sábado, 6 de abril de 2013

Subindo o Morro ou na cadência do samba


SUBINDO O MORRO OU NA CADÊNCIA DO SAMBA

Clóvis Campêlo

Em 2008, no Dia Internacional da Mulher, mais uma vez, lá fomos nós subir o Morro da Conceição.
Nós, que tantas vezes já subimos o Morro em ocasiões especiais, quando da festividades da Santa, dia 8 de dezembro, sempre nos emocionamos com a belíssima paisagem desfrutada e com o intenso calor humano ali reinante.
Lá, no Morro, Wilson já estava nos esperando.
A primeira parada foi na casa de José Belo da Silva, o Zé Belo, natural da cidade de Limoeiro, de onde saiu aos 6 anos de idade para fixar-se no Morro da Conceição. Na época da visita, aos 72 anos de idade, que, por coincidência, estavam sendo comemorados no dia da visita, Zé Belo, apesar dos cigarrinhos que ainda traga, demonstra uma boa saúde e uma memória privilegiada.
Falou-nos das tradições do Morro, como os clubes de futebol alí existentes e que eram respeitados em todo o Recife: Tabajara, Taquarani, Forte do Morro e Onze da Lira, todos já extintos, e do Maracatu Águia de Ouro, fundado em 1939, e atuante até hoje.
Disse-nos também dos clubes dançantes que ali havia e que eram mantidos por vereadores, como Rui Alves, Romildo Gomes e Roberval Lins. Inclusive, hoje, no prédio onde funcionava o clube recreativo e dançante mantido pelo vereador Rui Alves, está a sede da Escola de Samba Cultural Galeria do Ritmo.
Ainda segundo Zé Belo, além da Galeria do Ritmo, que está no Morro desde 1963, também existiram na comunidade outras escolas de samba como a Unidos do Dendê e a Leão do Norte, ambas já extintas.
Zé Belo nos falou ainda da Cova da Onça, bar famoso no Morro e que não mais existe, e do clube Acadêmico, onde até hoje a comunidade se diverte.
Ainda segundo Zé Belo,a estátua de N. Sª. da Conceição chegou ao Morro em 1904, vinda da França, e a Igreja foi construída em 1907. Segundo ele, houve muita dificuldade para levar a estátua até o seu pedestal, porque as ladeiras ainda não eram asfaltadas.
Contou-nos ainda, que em 1959 aconteceu uma tragédia na comemoração da festa da Padroeira do Morro. Às 4 horas da manhã, quando se iniciava a celebração da missa pelo Arcebispo do Recife, houve um curto-circuito nas gambiarras das barracas e nos brinquedos da quermesse, provocando uma correria entre as pessoas, que pensavam se tratar de tiros, e que resultou no falecimento de doze fiéis. Depois da tragédia, a parte profana da festa foi transferida para o campo do Ipiranga, na Avenida Norte.
Mesmo assim, as ruas e ladeiras do Morro, ainda segundo Zé Belo, só começaram a ser calçadas em 1960, na gestão do prefeito Pelópidas da Silveira.
Curtindo a oportunidade de um bom papo, disse-nos ainda que a água do Morro era fornecida por um chafariz e vinha bombeada da Rua do Motor. Antes, o pessoal ia buscar água num cacimbão que havia perto do campo do Ipiranga e cuja água era salobra e imprópria para o consumo humano. A água encanada só chegou ao Morro em 1963, depois de muita luta do Conselho de Moradores, destacando-se nessa batalha a figura de dona Odete Gomes de Almeida. Dona Odete, hoje já falecida, teve o seu trabalho reconhecido pela comunidade e pelos poderes públicos que deu o seu nome à praça que existe na frente da igreja.
Na Galeria do Ritmo, nossa segunda parada, fomos recebidos por Valdir Barros, presidente da Escola, e José Genival de Farias, o Amarão, diretor da Ala dos Compositores. Segundo Valdir, confirmando as informações de Zé Belo, a Escola de Samba, na verdade, foi fundada no Alto José do Pinho, onde uma roda de amigos se reunia embaixo de um pé de oiti para batucar um sambinha nas horas vagas. Dessa reunião ocasional, surgiu a idéia de fundar a escola de samba, a qual logo se transferiu para o Morro da Conceição, onde permanece até hoje. Hepta campeã do carnaval recifense de 1999 a 2006, a Escola de Samba Cultural Galeria do Ritmo, cujo lema é "Aqui se aprende a cantar, tocar e sambar", e de onde saíram astros da música popular pernambucana, como Paulo Márcio e a Banda Labaredas, hoje mantém uma escolinha de percussão para crianças a partir dos cinco anos de idade.
Esse trabalho educativo, que se alterna com a escola convencional, faz com que a criançada se mantenha ocupada durante todo o dia, mantendo-se afastada da rua, da violência e do tráfico de drogas, uma realidade contundente nas comunidades periféricas, como o Morro da Conceição. Além das atividades culturais, a meninada também recebe alimentação (leite e sopão).
O presidente Valdir nos contou ainda da falta de patrocínios para a Escola e da dificuldade de se fazer samba na terra do frevo.
Na época, a Escola estava fechando um contrato com a Prefeitura de Ipojuca, na Zona da Mata Sul do Estado, para fazer diversas apresentações na cidade como forma de arrecadar dinheiro para a agremiação se manter.
Desse contato interessantíssimo, regado a cervejas geladíssimas, surgiu o convite para participarmos do ensaio da Escola, no próximo dia 16.
Como já era 3 horas da tarde e ninguém é de ferro, fomos almoçar no Bar da Geralda, um dos restaurantes mais conceituados do Morro e que figura em diversas listas gastronômicas recifenses.
Geralda Cardoso da Silva é uma senhora simpática, de 47 anos, natural da cidade de Surubim, radicada no Morro há mais de vinte anos, e que nos serviu um cozido pernambucano pra poeta nenhum botar defeito.

Recife, 2008

Um comentário:

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