SUFRAGANDO E NAUFRAGANDO NO VERMELHO
Clóvis Campêlo
Eleição é sempre um
tempo de reencontro, conosco mesmo e com os outros.
Lembro que no já
longínquo ano de 1982, em plena Avenida Guararapes, no centro do Recife, às
vésperas de mais uma eleição, com o democrata (a palavra ainda não havia sido
deturpada) Marcos Freire disputando o governo do Estado contra o biônico
Roberto Magalhães, ao lado dos amigos Valmir Sá e Gílson Ayres (já falecido)
discutíamos sobre em quem votar.
Enquanto Gílson
defendia o voto no incipiente Partido dos Trabalhadores, que tinha em Manoel da
Conceição (torturado e o mutilado por um dos governos da ditadura militar), eu
e Valmir defendíamos o “voto útil” no PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), surgido naquele mesmo ano após uma fusão do antigo MDB com o
Partido Popular (PP) de Tancredo Neves, em nome da restauração da democracia e
pelo fim do regime arbitrário que mesmo exaurido ainda se mantinha. Além do
mais, Miguel Arraes estava de volta, após o exílio na Argélia, e era preciso
fazer-lhe justiça, elegendo-o deputado federal.
Arraes se elegeu
deputado federal com 191.471 mil votos, votação recorde em todos os pleitos
estaduais até então, abrindo caminho para o seu retorno ao executivo estadual,
em 1986.
No entanto, para
governador, perdemos todos nós. O petista Manoel da Conceição teve uma votação
irrisória e Marcos Freire, inesperadamente, foi derrotado por Roberto
Magalhães. A democracia ainda engatinhava, pensávamos nós, e na sua imaturidade
ainda permitiria aquele equívoco.
Anos depois, às
vésperas de uma outra eleição estadual, reencontro Gílson Ayres em plena
Avenida Conde da Boa Vista, também no centro do Recife. Sem a presença de
Valmir Sá, reavaliamos as nossas posições. Eu, finalmente, havia optado e
postava no peito a estrela vermelha do PT, na esperança de uma revolução para a
esquerda que sucedesse a revolução que já tínhamos sofrido para a direita. Para
minha surpresa, Gílson era agora um direitista empedernido, criticando as
utopias socialistas que ainda me alimentavam alma e fazendo campanha para o
mesmo Roberto Magalhães que havia sido governador biônico do regime militar.
Mudanças, mudanças, mudanças...
Penso nisso agora que,
depois de muitos anos votando no Partido dos Trabalhadores, abri mão dessa prerrogativa
para votar em um candidato olímpico, Roberto Numeriano, do Partido Comunista
Brasileiro. O que me levou à isso? A patifaria interna do PT na escolha do seu
candidato, jogando no lixo a propalada democracia interna e, sob a mão de ferro
do Diretório Nacional, empurrando-nos goela abaixo um candidato “biônico”, o
senador Humberto Costa. Com esse gesto de autoritarismo, muitas foram as perdas
para o partido e isso se refletiu diretamente na campanha e na eleição. O
partido encolheu, no Recife, perdendo vereadores, a prefeitura e o respeito dos
seus eleitores.
Durante a própria
campanha, refletiu-se também na falta de rumo e propostas do candidato petista.
Foi uma campanha mal feita e desorientada. Entendo que isso tudo prejudicou o
desempenho do partido muito mais do que o julgamento do famigerado mensalão.
Passado o cataclismo,
penso que resta ao Partido dos Trabalhadores calçar as sandálias da humildade,
fazer um mea culpa e, principalmente, retomar os rumos e as ligações sociais
que fizeram desse partido uma agremiação única na história partidária
brasileira. Se isso não acontecer, não acredito que ele possa sobreviver com a dignidade
e a retidão suficientes para levar em frente um projeto nacional, de reforma
política e administrativa desse país.
Precisamos de
revoluções benignas na educação, na saúde pública, na habitação, no transporte
coletivo e em outras áreas que devem ser monitoradas e administradas sempre
pelo poder público.
Para mim, hoje, não
interessa à caça às bruxas. Quem deve, deve pagar pelo que fez. No entanto, não
somos tolos o suficiente de acreditar que a “justiça” é neutra e justa. O jogo
pelo poder é muito mais sujo e hipócrita do que imagina a nossa vã filosofia, e
ao PT também cabe a culpa de ter acreditado e apostado nele.
Recife, 2012
Recife, 2012
9 comentários:
Escelente Artigo, Clóvis.
Concordo inteiramente com você..
