O BÊBADO DO BECO
Clóvis Campêlo
Já que estão por aqui aparecendo diversas figuras estranhas, resolvi falar sobre o bêbado do beco.
De início, na realidade, devo dizer que nunca o ví. Apenas o escuto gritar ensandecido, em pleno delírio alcoólico, palavras que nem sempre devem ser desprezadas.
Confesso que numa noite (é sempre à noite que a sua voz aparece), quando eu já estava entrando naquela região estranha que antecipa o sono profundo, ouvi-o gritar indignado, entre outras palavras de ordem, que o povo unido jamais seria vencido.
Talvez todos achem que esse é um dito normal, dezenas de vezes escutado em passeatas de sindicatos, comícios revolucionários ou na voz de políticos inescrupulosos, em gritos amplificados pelos insuportáveis carros de som que invadem a cidade em épocas eleitoreiras.
Mas, àquela hora da noite, quando o silêncio já se prenunciava e quando muito apenas escutávamos o triste choro das atrizes da novela das nove horas, aquele grito soava deslocado e incompleto aos meus ouvidos.
Num ato impensado, pulei da rede e corri para o beco na esperança de ainda vê-lo gritando em voz alta outras palavras de ordem ou mesmo os palavrões cabeludos que também fazem parte do seu jargão inconfundível. Desci as escada em grande correria (não dava para esperar o elevador), pulando os batentes como um cabrito novo que descobre a planície pela primeira vez e entrei no beco escuro, ansioso. Para minha surpresa, ali encontrei apenas um cachorro vira-lata vadio, roendo uma canela de galinha roubada de alguma lata de lixo, em atitude de grande felicidade. Nenhum sinal do bêbado alucinado ou da sua voz de deus nórdico. Perguntei aos transeuntes que por ali ainda se arriscavam se alguém havia visto ou escutado aquela voz de trovão que se pronunciava em nome de uma possível unidade popular. Olharam-me como se eu estivesse louco.
Desisti e voltei à minha rede no terraço. Lá, fiquei a matutar as minhas dúvidas e alimentando a vontade de conhecer o dono daquela voz misteriosa e bêbada.
Um dia, quem sabe, mesmo que seja em sonho, ainda o encontro de bobeira no beco.
Então, poderei dizer-lhe o quanto o admiro e o quanto concordo com as suas palavras insensatas de bêbado.
De início, na realidade, devo dizer que nunca o ví. Apenas o escuto gritar ensandecido, em pleno delírio alcoólico, palavras que nem sempre devem ser desprezadas.
Confesso que numa noite (é sempre à noite que a sua voz aparece), quando eu já estava entrando naquela região estranha que antecipa o sono profundo, ouvi-o gritar indignado, entre outras palavras de ordem, que o povo unido jamais seria vencido.
Talvez todos achem que esse é um dito normal, dezenas de vezes escutado em passeatas de sindicatos, comícios revolucionários ou na voz de políticos inescrupulosos, em gritos amplificados pelos insuportáveis carros de som que invadem a cidade em épocas eleitoreiras.
Mas, àquela hora da noite, quando o silêncio já se prenunciava e quando muito apenas escutávamos o triste choro das atrizes da novela das nove horas, aquele grito soava deslocado e incompleto aos meus ouvidos.
Num ato impensado, pulei da rede e corri para o beco na esperança de ainda vê-lo gritando em voz alta outras palavras de ordem ou mesmo os palavrões cabeludos que também fazem parte do seu jargão inconfundível. Desci as escada em grande correria (não dava para esperar o elevador), pulando os batentes como um cabrito novo que descobre a planície pela primeira vez e entrei no beco escuro, ansioso. Para minha surpresa, ali encontrei apenas um cachorro vira-lata vadio, roendo uma canela de galinha roubada de alguma lata de lixo, em atitude de grande felicidade. Nenhum sinal do bêbado alucinado ou da sua voz de deus nórdico. Perguntei aos transeuntes que por ali ainda se arriscavam se alguém havia visto ou escutado aquela voz de trovão que se pronunciava em nome de uma possível unidade popular. Olharam-me como se eu estivesse louco.
Desisti e voltei à minha rede no terraço. Lá, fiquei a matutar as minhas dúvidas e alimentando a vontade de conhecer o dono daquela voz misteriosa e bêbada.
Um dia, quem sabe, mesmo que seja em sonho, ainda o encontro de bobeira no beco.
Então, poderei dizer-lhe o quanto o admiro e o quanto concordo com as suas palavras insensatas de bêbado.
Recife, 2008
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