Clóvis Campêlo
O sonho fora terrível: dois operários em construção, amarrados e com os braços abertos, eram espancados em praça pública, pelos companheiros de obra, até a morte. Do outro lado da rua, sobre o lixo de um terreno baldio, um bebê de cabelos louros e encaracolados chorava, abandonado.
Deitara cedo, é verdade, e não conseguia entender porque sonhara aquele sonho estranho, em plena madrugada, quando o dia já começava a raiar.
Levantou da cama e olhou para a companheira que, bela, ressonava, tranquila, o sono dos justos. Era sempre assim: lutava contra a insônia e os pesadelos, enquanto ela dormia com a maior facilidade.
Durante anos se perguntara o por que disso, da insônia, da angústia. De nada adiantaram os anos de terapia ou mesmo os soníferos usados durante um certo tempo. Sabe lá Deus, quantas noites passadas em claro, nos últimos anos, ou dormindo mal e sonhando besteiras como as que sonhara há pouco.
Foi até a cozinha e colocou a água do café no fogo. Quando ela acordasse, o café já estaria pronto. Ao menos para isso, a insônia serviria. Pôs o pó do café no coador (detestava as cafeteiras que ferviam o pó junto com a água) e a água quente sobre ele, deixando o delicioso aroma invadir todos os cômodos do apartamento.
Logo ela acordaria, e repetiria a invariável pergunta: “Dormiu bem hoje?”. Já se acostumara com isso. Perguntava-se por que a repetição inútil da indagação. Tanto quanto ele, ela sabia da sua incapacidade de dormir bem. Sabia dos seus pesadelos e dos seus surtos depressivos.
Quando a ela dizia isso, alegando a inutilidade da pergunta, sempre respondia: “Lembre-se que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida e nele você tem a obrigação de ser feliz. Esqueça o ontem e o amanhã. Concentre-se no agora. Liberte e libere as endorfinas”.
Odiava esse discurso otimista, mas como gostaria que ela estivesse certa.
Recife, 2010
Deitara cedo, é verdade, e não conseguia entender porque sonhara aquele sonho estranho, em plena madrugada, quando o dia já começava a raiar.
Levantou da cama e olhou para a companheira que, bela, ressonava, tranquila, o sono dos justos. Era sempre assim: lutava contra a insônia e os pesadelos, enquanto ela dormia com a maior facilidade.
Durante anos se perguntara o por que disso, da insônia, da angústia. De nada adiantaram os anos de terapia ou mesmo os soníferos usados durante um certo tempo. Sabe lá Deus, quantas noites passadas em claro, nos últimos anos, ou dormindo mal e sonhando besteiras como as que sonhara há pouco.
Foi até a cozinha e colocou a água do café no fogo. Quando ela acordasse, o café já estaria pronto. Ao menos para isso, a insônia serviria. Pôs o pó do café no coador (detestava as cafeteiras que ferviam o pó junto com a água) e a água quente sobre ele, deixando o delicioso aroma invadir todos os cômodos do apartamento.
Logo ela acordaria, e repetiria a invariável pergunta: “Dormiu bem hoje?”. Já se acostumara com isso. Perguntava-se por que a repetição inútil da indagação. Tanto quanto ele, ela sabia da sua incapacidade de dormir bem. Sabia dos seus pesadelos e dos seus surtos depressivos.
Quando a ela dizia isso, alegando a inutilidade da pergunta, sempre respondia: “Lembre-se que hoje é o primeiro dia do resto da sua vida e nele você tem a obrigação de ser feliz. Esqueça o ontem e o amanhã. Concentre-se no agora. Liberte e libere as endorfinas”.
Odiava esse discurso otimista, mas como gostaria que ela estivesse certa.
Recife, 2010
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