro com as saídas das residências e a fixação do comércio no entorno do Mercado.
Conta ainda Microfone que serviu ao Exército brasileiro de 1945 a 1953. Ao lado do amigo Enéas Freire, que mais tarde criaria o Galo da Madrugada, serviu no 14º Regimento de Infantaria, em Jaboatão dos Guararapes. Lá, numa manobra de treinamento, perdeu a visão de um dos olhos e até hoje luta na justiça para ter reconhecido o direito de ir para a reserva como oficial.
Por ser muito falastrão e eloquente, ganhou o apelido de Microfone de um primo chamado Zé de Góis, na década de 50.
Pai de três filhos e uma filha, Microfone tem cinco netos. A sua filha trabalha no Palácio do Planalto, em Brasília, desde o governo FHC. Diz que o presidente Lula tem por ela um grande carinho desde quando soube que era pernambucana.
Hoje, por conta da idade, Microfone entregou a administração do seu box no Mercado de São José ao sobrinho Marcos. Mas, todos os dias, lá pode ser encontrado. Diz que depois de 70 anos de vivência no Mercado, dali só sairá quando morrer: "Transpiro o Mercado de São José 24 horas por dia!".
Figura emblemática e sempre disposto a uma boa conversa, Microfone se autodefine com precisão: "Sou um arauto da alegria!".
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Recife, 2008

3 comentários:

Firmino Caetano disse...

Vou publicar amanhã. Interessante que os nosso parlamentares nunca homenageam fígura como essa orgulho de todos nós pernambucano e sim só pessoas do sul do país (cantores, empresários etc)

Cláudio Melo disse...

Você me fez lembrar das minhas ireverentes histórias de amor, Clovis. Alguém já me disse que daria para preencher um livro...

Bráulio de Castro disse...

Clóvis, fiz uma embolada sobre o Mercado de São José há mais de quinze anos, os oito versos terminam sempre falando em Microfone, mostrei pra Castanha da dupla Castanha, mas até hoje não gravou.
Do jeito que a dupla vai, daqui a pouco estão gravando axé sertanejo e roque.....