Lembro-me que naquele tempo – como dói, amigo – sáia em Carreatas daqui do Recife até Sertãnia, empunhando uma ESTRELA VERMELHA maior do que o sol, e sob a sua sombra, inúmeros poemas decantados em cada cidade.
Ao PT DE HOJE, resta apenas dizer: PT SAUDAÇÕES...
Alberto Oliveira
MUITO BOM
VOU ENCAMINHAR PARA TIO CHICO OLIVEIRA
Muito lúcido o seu artigo. Eu também há mais de 20 anos filiado ao PT e sempre votando nos candidatos do PT, nesta eleição votei como você em Roberto Numeriano. Apenas para vereador votei no PT, mesmo assim não mais em Josenildo por ele ter compactuado com o processo da escolha do candidato, desreipeitando as bases locais do PT, tendo votado então em Osmar Ricardo. Mas não diria PT SAUDAÇÕES. Espero que o PT, a meu ver ainda o partido com maior ressonância popular, aprenda a lição dada pelas urnas em Recife. O povo quer votar no PT, mas não aceita "candidato biônico", mesmo indicado pela Executiva Nacional do PT. Que o PT não queira repetir o que fizeram com o nosso prefeito João da Costa, com a nossa presidenta Dilma Roussef, cassando o seu direito de se candidatar novamente à Presidência da República em 2014.
Abraços,
Roberto de Araujo Faria
Grato pelo comentário, Roberto. Mas, em nenhum momento do texto eu falei em "PT saudações". Agora, do jeito que está não dá para ficar. tem de mudar para MELHOR.
Obrigada Clóvis, por expressar o que eu sinto.... e que me dói !
Roberto, filiado ao PT votou como vc. em Numeriano
Eu resolvi logo e para evitar risco de estrago maior votei em GRALDO JULIO
já no primeiro turno .
Vamos pra frente....fazer o quê?
bjão
Grato pelo comentário, isolda.
daqui pra frente, vamos mudar e fazer tudo diferente. Espero.
Caro amigo, gostei deste texto, e sinto nele o desconforto da ilusão, quase como um cachorro que cai de um caminhão de mudança. Vez por outra sinto-me assim. Esse sentimento de perda não é só um sentimento, mas uma perda e, simultaneamente uma descoberta, essa de que podemos nos perder no meandros do poder se não fizermos, constantemente análises das conjunturas que vivemos. NO final do seu texto sinto quase uma agressão ao poder judiciário, esse poder que faz parte da sociedade, como os legislativo e executivo. Ainda que desejemos outra coisa, eles sempre são um retrato da sociedade. Não sei se para ser de esquerda tem que se votar nos candidatos deste ou daquele partido sempre, realizando atos de fé, ainda que as conjunturas indiquem que os líderes da esquerda assimilaram, entusiasticamente, práticas que caracterizam o que se diz de direita. A história das pessoas e das instituições possuem um longo leito que nos permitem verificar seu caráter, não se deve confundir a prática de alguns com a instituição, mas devemos evitar usar o patrimônio institucional para defender atos deletérios aos projetos da boa convivência sócio-política.
Quando falei "Mas não diria PT SAUDAÇÕES" estava me referindo não ao artigo de Clóvis Campêlo, mas a um comentário anterior ao meu feito por Alberto Oliveira.
Abraços,
Roberto Faria
Eu me identifiquei muito com o seu texto. Também senti a mesma dificuldade. O maior prejuízo para mim era ver meu filho "cogitar" a possibilidade de votar em Daniel Coelho. Não, isso não!
Foi preciso muita conversa, falar da questão ideológica, a quem Daniel estava ligado...Ele me rebatia falando sobre Maluf/Lula. Em algum momento eu não tinha o que dizer. Fomos amadurecendo. Podíamos mudar de partido, mas não de lado. Começamos a analisar PCB/PSOL e PSTU. Eu, pessoalmente, tenho uma certa simpatia pelo PSOL. Mas foi uma pesquisa que Cesar me mostrou que definiu o nosso voto às vésperas da eleição.
Foram feitas três perguntas polêmicas aos candidatos: sobre o aborto, a descriminalização da maconha e casamento entre homossexuais. Todos foram contra, exceto Humberto que se absteve(?) em todas as questões e Jair Pedro que foi a favor de todas. Fiquei decepcionada com o Numeriano, pois acho que a maior vantagem de um candidato que não tem perigo de se eleger é ter a oportunidade de se colocar sobre estas questões sem medo. Por isso votamos no PSTU.
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